O NOSSO CURSO DE ECONOMIA É MUITO TEÓRICO!
- PET Economia UFES

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LATUFF, Carlos. Tempos modernos nas escolas. Educação em Revista (SEPE/RJ), dez. 2012. Disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Figura-3-Charge-de-Latuff-Educacao-em-Revist a-Sepe-RJ-12-2012_fig3_347228388. Acesso em: 01 dez. 2025.
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De fato, se observarmos atentamente a estrutura do nosso curso de Economia, veremos que, especialmente nos primeiros semestres, um número muito grande de disciplinas é exclusivamente teórica, e não prática. Estuda-se um número excessivamente grande de autores como Quesnay, Smith, Ricardo, Marx, Marshall (para falar de um só dos autores da Teoria Neoclássica), Keynes, Schumpeter, Sylos Labini, além de inumeráveis páginas sobre formação do capitalismo e evolução econômica do Brasil.
Além de tudo, é importante assinalar, que cada um daqueles autores fala sobre assuntos diferentes e, quando não, tem opinião diferente dos demais sobre as mesmas coisas e até sobre assuntos triviais. O pior é que os alunos são obrigados a estudar cada um deles diretamente no original. Não há nenhum esforço de professores ou autores de escolherem ou elaborarem textos resumidos capazes de transmitir didaticamente a opinião de cada um dos autores. Melhor ainda, ninguém se esforça para fazer uma boa síntese de todas essas idéias, de maneira que todo o conhecimento ficasse num único manual ou tratado.
Tendo essas idéias centrais em vista, resume-se a seguir alguns princípios que deveriam ser seguidos pelos organizadores de curso mais voltado para a prática e não para a teoria:
1. Não é necessário estudar tantos autores, nem estudá-los através de seus textos originais. O conhecimento de muitos dos autores não tem nenhuma importância no mercado de trabalho, conhecê-los não altera as possibilidades de um formando em economia.
2. Os professores devem organizar-se para que suas aulas sejam o mais objetivas possível, com descrição de casos observados na prática do trabalho, muitos exemplos concretos, muitos dados empíricos descritivos da economia real, mercado financeiro, etc (especialmente com a transcrição no quadro negro de tabelas e gráficos ilustrativos).
3. Devem ser usados textos ou manuais práticos bem objetivos, a fim de evitar que o aluno tenha que estudar aquilo que não vai lhe servir na profissão; especialmente aquilo que não ajude diretamente na hora de disputar espaço no mercado de trabalho. A opção por manuais tem, além disso, a vantagem de evitar gastos excessivos na compra de livros que, embora com interpretações diferentes, tratam dos mesmos assuntos.
4. Frente às diferentes interpretações sobre aspectos relevantes da economia, especialmente da economia brasileira, o professor deve escolher uma, a melhor, e transmiti-la a seus alunos. Com isso os alunos evitam perder tempo discutindo diversas posições sobre a mesma coisa.
5. Quando o conteúdo que o professor pretende transmitir aos alunos não aparece exatamente num livro texto escolhido ou em alguma apostila, deve haver a oportunidade de que os alunos possam copiar, de preferência com a matéria sendo ditada pelo professor quando o tema é muito importante.
6. As avaliações devem ser o mais objetivas possível, de preferência com teste de múltipla escolha ou do tipo certo/errado. Devem ser evitadas as avaliações que impliquem a redação por parte dos alunos, especialmente as muito longas. Os conteúdos exigidos devem restringir-se aos temas discutidos em sala de aula, na forma em que foram apresentados.
7. Disciplinas como Sociologia, Política, Filosofia, Metodologia Científica, Português são dispensáveis ou secundárias.
8. O ensino deve ser voltado para formar técnicos e não cientistas.
COMENTÁRIO
Confesso que fiz enorme esforço para resumir as idéias daqueles que combatem a forma de ensinar economia de maneira pluralista. Para alguns alunos e professores, talvez muitos, as afirmações anteriores parecem muito ingênuas e superficiais. No entanto, o número de pessoas que podem pensar assim nos cursos de Economia ao longo de todo o país não pode ser considerado desprezível.
