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Quando as máscaras vão cair?


Charge. 2021. Disponível em: <https://portalpiracicabahoje.com.br/charge/charge-erasmo-spadotto-mascara-bolsonaro/>. Acesso em: 22/06/2021

Antes de ser usada como equipamento de proteção individual (EPI), a humanidade já fazia uso de máscaras com outras finalidades. Entre elas, o objetivo ritualístico na pré-história, no qual representava, muitas vezes, figuras e mitos da época. No teatro, o uso de máscaras nasceu como consequência da “sede” da expressão. Contudo, tratando-se do aspecto moral, o uso de máscaras condicionava um anonimato ao espaço individual e independente do ator, permitindo uma vida mais livre de precauções e julgamentos sobre quaisquer condutas, de modo que, sob a égide de uma máscara, o ator poderia vir a desenvolver um caráter anárquico e completamente desenfreado[1]. Desse modo, a expressão “retirar a máscara” significa mostrar a verdadeira natureza das coisas, expor o fato em suas similitudes, por melhor ou pior que ele pareça. Nesse sentido, diante do cenário causado pela pandemia do novo Coronavírus, algumas máscaras parecem ainda não ter caído.


A primeira grande narrativa a ser desmascarada é a da volta ao mundo pré-pandemia. Encarar e aceitar por certo que toda normalidade vivida outrora não será restaurada ou restituída ainda é um dos maiores desafios sociais vigentes. Dado que já ocorreram mortes aos milhares em todo o mundo e o governo brasileiro não se compadece e se resguarda, a realidade, de maneira deturpada, ainda serve de incentivo para que a população marche às ruas, sob o pretexto de que “o país não pode parar”. O uso político de um eleitorado que fora colocado em coação, em prol de uma normalidade que faria sentido aos anos anteriores a 2020, do qual reivindicava a reabertura do comércio e a volta ao trabalho de seus funcionários[2], prerrogam vestígios de que a “verdade” ainda não emergiu. Parecer hipnotizado num mundo repleto de mesmerismos é completamente plausível, mesmo assim, é impossível voltar ao passado. Pois, ao abordarmos o terrível caráter fúnebre que infelizmente nos envolve, o que nós enquanto população podemos fazer é tentar prosseguir e nos reajustar a essa nova normalidade, apesar do terror que nos cerca, carregando em nós o fardo das lembranças e do luto a despeito de um novo Brasil depois da crise.


Os casos de má gestão da pandemia ao redor do mundo são, de certo, a grande razão para a impossibilidade de retomada a uma realidade pré-pandemia. O Brasil, em especial, tornou-se um péssimo exemplo em situações de crise. O Instituto Lowy[3] elaborou um estudo que comparou a performance de 98 países no gerenciamento da crise da Covid-19. Segundo o Instituto, nenhum país lidou de forma tão ruim com a pandemia do coronavírus quanto o Brasil, visto que ele apareceu em última colocação no ranking. Logo no início da crise sanitária, Bolsonaro mostrou sinais claros do descaso que vem se perpetuando até o presente momento da pandemia, sendo responsável por minimizar e ignorar os riscos do vírus, comparando-o com uma simples "gripezinha". Gripe essa que, até o momento, ceifou mais de 500.000 vidas no Brasil. No início de 2020, quando a pandemia passou a se manifestar no país, o médico e então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, até iniciou um plano de combate ao vírus, incentivando as medidas de isolamento social, porém, após embates com o presidente acerca das decisões de enfrentamento da pandemia, o Ministro foi exonerado. Seu sucessor, Nelson Teich, sofreu um destino parecido, ficando menos de um mês no cargo, quando o oncologista pediu demissão ao se recusar a recomendar o uso da hidroxicloroquina como tratamento da Covid-19.


