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À Margem do Futebol no Brasil


Visão aérea de um dos campos de futebol de várzea no Campo de Marte, em São Paulo. Disponível em: https://abrir.link/Lf0dQ. Acesso em: 04 abr. 2024.


O futebol, além de ser um esporte praticado por milhões de brasileiros, também é um negócio extremamente rentável para diversas empresas e organizações ligadas aos torneios de grande alcance nacional. Em 2022, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entidade máxima do desporto no Brasil e principal organizadora dos campeonatos (como o Campeonato Brasileiro Série A), obteve um faturamento recorde de R$ 1,2 bilhão [1]. Os clubes de futebol são uma importante força-motriz do esporte e contaram com um alto faturamento nos últimos anos. O Flamengo, por exemplo, time de maior torcida, faturou R$ 1,37 bilhão em 2023. [2]

 

Os jogos também atraem uma grande audiência, posto a alta popularidade entre o povo brasileiro. Essa situação pode ser percebida em uma recente negociação na qual o Grupo Globo, dona do canal de maior audiência do país, se envolveu para obter os direitos de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro Série A de 2023. A organização chegou a desembolsar a expressiva quantia de R$ 2,1 bilhões para ter os direitos de transmissão dos 20 times da série A do futebol brasileiro [3], o que evidencia e confirma o futebol enquanto mercadoria.


Para além dos direitos de transmissão, grandes empresas, buscando alavancar as vendas de seus produtos e se valorizar no mercado, patrocinam diversos clubes de futebol com cifras milionárias. O Flamengo, por exemplo, detém um dos maiores patrocínios master [4] entre os clubes brasileiros. Em parceria recém firmada com a casa de apostas Pixbet, o clube receberá, anualmente, R$ 85 milhões. [5]


Ainda que essas cifras milionárias não sejam a realidade da maior parte dos jogadores profissionais no Brasil, o faturamento elevado da indústria gerada pelo futebol de alto nível também se reflete nos expressivos salários recebidos pelas grandes estrelas  da Série A do futebol brasileiro. Alguns dos jogadores mais bem pagos do Brasil, como o Gabriel Barbosa Almeida (Gabigol), do Flamengo e o Eduardo Pereira Rodrigues (Dudu) do Palmeiras recebem, mensalmente, salários na casa dos milhões de reais [6].


No entanto, por trás deste glamour e deste dinheiro vultoso, existe uma outra realidade que envolve o futebol, que muitas vezes passa despercebida pelos grandes meios de comunicação: o futebol amador ou o futebol de “várzea”, como é mais conhecido. Essa modalidade geralmente é realizada em zonas periféricas, a partir de uma infraestrutura relativamente precária, devido ao baixo investimento e ao fato de ser praticada pelas partes mais desfavorecidas da sociedade. A maior parte dos jogadores de várzea são formados por pessoas que não conseguiram ascender profissionalmente e subjugaram-se ao futebol amador, ou mesmo pessoas que possuem outro emprego ou atividade remunerada mas investem seu esforço na prática do esporte como complemento de renda em concomitância ao  lazer. 


A condição precária de trabalho da maioria dos jogadores brasileiros lança luz sobre a realidade muitas vezes negligenciada dos jogadores de várzea. Estes atletas, comumente  os pilares do futebol local, enfrentam desafios monumentais em suas jornadas esportivas. Com acesso limitado a recursos adequados, instalações precárias e poucas oportunidades de treinamento formal, eles personificam a paixão desenfreada pelo jogo. Apesar das adversidades, a resiliência, habilidade natural e o amor pelo esporte desses jogadores são inegáveis, destacando que o futebol de várzea pode atuar em um sentido mais amplo do que apenas uma simples mercadoria.


Desde que o futebol chegou ao Brasil a várzea representou um símbolo de resistência da periferia, dado que a prática do esporte, sobretudo no início do século XX, era extremamente elitista e segregacionista [7]. O nome “várzea” remete aos campos de terra que ficavam à margem do rio Tietê, na cidade de São Paulo, que devido aos alagamentos recorrentes, moldavam os campos de forma a favorecer a prática do futebol de maneira improvisada. [8]


Desde esse tempo,  os jogos de várzea atuam como uma excelente ferramenta de interação entre os membros de uma comunidade local e uma forma de afirmação de práticas culturais de determinada região. Em muitas áreas urbanas, o futebol de várzea não é apenas um jogo, mas uma tradição profundamente enraizada que une pessoas de diferentes origens socioeconômicas e culturais. Os campos de várzea servem como pontos de encontro onde vizinhos se reúnem para torcer por seus times locais, promovendo um senso de pertencimento e camaradagem. Além disso, essa prática proporciona oportunidades de lazer e atividade física em espaços acessíveis, contribuindo para a saúde e o bem-estar das comunidades.


