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Perigoso Glamour- Até quando o Vilão será Mocinho?

Atualizado: 16 de nov. de 2022




KUSSIN, Zachary. I don’t regret my $2,000 Ted Bundy, Jeffrey Dahmer tattoos. New York Post, 2021. Disponível em: <https://nypost.com/2021/12/15/i-dont-regret-my-2000-ted-bundy-jeffrey-dahmer-tattoos/>. Acesso em: 25/10/2022

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Não é segredo que séries e filmes do gênero true crime, que retratam acontecimentos de crimes reais, estão cada vez mais populares em plataformas de streaming como Netflix e HBO Max. Mas, por que será que esse assunto chama a atenção de tantos telespectadores? O que conduz as pessoas a considerarem histórias de tamanha violência como entretenimento?

Segundo a médica psiquiatra Danielly Ferraz[1], esse tipo de conteúdo sempre atraiu os olhares do público pelo mistério envolvente das tramas, que fogem do cotidiano das pessoas, e ainda mais na atualidade, com a facilidade de acesso proporcionada pelo mundo digital. Em três semanas[2], a obra “Dahmer: Um Canibal Americano” se tornou a segunda série mais assistida da plataforma Netflix, totalizando 701,37 milhões[3] de horas assistidas. Porém, é necessário prestar atenção aos excessos, pois um simples hobby pode virar uma obsessão.

No entanto, a obsessão pelo assunto não faz com que o indivíduo se torne um serial killer (assassinos em série). Geralmente os distúrbios psicológicos que levam alguém a essa condição envolvem traços genéticos[4] e comportamentais. Neste ponto, é interessante diferenciar os mais comuns Transtornos de Personalidade Antissocial (TPA).

Em relação às doenças de maior ocorrência relacionadas aos TPA, tem-se a sociopatia e a psicopatia. Estas, apesar de apresentarem em comum o desprezo pelas normas sociais, mesmo quando há punição pela transgressão, tem outras características completamente diferentes. O Doutor em criminologia Scott A. Bonn[5] descreve os sociopatas como inquietos, voláteis e emocionalmente instáveis, o que faz com que um indivíduo com esse transtorno, por exemplo, não fique muito tempo em um mesmo emprego. Segundo essas características, caso ele fosse autor de um crime, provavelmente não seria um ato planejado. Já um psicopata é um manipulador ardiloso que mente muito bem, e geralmente não levanta suspeitas de quem é. Você pode conviver com um psicopata por uma vida inteira e nunca desconfiar da condição dele. É importante frisar que um psicopata nem sempre é violento ou um assassino sanguinário. Agora, se uma pessoa que possui um TPA começa a apresentar perigo para a sociedade, há sim um risco de que ela possa se tornar um serial killer[6] no futuro.

O grande problema acerca dessa temática é a influência midiática distorcida dos grandes casos. A indústria televisiva é uma grande formadora de opinião e de forte influência sobre seus telespectadores, tendo o dever de agir com responsabilidade ao levar notícias verídicas e com imparcialidade, porém, não é isso que acontece. O sensacionalismo é usado como forma de prender a audiência e “gerar IBOPE”, ao utilizarem imagens vívidas, uma rica descrição de detalhes de cenas de crimes e músicas perfeitamente escolhidas, as emissoras, causam no público-alvo sentimentos inexplicáveis pelo mix de medo, pavor e satisfação.

A deturpação da realidade é tanta que autores dos crimes hediondos são representados como mocinhos, o que provoca no telespectador um sentimento de compaixão e de proximidade. Isso conduz, aparentemente de modo intencional, a tentarem buscar na história dos personagens motivos que justifiquem as atrocidades cometidas por eles. Busca-se justificar o injustificável.

Essa romantização vai além da categoria de true crime. Um exemplo é a famosa, série fictícia “YOU”, uma obra com enorme público adolescente que normaliza práticas inconcebíveis. O protagonista, persegue suas ex-namoradas e invade sua privacidade, clonando seus smartphones com o intuito de monitorá-las, além de matá-las, ou a quem interviesse no seu relacionamento. No enredo as ações do assassino são justificadas por sua infância complicada, com abusos físicos e psicológicos, o que o faz apresentar traços do transtorno de personalidade antissocial.

Por meio da comercialização de tramas impactantes como essa, a indústria audiovisual encontra uma fonte de lucro nessas histórias, sem se preocupar com as consequências de como as histórias são contadas ou o que podem acarretar. O jornal BBC aponta que a Netflix, por exemplo, conseguiu superar a queda de assinantes graças aos sucessos lançados entre julho e setembro, estando entre eles a série Dahmer.[7] Utilizando-se de crimes chocantes, entrevistas bombásticas e enredos glamourizados, a mídia leva o tema à exaustão, em troca da matéria perfeita e do recorde de audiência.

