HUMOR POLÍTICO. “Censo” 2021.Disponível em: https://www.humorpolitico.com.br. Acesso em: 29 set. 2022.
São seis meses de atraso, dois anos de defasagem, orçamento reduzido e uma aparente falta de transparência na metodologia. Esses fatos, lamentavelmente, são referentes a maior pesquisa estatística do Brasil: o Censo Demográfico. Isso reflete o descaso da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro com a ciência (e tantas outras áreas). Porém, os impactos da realização do Censo sem os devidos critérios afetam o país por um período muito maior do que o de sua gestão. Já ouviu falar sobre essa pesquisa estatística? Sabe qual é a instituição que a realiza? Conhece sua importância para a população e para as organizações internacionais?
A palavra “censo” tem origem no latim census, que significa estimativa.[1] O Censo Demográfico é um estudo realizado em quase todos os países, geralmente a cada 10 anos (como no Brasil), com o objetivo de contabilizar os habitantes do território, além de identificar as suas características. Sua importância se evidencia ao longo da história da humanidade. Por exemplo, na Antiga Roma, estudos semelhantes já eram realizados com o intuito de identificar os proprietários de terras e definir o pagamento de impostos.
No Brasil, em 1852, tentou-se realizar o primeiro recenseamento. No entanto, por manifestações contrárias durante sua execução, ele teve de ser cancelado. As revoltas ocorriam pelo receio da pesquisa estar servindo como meio para contabilizar os negros residentes e tornar escravos os que haviam conseguido sua liberdade. Com isso, o primeiro Censo Demográfico foi feito no Brasil apenas em 1872. Antes dessa pesquisa, os dados da população eram obtidos por fontes extraoficiais, como registros de autoridades eclesiásticas. A partir de 1940, o estudo passou a ser responsabilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como permanece até a atualidade.[2]
O último Censo com resultado completo divulgado foi em 2010. Logo, em 2020, era esperado que fosse realizado um novo estudo estatístico. Contudo, devido a pandemia da Covid-19, teve de ser adiado. A previsão era que fosse executado no ano seguinte (2021). Entretanto, por falta de recursos devido aos inúmeros cortes no orçamento da pesquisa, sua execução tornou-se inviável. Em 2022, com dois anos de atraso e por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a pesquisa censitária teve início em agosto. No entanto, o montante de recursos direcionados foi o mesmo que havia sido estabelecido em 2019, ou seja, houve uma perda real no orçamento. Este fato é extremamente problemático, ainda mais considerando que o estudo é crucial por trazer a contagem da população depois da pandemia, além de permitir compreender o estágio de transição demográfica, conforme Roberto Luiz do Carmo, presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep).[3]
O Censo Demográfico de 2022 é composto por dois questionários: o básico (aplicado em 89% dos formulários), que traz questões sobre características do domicílio, identificação étnico-racial, registro civil, educação e rendimento do responsável; e o ampliado, que investiga outras informações, como trabalho, rendimento, fecundidade, religião ou culto, pessoas com deficiência e migração. Além disso, de forma inédita, este é o primeiro a buscar dados sobre o autismo e também acerca dos povos quilombolas. Para mais, conta com a abordagem em agrupamentos indígenas, visando obter dados sobre recursos naturais, educação, infraestrutura, e hábitos de determinada aldeia ou comunidade.[4]
A previsão era que a pesquisa fosse executada ao longo de três meses (agosto, setembro e outubro), em que seriam visitados 75 milhões de domicílios, em todas as cidades do Brasil. Contudo, em fevereiro de 2023, a pesquisa ainda segue em execução, tendo até o final de janeiro apenas 89,4%[5] da população recenseada. Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE (2017 - 2019), destacou que esse atraso afeta a qualidade da pesquisa.[6] Além disso, a realização de apenas cinco dias de treinamento dos recenseadores, o corte no orçamento e a redução de perguntas dos questionários também comprometem a confiabilidade do estudo. Em comparação com 2010, houve uma diminuição de perguntas em ambos os questionários, sendo de 8 questões no básico e de 35 no ampliado.[7] Assim, mesmo que haja outras pesquisas que possam ser consideradas complementares ao Censo, muitas o utilizam como base. Logo, isso pode representar um apagão de dados.
Para se ter dimensão da importância do recenseamento, pode-se mencionar algumas de suas finalidades.[8] Entre estas, identificar regiões que demandam maiores investimentos, como em saúde e educação, e acompanhar o crescimento e distribuição geográfica da população. A iniciativa privada pode utilizar o Censo para decidir em quais locais promover um novo empreendimento. A pesquisa fornece, ainda, projeções populacionais para se estabelecer a representação política do país, como o número de deputados federais por cada estado, e disponibiliza ao Tribunal de Contas da União (TCU) as bases para as cotas nos Fundos de Participação dos Estados e Municípios. No caso dos municípios, este é sua principal fonte de arrecadação, sendo usado até no pagamento dos servidores.[9] Inclusive, isso levou o IBGE a divulgar, ao final de 2022, dados preliminares, em que estimou cerca de 20% da população. Com essas informações, muitos municípios tiveram uma redução inesperada no orçamento, o que fez o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, suspender a utilização dos dados para esse objetivo.[10]
O Censo Demográfico também é de relevância mundial, não só pela qualidade dos dados que fornece, mas também por ser fonte de informações oficiais, usado até pela Organização das Nações Unidas (ONU).[11] Inclusive, neste recenseamento, foi realizada a Missão Observa Censo, em setembro de 2022, que contou com a participação de 25 países, em cinco estados brasileiros. Esta foi uma maneira de obter maior transparência e permitir o compartilhamento de metodologias entre os países.