Logo após a demissão de Teich, o general Eduardo Pazuello, que é mais alinhado à pauta bolsonarista, foi escolhido para assumir o cargo e, sob seu comando, o Ministério da Saúde começou a preconizar medidas de “tratamento precoce”. O “Kit Covid” foi produzido e distribuído pelo governo federal e continha, além da hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina, todos com ineficácia comprovada. Ademais, em 2020, o exército produziu cerca de 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina[4] e, até o momento, os gastos da União com tais medicamentos chegaram a quase R$90 milhões[5]. O Ministério da Saúde também chegou a criar a plataforma TrateCOV, um aplicativo que foi criado para auxiliar médicos no diagnóstico da doença, mas que recomendava o tratamento precoce para os pacientes que apresentavam os sintomas. O app foi lançado em janeiro de 2021, na cidade de Manaus e, a despeito ao ato de solenidade, a cidade sofreu com a superlotação dos leitos de UTI e a crise da falta de oxigênio, levando diversos pacientes a óbito sem conseguir respirar, um dos episódios mais críticos da pandemia no Brasil.


A falta de medidas de isolamento efetivas também foi um dos motivos para que a situação se agravasse no país. Sem uma coordenação do Ministério da Saúde, as medidas de distanciamento ocorreram de forma desorganizada no Brasil e foram comandadas por cada estado. Pouco tempo depois de serem adotadas e após as pressões geradas pelos setores mais prejudicados com os fechamentos, alguns governadores começaram a flexibilizar as medidas de isolamento social[6], mesmo com o número alto de mortes. Dessa maneira, o país nunca chegou a adotar plenamente os lockdowns, e com a alta taxa de contágio, o Brasil se tornou um celeiro para o surgimento de variantes ainda mais transmissíveis.


Tendo em vista o descaso do governo federal, iniciou-se, em abril, a Comissão Parlamentar de Inquérito, ou CPI da Covid, que tem investigado as ações do executivo no enfrentamento da pandemia. Em um depoimento para a comissão parlamentar, o ex-secretário de Comunicações do Planalto, Fabio Wajngarten, revelou que uma carta da empresa farmacêutica Pfizer, com oferta de doses para o Brasil, ficou sem resposta por dois meses[7]. A informação foi confirmada pelo executivo da empresa, Carlos Murillo, que revelou que o governo recusou mais seis tentativas de venda de vacinas[8]. Se a oferta, enviada ao presidente Jair Bolsonaro e a mais cinco autoridades brasileiras, tivesse sido aceita, cerca de 1,5 milhão de doses do imunizante teriam sido entregues ainda em 2020.


Não satisfeito em recusar vacinas, Bolsonaro segue promovendo "tratamentos alternativos", sem qualquer eficácia comprovada, como medidas de tratamento da covid-19. O Ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta declarou em sessão da CPI que, durante sua gestão, houveram discussões para a alteração da bula do medicamento cloroquina com o objetivo de que nela fosse adicionada a indicação de uso para o tratamento da Covid-19[9]. A proposta foi barrada pelo presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Antônio Barra Torres, que afirmou que a mudança não seria possível. Tais atitudes levaram a um novo foco na CPI: o "gabinete paralelo"[10], grupo que seria responsável por aconselhar o presidente no enfrentamento à pandemia, porém, com ideais negacionistas e informações contrárias às recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo próprio Ministério da Saúde. Foi desse aconselhamento que saíram as iniciativas em defesa do tratamento precoce e da imunidade de rebanho[11], ambas não recomendadas.


Agravando a situação, a CPI esbarrou em um escandaloso caso de suspeita de corrupção envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin[12]. De acordo com as denúncias, houveram irregularidades na compra do imunizante, uma vez que, na época, a vacina não havia concluído os estudos de fase 3 e, mesmo assim, o governo decidiu adquiri-la por um preço mais alto do que as demais disponíveis no mercado, cerca de US$15 a dose. Esse fato contrasta com uma das justificativas utilizadas para a recusa da compra da vacina Pfizer, que seria o seu alto preço, estipulado de US$10 a dose. Outro fato que chamou atenção foi a velocidade das negociações, que duraram apenas 97 dias[13]. Em comparação, a Pfizer, ignorada inúmeras vezes, precisou de 330 dias para fechar contrato. As denúncias foram feitas pelo servidor do Ministério da Saúde,Luis Ricardo Miranda, que afirmou ter sofrido pressões para assinar o pedido de exportação, o servidor ainda alertou seu irmão, o deputado federal pelo Democratas (DEM), Luis Carlos Miranda, acerca das irregularidades. Em depoimento à CPI, os irmãos afirmaram ter avisado Bolsonaro, o presidente respondeu que a polícia federal seria acionada para investigações, porém, até a presença dos dois na comissão nada havia sido feito. Após o escândalo, a compra da Covaxin também foi suspensa.


