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Vai acabar em pizza?




Nos casos onde algum acontecimento grave fica sem um desfecho considerado adequado, trazemos a expressão “acabar em pizza”, gíria inserida no contexto popular em 1992, com a incerteza do impeachment do ex-presidente Fernando Collor durante a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) do Esquema PC Farias. Na CPI do PC, Collor foi absolvido pelo crime de corrupção passiva. Já PC, responsável por encabeçar os esquemas de corrupção que deram vida à CPI, embora entre reviravoltas, foi condenado em 1994. No entanto, o mesmo não pôde cumprir sua pena, pois foi encontrado morto em 1996, fadando o Esquema PC Farias à uma certa impunidade[1].


É justamente o receio de uma possível impunidade que liga o cenário político brasileiro atual com o que se concretizou em 1996. Há quase dois anos o país se vê em choque diante das recorrentes mortes causadas pela Covid-19, sendo que muitas poderiam ter sido evitadas. É evidente que houve uma falha do poder executivo, sobretudo a nível federal, no que diz respeito a uma comunicação oficial para amenizar a disseminação do novo vírus (SARS-CoV-2). Além disso, houve também uma negligência no que tange a compra de vacinas[2] ou até mesmo incentivo, a princípio, pelo financiamento para a produção das mesmas[3]. Já não bastasse, somam-se os comentários polêmicos e falsos de uma das figuras mais influentes do país, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PL). Felizmente, todo esse descaso do governo com os cidadãos brasileiros não passou despercebido, vide a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, criada no Senado após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), em 13 de abril de 2021.


A CPI da Covid-19, instrumento de investigação do poder legislativo, teve como principal objetivo apurar as falhas do governo federal no combate à pandemia. O relatório final foi aprovado após seis meses de investigação, no dia 26 de outubro de 2021, concluindo com 80 indiciamentos[4], bem como propostas de leis e alteração na Constituição[5]. Entre as denúncias da CPI constam 9 crimes cometidos pelo atual presidente da República e diversas infrações, de mais de 20 naturezas diferentes, cometidas por vários nomes de ocupantes e ex-ocupantes de cargos do Ministério da Saúde, de parlamentares, assessores e ex-assessores, ministros e ex-ministros, entre outros[6].


Diante o exposto, a comissão da pandemia, de uma certa maneira, já cumpriu sua finalidade. Segundo o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), a investigação, por si só, realizou com veemência duas propostas básicas: buscar justiça e estimular a vacinação entre a população[7]. Desse modo, a tese de Aziz que a CPI influenciou no ritmo de imunização nacional pode ser corroborada com a estatística da vacinação, visto que o Brasil que detinha aproximadamente 6,6% da população imunizada com as duas doses no início dos trabalhos da CPI da Covid, em abril de 2021, saltou para mais 70%[8] do total da população vacinada com duas doses no início de 2022[9].


Os requerimentos que originaram a comissão, formada por 11 senadores, levaram a investigação de ações e omissões do governo federal; fiscalização dos repasses de recursos da União e os eventuais desvios dessas transferências para estados e municípios. Entre os requerimentos, destaca-se por exemplo o ‘Gabinete Paralelo’ que buscou investigar se o atual presidente da República obteve ajuda não oficial para lidar com a pandemia da Covid-19, ato que é suspeito de ter provocado o incentivo ao uso do medicamento cloroquina, cientificamente comprovado ineficaz, e que ficou conhecido, erroneamente, como um tratamento precoce do vírus. O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), defensor do uso do medicamento, ao depor, disse ter se encontrado com o presidente e médicos que compartilhavam da mesma crença, bem como a médica Nise Yamaguchi, também defensora do medicamento. Mesmo assim, ambos negaram haver um 'Gabinete Paralelo’[10].


Visto que uma CPI não possui o poder de punir os indiciados, após a conclusão das investigações, o relatório é encaminhado aos devidos órgãos para que esses dêem, ou não, continuidade a investigação. Visto que alguns dos indiciados possuem foro especial por prerrogativa de função, ou seja, são julgados por tribunais específicos de modo a resguardar as funções de seus cargos políticos, é natural que a avaliação de suas denúncias passe pelo Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, que é quem irá oficializar as mesmas de acordo com seus devidos tribunais.


