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Pix: ferramenta democratizante e arma política.

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    PET Economia UFES
  • 29 de ago.
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Valor Econômico. Neoliberalismo e Intervencionismo. Disponível em https://valor.globo.com/opiniao/coluna/neoliberalismo-e-intervencionismo.ghtml Acesso em: 15 de ago. 2025.
Valor Econômico. Neoliberalismo e Intervencionismo. Disponível em https://valor.globo.com/opiniao/coluna/neoliberalismo-e-intervencionismo.ghtml Acesso em: 15 de ago. 2025.

“Faz o Pix”. Você provavelmente já ouviu essa expressão em algum lugar, afinal, ela tem se tornado cada vez mais frequente no dia a dia do brasileiro. Mas o que é o Pix? Trata-se de um meio de pagamento digital que começou a ser planejado em 2018 pelos servidores do Banco Central do Brasil (BCB) e foi lançado em 2020 pela autarquia, por meio da resolução BCB nº 1 de 12/8/2020 [1].Para utilizá-lo, basta ter uma conta em qualquer instituição financeira e uma chave para facilitar as transações, a chave Pix. Ela pode ser um número de celular, CPF (Cadastro de Pessoa Física), CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), e-mail ou até mesmo uma chave aleatória gerada pelo sistema, além de QR Codes, que são muito usados pelos estabelecimentos comerciais.

 

A ferramenta rapidamente se popularizou e, em dezembro de 2024, se tornou o meio de pagamento mais utilizado no país, com mais de 75% da população fazendo uso dela, superando até mesmo o dinheiro em espécie, segundo dados divulgados pelo BCB [2]. Prova dessa popularidade é que, apenas no mês de julho de 2025, o sistema de pagamento foi responsável por mais de 6 bilhões de transações, que movimentaram quase 3,5 trilhões de reais [3], dados esses que são os maiores de suas séries históricas, que começaram a ser registradas em agosto de 2023.


São vários os fatores que explicam o sucesso desse serviço,  como a rapidez dos pagamentos, a disponibilidade para uso a qualquer hora do dia e a sua confiável segurança. Porém, o aspecto mais impressionante do Pix é o seu caráter democratizador. Entre o seu lançamento, em 2020, e dezembro de 2022, o sistema de pagamento instantâneo já tinha sido responsável por incluir mais de 71 milhões de usuários no sistema bancário [4], usuários esses que não tinham condições de acessá-lo anteriormente devido aos custos das outras formas de pagamento. Meios de transferências como os cartões de crédito e débito - majoritariamente operados por empresas estrangeiras -, por exemplo, possuem gastos e/ou taxas inerentes ao seus usos, o que impossibilita parcela significativa da população de os utilizarem por não terem condições de arcar com esses fatores. Mas o Pix não possui esses tipos de percalços, pois é uma ferramenta de uso gratuito. 


Tamanha popularidade fez o sistema de pagamento chamar a atenção do mundo político, tanto internamente quanto externamente. Especialmente nas últimas semanas, quando uma nação estrangeira, os Estados Unidos, proferiu uma série de ataques indiretos contra o Pix, alegando que o Brasil desfavorece meios de pagamento internacionais em favor do sistema nacional, por meio de práticas desleais de mercado [5]. Para compreender mais claramente a situação, é preciso enxergar componentes que tornam o Pix uma incomodidade difícil de aceitar para determinados interesses de países estrangeiros.


Em primeiro lugar, esse sistema de pagamento inovador reduz margens que até ontem alimentavam redes de cartões e provedores internacionais. Isso não é algo simples: transformar a infraestrutura monetária e financeira de um país, com uma plataforma sem custo em suas operações, altera receitas e posições oligopolistas, e é compreensível a reação daqueles que veem seus lucros ameaçados. Nesse sentido, vale lembrar que as duas principais bandeiras de cartões do mundo, a Mastercard e a Visa, são estadunidenses. Além disso, algumas empresas do país também possuem ferramentas que possibilitam a transferência de dinheiro, como o Whatsapp Pay, da Meta. Assim, é nítido que a resposta norte-americana veio menos de preocupações com uma possível “concorrência injusta” e mais de um esforço explícito para frear a expansão de um modelo alternativo que poderia servir de referência para outros países, o que acarretaria em uma diminuição dos serviços das empresas dos EUA e, consequentemente, uma diminuição dos seus lucros [6].


Em paralelo com o argumento anterior, é importante ressaltar que a popularização de um meio de pagamento eletrônico como o Pix tem a capacidade de reduzir a dependência de países periféricos, como o Brasil, da estrutura de poder bancário monopolizada pelos Estados Unidos. Em um cenário em que as populações das nações periféricas pagam altos juros que ajudam a manter a estrutura de poder na mão das economias mais ricas, que podem usar essa estrutura para sancionar até mesmo autoridades de mais alto escalão dessas nações [7], o Pix se mostra tanto uma ferramenta de soberania nacional quanto uma ameaça ao status quo do sistema financeiro internacional. 


Ademais, o Pix tem se tornado cada vez mais comum em transações internacionais, permitindo que brasileiros realizem pagamentos em alguns estabelecimentos no exterior sem precisar lidar diretamente com a conversão para o dólar. Embora a transferência final entre instituições ainda dependa, em muitos casos, de moedas intermediárias, tais inovações apontam para um possível futuro em que sistemas de pagamento instantâneo facilitem o comércio internacional sem depender exclusivamente da moeda norte-americana. Considerando que a hegemonia do dólar sustenta parte significativa do poder dos Estados Unidos - permitindo-lhes, por exemplo, aplicar sanções unilaterais, congelar reservas de outros países e financiar déficits fiscais e em transações correntes de forma contínua e a baixo custo [8] -, avanços nesse sentido poderiam, a longo prazo e em conjunto com outras mudanças, reduzir essa supremacia monetária do país.