Com todos os paralelos criados, o cenário político instaurado demonstra preocupações, visto que sua principal engrenagem é pautada por uma perspectiva negacionista. A exemplo disso, percebe-se que, mesmo com as medidas protetivas estabelecidas pelos órgãos especializados, o presidente insiste em praticar atitudes completamente reprováveis, como foi visto ao incentivar uma criança a tirar a própria máscara em um evento ocorrido no Rio Grande do Norte.[14] Tal atitude foi repudiada pela Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), que ingressou uma representação no Ministério Público Federal contra o presidente. Esse cenário nefasto torna-se cada vez mais nítido, pois, além da tentativa de naturalizar o terror e o sofrimento provocado pela pandemia, os sentimentos de revolta, necessários para uma possível mudança de cenário, nos são incumbidos.


O embate que comprova tal narrativa, aproxima a situação da qual o país é arremessado, e que o brasileiro jamais presenciou em toda a sua história. Por causa disso, diante das reiteradas narrativas de um governo com histórico marcado por tantas mazelas, seu discurso se mantém exponencialmente odioso de forma a legitimar e autorizar àqueles que se inspiram em seus governantes a colocarem suas ideologias genocidas em prática, fazendo com que assim, uma promessa de “nova política”[15] seja somente uma forma diferente de demonstrar algo que já estava bem próximo, seja pelo otimismo fanático de seu eleitorado, ou pela dominação política do bolsonarismo.


Considerando as medidas manifestadas pelo chefe do executivo, iniciou-se uma série de manifestações reativas a tais. Além do risco de exposição ao vírus, além de contrariar a narrativa prevencionista, os protestos dos dias 29 de maio, 19 de junho e 24 de julho, foram rigidamente instrutivos ao uso de equipamentos de proteção para participação de tais, dos quais fizeram questão de demonstrar antítese a quaisquer outros atos promovidos por Bolsonaro. “As manifestações do presidente da República são de incentivo às aglomerações e contra as medidas sanitárias. As manifestações de sábado foram com máscaras e a favor de medidas sanitárias”[16]A fim de mostrar a insatisfação e a resistência com o governo na condução da pandemia, tais atitudes revelam uma iniciativa de destemor por parte de uma população completamente cansada e calejada, afinal, quando o povo resolve ir às ruas em meio a uma pandemia, é porque muitos devem achar que o governo é tão letal quanto o vírus.


Assim sendo, o mesmo fenômeno comunicacional conduzido nas manifestações e na infeliz situação em que a nossa pátria se encontra, chocam por trazer um caráter nebuloso e sinistro, ainda assim, sendo um forte indicativo da existência de contextos subliminares a atual conjuntura, embora, nunca na história brasileira foi tão necessário a um povo, que “retirassem as máscaras”, além da ardente conotação que o encerra. De modo a compreender coletivamente a sociedade para transformar efetivamente a nossa realidade, para que o povo brasileiro finalmente deixe de usar máscaras, é necessário que a máscara do desgoverno caia primeiro. A palavra de ordem necessita ser "Fora Bolsonaro", para que fomentem a luta dos movimentos sociais, fazendo insurgir a proporções cada vez maiores, para que possamos mudar as estruturas políticas desse país.


Afonso Dantas de Sousa

Gabriel Nippes.