O exemplo claro dessa busca é o caso Eloá Pimentel, no qual uma adolecente de 15 anos foi feita refém por seu ex-namorado, de 22 anos, por 100 horas. Nessa situação, a apresentadora de TV, Sônia Abrão, se aproveitou da repercussão do caso para entrevistar o sequestrador ao vivo, atrapalhando as negociações da polícia. Apesar disso, ela recentemente afirmou em entrevista que não se arrepende do fato, já que a matéria resultou na cobertura perfeita.[8]

Essa exposição romantizada e excessiva de criminosos leva a consequências profundas, mexendo com o emocional e imaginário dos telespectadores e também revivendo traumas nas famílias das vítimas, as quais se encontram revendo o seu terrível passado.

Um exemplo desse fato é o que aconteceu com diferentes agentes de perversidade. Como Guilherme de Pádua, assassino de Daniella Perez, filha da famosa roteirista da Rede Globo, Glória Perez, que recebia cartas de fãs na prisão. Assim como o famoso assassino americano Ted Bundy, que ganhou o coração de muitas mulheres durante o período de seu julgamento por sua beleza, e até hoje continuam sendo criadas diversas obras sobre o seu caso.

Existe uma categoria psiquiátrica que enquadra alguns casos do padrão sexual indicado acima - a hibristofilia, uma condição na qual a pessoa tem preferência por parceiros delinquentes ou que são violentos[9]. É por conta desse distúrbio que essas mulheres se encontram perdidamente apaixonadas por esses homens vis, cegas de toda maldade cometida por eles.

Algumas groupies do crime, pessoas que buscam intimidade emocional ou sexual com criminosos, chegam a tatuar o rosto dos criminosos na pele e até mesmo a se casar com eles. Como é o caso de Shirlee Joyce Book[10], que após três anos trocando correspondências com Kenneth Bianchi, assassino de mais de dez mulheres[11], casou-se com ele em setembro de 1989[12], enquanto o mesmo ainda estava na penitenciária.

Ao colocarem os holofotes voltados aos assassinos, os meios de comunicação deixam de lado as verdadeiras vítimas da história. Isso causa uma dor extrema nas famílias dos inocentes, uma vez que são expostos de forma rasa, como se a história delas fosse de menor importância em relação à história dos agentes de perversidade. Além disso, como já estão mortas, não lhes é dado o direito de narrar o seu lado da história, deixando que a palavra do assassino seja nossa única versão do caso.

Enquanto o seu carrasco recebe cartas e homenagens, quem sofreu e teve sua vida abreviada é esquecido ao longo do tempo, não passando de um número e não tendo sequer seu nome lembrado. Famílias que não puderam colocar o corpo de seus entes em uma cova, devido às barbaridades executadas, e que sofreram acompanhando os longos julgamentos e investigações, são obrigadas a lidar com a exposição sensacionalista da história sem ter voz para se manifestarem pelos falecidos.

Entre a contínua produção jornalística e cinematográfica, a pergunta que permanece é: até quando as vítimas serão esquecidas e o vilão será o mocinho?


Elóra Travezani

Júlia Rocon


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com

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[1] Por que séries true crime como Pacto Brutal e Dahmer fazem tanto sucesso?. 2022. Disponível em: <https://bit.ly/3sPvKfi>. Acesso em: 01 nov. 2022.

[2] "Dahmer: Um Canibal Americano" bate recorde de audiência na Netflix. Disponível em: <https://bit.ly/3FFFOiB> . Acesso em: 25 out. 2022.

[3]‘ Dahmer’ Becomes Netflix’s Second Biggest Series Ever. 2022. Disponível em: <https://bit.ly/3TRUj70>. Acesso em: 01 nov. 2022

[4] Por que séries true crime como Pacto Brutal e Dahmer fazem tanto sucesso?. 2022. Disponível em: <https://bit.ly/3sPvKfi>. Acesso em: 01 nov. 2022

[5] How to Tell a Sociopath From a Psychopath. 2014. Disponível em: <https://bit.ly/3STX72k>. Acesso em 1 nov. 2022.

[6] Como distinguir um sociopata de um psicopata. Disponível em: <https://bit.ly/3SU9Vps> . Acesso em 25 out. 2022.

[7] Os sucessos que estão ajudando a Netflix a superar perda de assinantes. 2022. Disponível em: < https://bbc.in/3TYbhk4> . Acesso em: 1 nov. 2022

[8] Há 13 anos, Sonia Abrão causou polêmica ao entrevistar sequestrador de Eloá. Disponível em: <https://bit.ly/3Ukmdsh>. Acesso em: 25 out. 2022.

[9] Netflix: especialista explica romantização de serial killer em Dahmer. 2022. Disponível em: <https://bit.ly/3Uh8HWk>. Acesso em : 01 nov. 2022.

[10] FÃ-CLUBE DE MATADOR. Disponível em: <https://bit.ly/3Wo8jH8>. Acesso em 25 out. 2022.

[11] A MULHER QUE SE RELACIONOU COM UM SERIAL KILLER: “ELE FOI DOCE COMIGO”. Disponível em: <https://bit.ly/3Wk5ozj>. Acesso em: 25 out. 2022.

[12] 9 Women Who Fell In Love With Cold-Blooded Killers — Despite Their Heinous Crimes. Disponível em: <https://bit.ly/3Dszb09>. Acesso em: 25 out. 2022.

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