Sabendo disso, já faz mais de quatro meses do envio do relatório final à Procuradoria-Geral da República e poucas decisões a respeito das autoridades com foro no STF foram tomadas - no caso do presidente, nenhuma foi tomada. A alegação da Procuradoria é de que não foram anexados, junto às acusações, documentos que as comprovem, dificultando o processo de denúncia. Já os senadores que encaminharam o relatório afirmam o contrário, que documentos foram sim entregues, e o relatório possui um buscador para facilitar o trabalho dos procuradores. Contudo, o impasse continua, já que a argumentação dos procuradores é de que a procura pelos documentos representa um trabalho hercúleo[11] devido à magnitude dos mesmos e também que o buscador não é tão eficiente[12]. Esses argumentos, no entanto, estão sendo vistos como suspeitos pelos senadores, que acusam o PGR, que foi indicado pelo presidente da República, de estar “blindando” o mesmo de ser responsabilizado[13], visto que outras Procuradorias da República já possuem ações penais com base nos mesmos documentos, como por exemplo a abertura do inquérito contra o ex-ministro da saúde, Eduardo Pazuello, por omissão no caso do colapso de oxigênio em Manaus[14].


Além disso, antes mesmo das alegações da falta de provas, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), suplente na comissão, disse que seria difícil o PGR “passar por cima” das acusações feitas ao presidente da República, justamente devido às provas apresentadas. O mesmo ainda disse: “Por exemplo, incitação ao crime. O presidente Bolsonaro, praticamente todos os dias, orientou e estimulou os brasileiros a descumprir ordens legais de prefeitos e governadores”[15]. Essas atitudes do presidente também foram salientadas pelo jornal O Globo, que expôs como o relatório da CPI da Covid-19, elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relaciona as falas do presidente com a infração de medidas sanitárias preventivas.[16]


Logo, uma fala do senador Omar Aziz (PSD-AM), quando ainda faltavam alguns dias para que a entrega do relatório completasse quatro meses, chama a atenção. Ao questionar o atraso por parte do PGR, disse “[Aras] pode condenar ou absolver, mas nunca dizer que não há provas. Se ele absolver, entrará na História absolvendo quem contribuiu para a morte de 630 mil pessoas. Se ele condenar, estará fazendo o dever dele. O único argumento que ele não pode dizer é que não há provas. As provas são públicas, de conhecimento do povo brasileiro”[17]. Portanto, o argumento de que Aras estaria protegendo o presidente Jair Bolsonaro de não ser responsabilizado, ganha ainda mais peso no meio político.


Dito isso, um fato curioso é que, na CPI do Esquema PC Farias, que ocorreu na década de 1990, embora o ex-presidente Fernando Collor tenha sido absolvido do crime de corrupção passiva, o mesmo foi condenado por crime de responsabilidade, um dos quais o atual presidente também está sendo acusado. Essa condenação suspendeu os direitos políticos de Collor por 8 anos e também foi responsável por seu impeachment. Diante disso, era de se esperar que em um ano de eleição, ou ainda, uma provável reeleição no caso do atual presidente Jair Bolsonaro, medidas em relação a suas 9 acusações criminais fossem priorizadas pelo PGR. Até o momento, este não é o caso. Apesar disso, envolvidos na comissão se mostram empenhados em alcançar um final digno para os brasileiros e brasileiras, como se observa pela fala do presidente da comissão, Omar Aziz: “Não queríamos e não queremos vingança – queremos justiça. Se alguém acha que algum procurador vai matar no peito esse relatório e dizer que isso aqui são narrativas, vai ter que dizer como são narrativas, sabe por quê? Porque esse documento é público”[18].


Portanto, diante de um histórico de corrupções, negligências e arquivamentos, o empenho daqueles que trabalharam na formulação do relatório da CPI da Covid-19 se apresenta como um energizante para a população brasileira, mesmo que o cenário não seja favorável. Como apontou o senador Alessandro Vieira, o sistema judiciário é conhecido por sua lentidão, porém, a esperança agora é depositada na gravidade dos fatos[19] que são cada vez mais intensificados pela conjuntura vigente, para que então, esse não seja mais um escândalo político que venha a “acabar em pizza”.