Considero que a proposta implícita naquelas idéias conforma o que poderíamos chamar de “ensino medíocre”. Esse tipo de ensino, o da mediocridade, que lamentavelmente é generalizado no país, só pode formar seus alunos para preocupações burocráticas ou subalternas.
O mercado de trabalho, para o tipo de ocupações indicadas, não é, nos nossos dias, muito favorável, especialmente para aqueles que iniciam sua vida profissional e buscam seu primeiro emprego; nesse mercado, o desemprego é muito grande. Para as ocupações burocráticas ou subalternas, a concorrência normalmente é vencida por aqueles que são originalmente mais talentosos, mais espertos ou melhor apadrinhados. Na verdade a palavra talento não é a mais adequada nesse contexto, a melhor talvez fosse inclinação ou personalidade subalterno/burocrática.
O certo é que o ensino universitário, bom ou ruim, muito pouco pode contribuir para um candidato a essas ocupações, além do formal diploma. Este, até tem certa importância. No entanto, o ensino universitário público não pode contentar-se com isso. O ensino da mediocridade não pode ser objetivo da universidade pública.
O mercado de trabalho para o verdadeiro economista, hoje mais do que nunca, exige um profissional com elevado grau de criatividade e ousadia para enfrentar problemas novos, capazes de aceitar desafios que a vida diária e prática constantemente nos estão lançando. A teoria que deve aprender na Universidade não é um conjunto de definições para serem decoradas e repetidas para o entrevistador na hora da seleção para um emprego qualquer. Ela, se realmente compreendida, serve como instrumental necessário para interpretar adequadamente a realidade e como ferramenta indispensável de trabalho para o profissional de economia, seja qual for a ocupação escolhida, exceto as burocráticas ou subalternas.
Aquele que acha que nosso ensino de Economia é muito teórico e pouco prático talvez não ouse pensar por si mesmo e queira respostas prontas para todos os problemas que enfrenta. Para os problemas novos e relevantes, elas não existem; precisam ser elaboradas.
Aquele que não quer enfrentar-se com as dificuldades de um estudo profundo sobre qualquer âmbito do conhecimento humano talvez possua uma original inclinação para ocupações rotineiras ou burocráticas. Uma cômoda e confortável posição subalterna é o máximo de sua aspiração. Nosso ensino de Economia não foi feito para ele.
É verdade que seria um erro querermos formar cientistas nos nossos cursos. Não é isso que pretende a maioria dos que procuram nosso curso, nem haveria mercado de trabalho para tantos. Queremos formar profissionais para o mercado de trabalho, mas que sejam competentes e que realmente estejam em condições de enfrentar adequadamente as dificuldades da concorrência. Para isso, não há outro jeito: ele deve ter uma sólida e ampla formação teórica, histórica, instrumental e técnica. Ele não será completo, ademais, sem uma formação cultural adequada.
No entanto, se depois de uma séria avaliação do nosso curso realmente chegássemos à conclusão de que ele é excessivamente teórico, a culpa não seria das disciplinas ligadas a essa área; seria na verdade das outras. A responsabilidade seria das disciplinas mais ligadas às questões concretas por não estarem à mesma altura daquelas que estão voltadas mais para a teoria.
Na verdade, os atuais professores de disciplinas mais instrumentais ou técnicas, mais ligadas à realidade econômica concreta, enfrentam hoje um desafio que os mais antigos não conheceram: devem ensinar matérias para alunos mais exigentes, mais conhecedores de economia, capazes de interpretar, com pensamento próprio, muitas questões. Enfrentam-se estudantes que já conhecem os grandes pensadores. Esse é um grande desafio, especialmente porque a bibliografia disponível nem sempre é satisfatória; nossa formação, tampouco. Aqueles professores que querem enfrentá-lo com seriedade e humildade, que tenham nosso apoio.
Não queremos um curso exclusivamente teórico, nem tampouco o ensino da mediocridade.
Reinaldo Antônio Carcanholo, 27 de abril de 2009
(In memorian)






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