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1] Grupo Girino. Máscaras. Disponível em: <https://formasanimadas.wordpress.com/mascaras/>. Acesso em: 26/07/2021. [2]Bernardo Caram. João Paulo Pires. Amanda Lemos. Bolsonaro chama população às ruas e diz que ato não é contra o Congresso. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/politico-que-tem-medo-de-rua-nao-serve-para-ser-politico-diz-bolsonaro-sobre-dia-15.shtml> Acesso em: 13 de jun. 2021 [3] France 24. Study ranks New Zealand Covid-19 response best, Brazil worst, US in bottom five. Disponível em: <https://www.google.com/amp/s/amp.france24.com/en/asia-pacific/20210128-study-ranks-new-zealand-covid-19-response-best-brazil-worst-us-in-bottom-five> Acesso em: 13 de jul. 2021 [4] Após dois anos sem produzir cloroquina, Exército gastou mais de R$ 1 milhão com comprimidos em 2020. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,apos-dois-anos-sem-produzir-cloroquina-exercito-gastou-mais-de-r-1-milhao-com-comprimidos-em-2020,70003735319> Acesso em: 03 de jul. 2021 [5]André Shalders. 'Tratamento precoce': governo Bolsonaro gasta quase R$ 90 milhões em remédios ineficazes, mas ainda não pagou Butantan por vacinas. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55747043> Acesso em: 03 de jul. 2021 [6] Nove estados e o Distrito Federal começam a flexibilizar o isolamento social. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/04/22/nove-estados-e-o-distrito-federal-comecam-a-flexibilizar-o-isolamento-social.ghtml> Acesso em: 03 de jul. 2021 [7] Marcela Mattos. Beatriz Borges. Paloma Rodrigues. À CPI, Wajngarten diz que carta da Pfizer com oferta de doses ficou sem resposta por dois meses. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/05/12/wajngarten-diz-que-carta-da-pfizer-com-oferta-de-doses-ficou-sem-resposta-por-2-meses.ghtml> Acesso em: 17 de jun. 2021 [8] G1. Executivo da Pfizer revela à CPI seis ofertas de vacina e presença de Carlos Bolsonaro em reunião. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/05/13/executivo-da-pfizer-revela-a-cpi-seis-ofertas-de-vacina-e-presenca-de-carlos-bolsonaro-em-reuniao.ghtml> Acesso em: 17 de jun. 2021 [9] Mandetta: Bolsonaro foi aconselhado a mudar bula da cloroquina para tratar Covid. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/05/04/mandetta-bolsonaro-foi-aconselhado-a-mudar-bula-da-cloroquina-para-tratar-covid> Acesso em: 17/06/2021 [10]“Gabinete paralelo” vira novo foco da CPI: ele existe de fato? E qual a sua influência? Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/republica/gabinete-paralelo-vira-novo-foco-da-cpi-qual-influencia-do-grupo/> Acesso em: 21 de jun. 2021 [11] Por que a 'imunidade de rebanho' não é a solução para a covid-19? Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/05/07/por-que-a-imunidade-de-rebanho-nao-e-a-solucao-para-a-covid-19.htm> Acesso em: 24 de jun. 2021 [12]Mariana Schreiber. Caso Covaxin: senadores pedem ao STF denúncia contra Bolsonaro; o que acontece agora? Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57646813> Acesso em: 27 de jun. 2021 [13] Agência O Globo. Entenda a cronologia da negociação da compra da vacina Covaxin. Disponível em: <https://exame.com/brasil/entenda-a-cronologia-da-negociacao-da-compra-da-vacina-covaxin/ >. Acesso em: 26 de jul. 2021. [14]Andi ingressa com representação contra Bolsonaro por tirar máscara de criança no RN. Disponível em: <https://cidadeverde.com/noticias/349671/andi-ingressa-com-representacao-contra-bolsonaro-por-tirar-mascara-de-crianca-no-rn> Acesso em: 28 de jun. 2021 [15] Marcos Mortari. Bolsonaro promete nova política: é possível um governo sem ‘toma lá, dá cá’? Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/politica/bolsonaro-promete-nova-politica-e-possivel-um-governo-sem-toma-la-da-ca/>. Acesso em 18 de jun. 2021. [16] Referente a fala de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que é vice-presidente da CPI da Covid.

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