O futebol de várzea também desempenha um papel significativo na economia local de muitas comunidades, especialmente na periferia, onde o esporte é uma atividade amplamente praticada e apoiada. As partidas de futebol de várzea não só atraem participantes locais, mas também espectadores de toda a região, gerando um fluxo constante de pessoas que frequentam os campos, compram alimentos e bebidas em estabelecimentos próximos e utilizam serviços de transporte local. [9]


Ademais, esses campeonatos muitas vezes envolvem taxas de inscrição e patrocínios de empresas locais, injetando capital na economia da área. A presença de equipes de futebol de várzea também pode estimular o empreendedorismo da região, com a venda de equipamentos esportivos, uniformes personalizados e outros produtos relacionados ao esporte. Portanto, o futebol de várzea não apenas promove a coesão social e a identidade cultural, mas também desempenha um papel ativo na dinamização da economia local, contribuindo para o desenvolvimento sustentável das comunidades onde é praticado.


Um exemplo notório do potencial econômico dos campeonatos de várzea é a Taça das Favelas [10].  O torneio, após mais de 20 edições, conseguiu atrair diversos patrocinadores ao longo de sua existência e suas finais são transmitidas em rede nacional pela Rede Globo[11]. No entanto, essa é uma exceção dentre a realidade da maioria dos campeonatos de várzea no  Brasil.


É importante destacar que o futebol de várzea, sobretudo, cumpre um papel de preservação de culturas regionais que se veem constantemente ameaçadas. Um exemplo disso é o Complexo Esportivo de Lazer e Cidadania do Campo de Marte, que, situado na turbulenta São Paulo, emerge como um oásis de resistência em meio a um cenário urbano em constante transformação. Segundo Otacílio Ribeiro, representante do complexo: "A área é remanescente da várzea antiga de São Paulo, na beira do Tietê. Da Lapa à Penha, existiam mais de 100 campos de várzea. Isso foi o que restou da várzea de São Paulo, pelo menos na região mais central da cidade". [12]


Esses campos, ao serem palcos de partidas acirradas, são também testemunhas da história local, refletindo a identidade e os valores das comunidades que os frequentam. Nesse contexto de crescente urbanização e perda de espaços públicos, o Campo de Marte conta, atualmente, com 6 campos de várzea e torna-se um símbolo de resistência, devido às pressões do desenvolvimento urbano desenfreado e à crescente especulação imobiliária. 


Assim, apesar dos grandes campeonatos profissionais de futebol no Brasil movimentarem uma elevada quantidade de recursos e serem amplamente divulgados nos grandes meios de comunicação, o  futebol de várzea é uma excelente  ferramenta de apoio às economias locais e de integração sociocultural. Ao preservar os campos de várzea, o Complexo não apenas mantém vivas as tradições esportivas, mas também protege a essência e a coesão das comunidades, que encontram nesses espaços um refúgio de identidade e pertencimento.

 

Arthur Mariano Soares 

Matheus Ferreira Maia

 

Referências:


[1] FERNÁNDEZ, Martín. CBF anuncia faturamento de R$ 1,2 bilhão e lucro recorde em 2022. GE, 2023. Disponível em: https://encurtador.com.br/bhnpB. Acesso em: 03 abr. 2024.


[2]  REDAÇÃO. Flamengo alcança marca de R$ 1 bilhão de receita em 2023 antes do último trimestre.  GE, 2023. Disponível em: https://encurtador.com.br/cgwQ9.  Acesso em: 03 abr. 2024.

 

[3] REDAÇÃO. Quanto cada clube ganhou da globo pelo  brasileirão 2023. Lance, 2024. Disponível em: https://encurtador.com.br/knox5. Acesso em: 03 abr. 2024.


[4] O patrocínio master refere-se ao principal patrocinador de um clube durante determinado  período de tempo.


[5] Souza, Antonio.  Com Vai de Bet, Corinthians lidera lista com maior patrocínio do futebol brasileiro; veja ranking. Exame, 2024 Disponível em:  https://encurtador.com.br/ejQTV. Acesso em: 09 abr. 2024.


[6] Redação. Dudu ou Gabigol? Veja os maiores salários do futebol brasileiro. Disponível em: https://encurtador.com.br/jmxEY. Acesso em: 09 abr. 2024.


[7] Rosas, Frederico. Da elite branca ao rei negro. El País, 2014.  Disponível em: https://encurtador.com.br/jAHJZ. Acesso em: 09 abr. 2024.


[8] Garcia, Cecília. O futebol de várzea em São Paulo e o direito à cidade. Educação e território, 2018. Disponível em: https://encurtador.com.br/beCGM. Acesso em: 09 abr. 2024.


[9] Redação. Futebol de várzea: conheça histórias de paixão com o Profissão Repórter; assista à íntegra. G1, 2022.  Disponível em: https://encurtador.com.br/aegR4. Acesso em: 09 abr. 2024.


[10] Torneio organizado, desde 2012, pela Central Única das Favelas (CUFA).


[11] BOMFIM, Carlos. Favelão: torneio de futebol de várzea no Rio virou o maior do mundo e atraiu grandes patrocinadores. Exame, 2022. Disponível em: https://encurtador.com.br/pxGS3. Acesso em: 15 abr. 2024.


[12] SACHETO, CESAR; Padin, Guilherme. Campo de Marte preserva ‘oásis’ do futebol de várzea em São Paulo. R7, 2018. Disponível em: https://encurtador.com.br/corsA . Acesso em: 09 abr. 2024.

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