Ademais, em nível nacional, o Censo contribuiu para geração de renda, visto que 80% do orçamento destinou-se à contratação temporária de profissionais. Ao todo, estimava-se 211 mil pessoas mobilizadas, entre recenseadores, supervisores e agentes censitários. Muitos desses encontraram na pesquisa uma oportunidade de obter algum rendimento. Contudo, além dos recenseadores receberem apenas por formulário realizado, podendo ocorrer dias em que pouquíssimos consigam ser coletados e, portanto, a remuneração diária ser extremamente baixa, ocorreram atrasos no pagamento. A incerteza quanto à remuneração fez muitos recenseadores desistirem, a ponto do IBGE cogitar convocar agentes de saúde para realizar a coleta, ainda que sem treinamento prévio.[12]
Com isso, o desdém com a realização do maior estudo estatístico nacional traz graves consequências para o bem-estar da população. A não realização, ou a realização do Censo com menor rigor científico, não atrapalha apenas o funcionamento da máquina estatal, mas impede a execução de políticas públicas e programas sociais, afetando também o setor privado. Os dados permitem a compreensão de como está o que mais deveria importar: a sociedade, como ela se organiza e o que ela necessita. Espera-se que o atual governo tenha maior responsabilidade social do que a gestão anterior, pois como afirmou Roberto Olinto,[13] sem a pesquisa se elimina a possibilidade do exercício pleno da cidadania.
É necessário ter senso!
Bruna Cavati Rossi
Nicolas Azevedo de Oliveira Ferreira
Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.
[1]SIGNIFICADOS. Significado de Censo. Disponível em: https://www.significados.com.br/censo/. Acesso em: 28 set. 2022. [2]IBGE. Memória IBGE. Disponível em: https://memoria.ibge.gov.br/historia-do-ibge. Acesso em: 30 set. 2022. [3]CARNEIRO, Lucianne. Com dois anos de atraso, Censo começa coleta de dados com orçamento corroído pela inflação. Valor Econômico, 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/07/31/com-dois-anos-de-atraso . Acesso em: 28 set. 2022. [4]GANDRA, Alana. Agência Brasil explica detalhes do Censo 2022. Agência Brasil, 2022. Disponível em: https://shre.ink/c1a0 . Acesso em: 26 set. 2022. [5]VIECELI, Leonardo. Censo atrasa e IBGE prevê divulgar resultado definitivo em abril. Folha de São Paulo, 2023. Disponível em: https://encurtador.com.br/rwF38. Acesso em: 06 fev. 2023. [6]AMORIM, Daniela Amorim; NEDER, Vinicius. Censo 2022 está atrasado por falta de recenseadores. Estadão, 2022. Disponível em: https://shre.ink/c1yI. Acesso em: 24 jan. 2023. [7]PAMPLONA, Nicola; DIAS, Marina; MIRANDA, Giuliana. Apesar de críticas de Guedes, Censo brasileiro é um dos menores do mundo. Folha de São Paulo, 2019. Disponível em: https://shre.ink/c1aO. Acesso em: 26 set. 2022. [8]IBGE. Censo 2022. Disponível em: https://shre.ink/c1aN. Acesso em: 26 set. 2022. [9]GAVRAS, Douglas. Adiamento do Censo do IBGE prejudica políticas sociais e repasse aos municípios. Disponível em: https://shre.ink/c1aC. Acesso em: 26 set. 2022. [10]MUNIZ, Mariana. Lewandowski suspende uso do Censo de 2022 em repasse para municípios. O Globo, 2023. Disponível em: https://shre.ink/c1ao. Acesso em: 23 jan. 2023. [11]LACERDA, Denys. #PRAENTENDER: por que a realização do Censo é tão importante para o Brasil. Estado de Minas, 2021. Disponível em: https://shre.ink/c1aS. Acesso em: 30 set. 2022. [12]TOMAZELLI, Idiana. Censo vive tragédia absoluta e dados não são confiáveis, diz ex-presidente do IBGE. Folha de São Paulo, 2023. Disponível em: https://shre.ink/c1ag. Acesso em: 24 jan. 2023. [13]UOL. 'Não fazer o Censo é uma tragédia', diz ex-presidente do IBGE. 2021. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao. Acesso em: 30 set. 2022.
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