O BRICS [9] é um exemplo do caso supracitado. O grupo tem desenvolvido um sistema de pagamento, conhecido como BRICS Pay, que permitirá aos países membros realizar transferências rápidas entre si, reduzindo significativamente a dependência do dólar. Tal situação despertou preocupação nos EUA, que, na tentativa de manter a hegemonia de sua moeda, classificou o grupo como “antiamericano” e ameaçou aplicar tarifas adicionais de 10% a qualquer país que se alinhar ao bloco [10]. Esse fato demonstra que os países desenvolvidos continuam a minar os esforços dos países em desenvolvimento, buscando preservar seus privilégios.


Em suma, embora se fale em “competição leal”, na prática muitas medidas acabam protegendo empresas pouco eficientes e garantindo a manutenção de lucros já estabelecidos frente às inovações públicas. Se o argumento é proteger consumidores de práticas anti-competitivas, por que o foco é exclusivamente em um sistema que reduziu custos e amplificou a inclusão? Isso sugere que a disputa ultrapassa a regulação de mercado e entra no campo da preservação de estruturas de poder econômico. 


Portanto, o ataque externo ao Pix é um episódio de geopolítica econômica em que interesses privados e interferências de outro Estado se sobrepõem e tentam disciplinar uma inovação pública que tem capacidade de alterar profundamente a correlação de forças nos pagamentos globais. Contudo, esses ataques acabam tendo o efeito prático de fortalecer o apoio do Estado brasileiro ao Pix e às políticas de soberania digital, pois governos pressionados externamente tendem a reforçar narrativas de autonomia tecnológica e proteger instrumentos que simbolizam desempenho público bem-sucedido [11].


Diante do que já foi exposto, é possível concluir que o Pix, uma tecnologia completamente nacional e desenvolvida  por servidores públicos, inovou o sistema bancário do país e está servindo como modelo para que outros países tenham seus próprios sistemas instantâneos de pagamento [12]. Criticar o Pix é algo legítimo; tratá-lo como pretexto para sanções e ameaças econômicas, a partir de falsas acusações, não é. 


O que se desenha é um padrão desconfortável: quando a periferia desafia incumbentes globais, a reação pode ser menos regulatória e mais impositiva. Defender o Pix, portanto, é pregar que possíveis desavenças entre os países sejam conduzidas por regulação internacional e diálogo técnico, não por pressões extraterritoriais que misturam interesses privados e cálculo político externo. Afinal, se essa inovação pública vira alvo de sanções injustificáveis, o risco é que o mundo perca um exemplo positivo de política tecnológica e que a governação global de infraestrutura financeira passe a ser decidida por pressões políticas, não por méritos técnicos e interesse público.


“O subdesenvolvimento não é uma etapa, mas uma situação imposta de fora para dentro, para que se mantenham intactos os privilégios das nações hegemônicas.”

Celso Furtado


Felipe Guerra Barbosa 

Rafael Barbosa Saldanha


  1. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020. Institui o arranjo de pagamentos PIX e aprova o seu regulamento. Disponível em: https://bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=1. Acesso em: 11 de ago. 2025.

  2. BANCO CENTRAL DO BRASIL. O Brasileiro e sua relação com o dinheiro | Pesquisa  2024. Disponível em:  https://www.bcb.gov.br/content/cedulasemoedas/pesquisabrasileirodinheiro/Apresentacao_brasileiro_relacao_dinheiro_2024.pdf. Acesso em: 9 de ago. 2025.

  3. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Estatísticas do Pix. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/estatisticaspix. Acesso em: 10 ago. 2025.

  4. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Pix atinge recorde de 206,8 milhões de transações em um único dia. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/744/noticia. Acesso em: 11 ago. 2025

  5. CNN BRASIL. EUA citam Pix como exemplo de decisão do Brasil que prejudicou americanos. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/eua-citam-pix-como-exemplo-de-decisao-do-brasil-que-prejudicou-americanos/ . Acesso em: 13 ago. 2025.

  6. Veja Negócios. Pix vira alvo dos Estados Unidos em ataques ao Brasil. Disponível em https://veja.abril.com.br/economia/pix-vira-alvo-dos-estados-unidos-em-ataques -ao-brasil/. Acesso em 13 de ago. 2025

  7. BBC News Brasil. Sem Visa e Netflix? O que muda na vida de Alexandre de Moraes com Lei Magnitsky. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx2xnn4wplro. Acesso em: 27 ago. 2025.

  8. BUENO, Guilherme. O Dólar como Elemento Central do Poder dos EUA.  Disponível em:https://relacoesexteriores.com.br/o-dolar-como-elemento-central-do-poder-dos-eua/. Acesso em: 13 ago. 2025.

  9. Foro de articulação político-diplomática formado por países emergentes que cooperam em diferentes áreas.

  10. ICL Notícias. Brics acelera criação de ‘Pix Global’ para países-membros e aumenta tensão com EUA. Disponível em https://iclnoticias.com.br/economia/brics-pix-global-pagamentos-tensao-eua/. Acesso em: 27 ago. 2025.

  11. Estadão. Trump quer acabar com Pix? Entenda quais os limites da investigação dos EUA sobre práticas do Brasil. Disponível em https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/trump-quer-acabar-com-pix-entenda/?srsltid=AfmBOooXQHxDdflYRfEefrH6bdPWhuvURAfWdWjTNEjBdWul__26sJNd. Acesso em 13 de ago. 2025

  12. Valor Econômico. Colômbia terá seu próprio Pix, com ajuda de brasileiros. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/02/25/colombia-tera-seu-proprio-pix-com-ajuda-de-brasileiros.ghtml . Acesso em: 14 ago. 2025.





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