Afonso Dantas de Sousa

Maria Eduarda C. Marchesi


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1]Migalhas. Condenação de PC Farias por esquema de corrupção completa 25 anos. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/302364/condenacao-de-pc-farias-por-esquema-de-corrupcao-completa-25-anos>. Acesso em 03 de mar. 2022. [2] Benites, Afonso. El País. Diretor da Pfizer escancara atraso letal do Governo Bolsonaro na compra de vacinas. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-13/diretor-da-pfizer-escancara-atraso-letal-do-governo-bolsonaro-na-compra-de-vacinas.html>. Acesso em 17 de fev. 2022. [3] MOROSINI, Lisiane. “Renunciar à ciência é renunciar à sobrevivência'', Radis, Rio de Janeiro, n. 228, p. 10-17, set. 2021. Disponível em: <https://radis.ensp.fiocruz.br/phocadownload/revista/Radis228_web.pdf>. Acesso em 02 de mar. 2022. [4] Agência Senado. Após seis meses, CPI da Pandemia é encerrada com 80 pedidos de indiciamento. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/27/26/apos-seis-meses-cpi-da-pandemia-e-encerrada-com-80-pedidos-de-indiciamento >. Acesso em 02 de mar. 2022. [5] Agência Senado. CPI da Pandemia: principais pontos do relatório. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/20/cpi-da-pandemia-principais-pontos-do-relatorio >. Acesso em 02 de mar. 2022. [6] Politize!. Relatório da CPI da Covid-19: entenda os principais pontos! Disponível em: <https://www.politize.com.br/relatorio-cpi-covid/ >. Acesso em 01 mar. 2022. [7] Folha de Pernambuco. Renan Calheiros apresenta relatório final da CPI da Covid; assista à sessão ao vivo. Disponível em: <https://www.folhape.com.br/politica/renan-calheiro-apresenta-relatorio-final-da-cpi-da-covid-assista-a/202437/>. Acesso em 02 de mar. 2022. [8] Our World In Data. Share of people vaccinated against COVID-19, Mar 1, 2022. Disponível em: <https://ourworldindata.org/covid-vaccinations?country=BRA>. Acesso em 02 de mar. 2022. [9] G1. Brasil aplicou ao menos uma dose de vacina contra Covid em mais de 30,2 milhões de pessoas, aponta consórcio de veículos de imprensa. Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/04/27/brasil-aplicou-ao-menos-uma-dose-de-vacina-contra-covid-em-mais-de-302-milhoes-de-pessoas-aponta-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml>. Acesso em 02 de mar. 2022. [10] Agência Senado. O caminho da CPI da Pandemia: da instalação ao relatório final. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/10/o-caminho-da-cpi-da-pandemia-da-instalacao-ao-relatorio-final>. Acesso em 02 de mar. 2022. [11] Que possui características de Hércules; que é extraordinário, excepcional, fabuloso como Hércules. [12] TUROLLO, Reynaldo Jr. A confusão que pode fazer a CPI da Pandemia terminar em pizza. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/a-confusao-que-pode-fazer-a-cpi-da-pandemia-terminar-em-pizza/>. Acesso em 02 de mar. 2022. [13] CHRISTIAN, Hérica. Direção da CPI da Pandemia acusa Aras de protelar investigações contra o governo. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2022/02/direcao-da-cpi-da-pandemia-acusa-aras-de-protelar-investigacoes-contra-o-governo>. Acesso em 02 de mar. 2022. [14] PT na Câmara. Pressionado, Aras pede abertura de inquérito contra Pazuello por colapso na saúde em Manaus. DIsponível em: <https://pt.org.br/pressionado-aras-pede-abertura-de-inquerito-contra-pazuello-por-colapso-na-saude-em-manaus/ >. Acesso em 01 de mar 2022. [15] FERRARI, Murilo; ALVES, Juliana. CPI acabou, mas começa a fiscalização e a cobrança, diz senador Alessandro Vieira. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/cpi-acabou-mas-comeca-a-fiscalizacao-e-a-cobranca-diz-senador-alessandro-vieira/>. Acesso em 02 de mar. 2022. [16] O Globo. Falas de Bolsonaro contra vacinas, máscaras e lockdown são provas de 'fake news' em minuta de relatório da CPI da Covid. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/politica/falas-de-bolsonaro-contra-vacinas-mascaras-lockdown-sao-provas-de-fake-news-em-minuta-de-relatorio-da-cpi-da-covid-1-25242176 >. Acesso em 01 mar. 2022. [17] CNN Brasil. CPI acabou, mas começa a fiscalização e a cobrança, diz senador Alessandro Vieira. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/cpi-acabou-mas-comeca-a-fiscalizacao-e-a-cobranca-diz-senador-alessandro-vieira/ >. Acesso em 02 de mar 2022. [18] MATTOS, Marcela et al. CPI da Covid aprova relatório final, atribui nove crimes a Bolsonaro e pede 80 indiciamentos. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/10/26/cpi-da-covid-aprova-relatorio-atribui-nove-crimes-a-bolsonaro-e-pede-80-indiciamentos.ghtml>. Acesso em 02 de mar. 2022. [19] FERRARI, Murilo; ALVES, Juliana. CPI acabou, mas começa a fiscalização e a cobrança, diz senador Alessandro Vieira. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/cpi-acabou-mas-comeca-a-fiscalizacao-e-a-cobranca-diz-senador-alessandro-vieira/>. Acesso em 02 de mar. 2022.

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