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Saúde: um bem ou um direito?

Atualizado: 17 de nov. de 2022



Nem segurança nem corrupção. Prioridade do Governo deve ser saúde e emprego, diz pesquisa. 2022. Disponível em: < https://bit.ly/3SI8sTi >. Acesso em: 28 set. 2022.


A pandemia de Covid-19, que assolou o mundo nos últimos anos, trouxe diversos impactos econômicos e sociais para a população brasileira. O sistema de saúde público foi uma das áreas com maior impacto nessa fase pandêmica, sendo crucial para o atendimento à população, sobretudo daqueles que têm no Sistema Único de Saúde (SUS) seu único meio de atendimento. Contudo, o mesmo colapsou devido ao aumento da demanda combinado a falta de recursos. Essa fragilidade exposta é consequência de um fenômeno que ocorre, no Brasil e no mundo, a um tempo bem maior: a “mercantilização da saúde”.

O termo “mercantilização da saúde” surgiu no contexto da crise do “Estado de Bem-Estar Social” e da ascensão de Margaret Thatcher (Partido Conservador) ao cargo de liderança do Reino Unido, no qual, pautado em uma política neoliberal, o governo passou a retirar as políticas públicas desse estado de bem-estar social e a produzir uma série de privatizações, com a saúde, um direito humano, se transformando em uma mercadoria.

O sistema de bem-estar social se estruturou no pós Segunda Guerra Mundial, em que os países da Europa Ocidental passaram a adotar um conjunto de medidas em favor de suas populações. Como exemplos, tem-se o estabelecimento de um sistema de previdência, sistema de saúde pública e proteção contra a pobreza. Essas políticas estavam pautadas em um "pacto social" em que o Estado intermediava a relação de capital-trabalho para aumentar a renda disponível como meio de possibilitar o consumo de massa. Já no Brasil, como semelhante ao estado de bem estar social, em 1990, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo os princípios de acesso universal e igualitário à saúde.

Entretanto, as crises financeira e energética dos anos 1970 e a ascensão do neoliberalismo geraram uma revisão nesse sistema por parte dos países europeus. Esse fenômeno com reformulação de políticas públicas se intensificou no Brasil em 1998, quando foi aprovada a lei de organizações sociais (OSs), que são entidades de direito privado autorizadas a atuar em conjunto com o poder público em áreas de educação, saúde, ciência etc.

A partir daí, de acordo com o Censo das OSs brasileiras, em 2018[1], o poder público começou a transferir a gestão de postos de saúde e ambulatórios para essas entidades, sob a argumentação de que seria mais econômico aos cofres estatais e traria melhoras na qualidade e eficiência dos atendimentos[2]. Simultaneamente a todos esses atos, a população brasileira acompanhou a aprovação, em 2017, do teto de gastos públicos, que congelou os investimentos em diversas áreas, inclusive na saúde, com o objetivo de reduzir o déficit governamental. Essa medida diminuiu, em termos reais, os recursos alocados pelo Governo Federal na saúde, reduzindo a capacidade do SUS e abrindo espaço para o mercado de planos privados e para as OSs dominarem o setor de saúde.

Entretanto, as alegações de que as organizações sociais são eficientes, mais econômicas e de maior qualidade não parecem estar pautadas na realidade. A título de exemplo, no Rio de Janeiro, essas organizações, responsáveis por mais de 260 unidades de saúde no estado e recebendo cifras bilionárias do poder público, foram incapazes de prover uma estrutura de saúde digna. Dessa forma,tornou-se necessário um aporte da Prefeitura do Rio de Janeiro de R$ 100 milhões em regime de urgência para tais unidades no ano de 2019", a fim de se manter o atendimento funcionando minimamente[3].

Ademais, no que diz respeito ao SUS, as notícias de redução de recursos são frequentes. Exemplo disso, foi o corte no orçamento destinado para investimentos nas áreas de prevenção e controle do câncer, reduzida em 45%, saindo de R$ 175 milhões em 2022 para R$ 97 milhões em 2023[4], o que expõe, de maneira cristalina, o desleixo estatal com um direito básico da população.

Esse descaso com o sistema de saúde brasileiro deu base para as companhias privadas ampliarem sua participação e transformarem a saúde em um grande mercado no país. Atualmente, observa-se que a procura por planos de saúde privados cresceu de forma significativa, com a receita destes tendo aumentado, em 2021, 10 bilhões de reais em relação a 2020 - R$ 239,9 bilhões contra R$ 229,9 bilhões -, reflexo de quase dois milhões de consumidores a mais na procura por saúde privada. O crescimento também foi impulsionado pela pandemia, segundo especialistas[5].

Com esse aumento na procura, os planos de saúde passaram a ter maior margem para aumentar suas mensalidades, de forma que o lucro dos proprietários aumentou, mas a infraestrutura do plano não, tanto para os pacientes quanto para os próprios médicos. Entre 2000 e 2009, por exemplo, estes reajustes mensais acumularam 133%; já os médicos não receberam reajuste anual, ainda que tenham gastos crescentes, como o desenvolvimento dos consultórios[6].

Logo, além dos pacientes sofrerem ou com o mal funcionamento do SUS e das OSs, ou com a capitalização excessiva dos planos privados, os próprios funcionários da saúde têm sua mão de obra explorada, com baixa remuneração, más condições de trabalho e falta de direitos trabalhistas. Além disso, quando trabalhadores da saúde conseguiram, com muito esforço, um piso salarial, as grandes corporações reagiram e, via Judiciário, impediram os efeitos do piso salarial para enfermeiros e técnicos de enfermagem.

Isso evidencia como a política brasileira está pautada na ideologia neoliberal, e por causa disso,os brasileiros arcam com consequências, como a privação da garantia do direito à saúde.

Nessa ótica, vemos líderes de operadoras de planos privados entrarem na lista de bilionários da Forbes, como Dulce Pugliese de Godoy Bueno, fundadora da Amil, com um patrimônio de quase 8 bilhões de reais[7], enquanto hospitais no SUS não têm leitos para atender seus doentes, refletindo políticas de desprezo à saúde.

Considerado um dos maiores sistemas de saúde públicos do mundo, o SUS realiza por ano cerca de 2,8 bilhões de atendimentos[8], e sua preservação deveria ser mantida pelo governo, ao invés da comercialização da vida. Companhias de saúde privadas não podem se sobressair sobre o sistema público, e não deveríamos ter que pagar para garantir um direito constitucional. Ao observar a constante tentativa de privatização no âmbito da saúde, é nítido que o Estado não garante a universalidade assegurada na Constituição Federal de 1988 e estimula a ampliação da privatização, passando a responsabilidade de atender as demandas postas pela sociedade ao interesse privado, trazendo o atendimento de qualidade somente a parcela que possui condições de arcar com os custos dos serviços, e estimulando ainda mais a desigualdade que o Brasil enfrenta.




Diogo Schiavinatto

Maria Luiza Moura Patrício


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.


[1] Censo das organizações sociais de saúde brasileiras: levantamento e caracterização. Disponível em: < https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/barcelos_jbes-especialportugues-15-30.pdf >. Acesso em: 29 set. 2022.

[2] A atuação do ministério público em face das organizações sociais de saúde. Disponível em: <12-12_LIVRO_MANUAL_SAÚDE_I.pdf (cnmp.mp.br)>. Acesso em 29 set. 2022.

[3] Crivella diz que vai liberar R$ 100 milhões para organizações sociais de saúde. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/01/08/crivella-diz-que-vai-liberar-r-100-milhoes-para-organizacoes-sociais-de-saude.ghtml>. Acesso em: 29 set. 2022.

[4] Com corte de verbas de Bolsonaro, saiba como planejar gastos com saúde. Disponível em: <Bolsonaro corta verba contra o câncer. É hora de planejar um seguro saúde? (estadao.com.br)>. Acesso em: 29 set. 2022.

[5] Planos de saúde: receita de operadoras cresce R$10bi em 2021, mas lucro cai com maior uso por clientes. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/noticia/2022/04/.ghtml>. Acesso em: 29 set.2022

[6] A mercantilização da saúde. Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/artigos/a-mercantilizacao-da-saude/>. Acesso em: 29 set. 2022.

[7] Lista da Forbes: quem são os bilionários do setor de saúde.Disponível em: <https://forbes.com.br/forbes-money/2022/09/lista-da-forbes-quem-sao-os-bilionarios-do-setor-de-saude/>. Acesso em: 30 set. 2022. 8. Por 7x4, STF confirma suspensão do piso da enfermagem. 2022. Disponível em <https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2022-09/por-7-votos-4-stf-confirma-suspensao-do-piso-da-enfermagem/>. Acesso em 30 set.2022




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