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O que está acontecendo com o Novo Ensino Médio?

Atualizado: 19 de mai. de 2023



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O Novo Ensino Médio foi criado, pelo menos na teoria, com o objetivo de reformar profundamente os métodos de ensino e aprendizagem das escolas brasileiras, sendo instituído pela lei 13.415/2017 assinada durante o governo Temer. As alterações propostas pela reforma na grade curricular das escolas foram extensas: ocorreu a ampliação da carga horária letiva dos estudantes de 2400 horas para 3000 horas, sendo que 1800 horas (60%) seriam reservadas para uma grade comum compostas pelas matérias tradicionais, como matemática e português, e as 1200 horas (40%) restantes dedicadas a itinerários formativos[1].


Essas mudanças não foram implementadas de imediato, com o cronograma da reforma sendo definido apenas no governo Bolsonaro, em 2021. O Ministério da Educação prometia uma implementação gradual, começando pelo 1º ano do ensino médio em 2022 e finalizando em 2024 com todas as séries do ensino médio integradas à nova proposta. O objetivo seria oferecer uma formação escolar mais técnica e direcionada para os alunos, tornando o ensino médio brasileiro mais atrativo e diminuindo, assim, a evasão escolar[2].


O debate em torno desse tema voltou a ganhar notoriedade nas últimas semanas, visto que o Ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou, no dia 04 de abril de 2023, a suspensão do plano de implementação da reforma do ensino médio por 60 dias. Este já estava sendo executado ao longo dos últimos dois anos e que, nessa altura, resultaria em mudanças permanentes no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) a partir de 2024. Segundo Camilo, a suspensão visou “ampliar a discussão” da reforma e possibilitar que todos sejam escutados, "principalmente quem está lá na ponta, que são os alunos, os professores e aqueles que executam a política, que são os Estados”[3].


A medida é uma resposta ao crescente descontentamento de alunos e professores com o novo modelo de ensino. Em junho de 2022, foi redigida e postada uma carta aberta assinada por mais de 50 entidades, como sindicatos de professores e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com o título “Pela revogação da Reforma do Ensino Médio”[4], deixando claro que muitos indivíduos e instituições não estão satisfeitos com as mudanças que estão sendo implementadas na educação brasileira[5]. Todo esse desagrado se tornou explícito no gigantesco movimento “RevogaNEM”, realizado no dia 15 de março de 2023, quando foram contabilizados protestos contra a reforma em 48 cidades brasileiras, espalhadas por 20 estados da federação, em que milhares de alunos, professores ativistas e membros do movimento estudantil ocuparam as ruas e avenidas de suas cidades, levantando cartazes e gritando palavras de ordem, sempre em resistência ao Novo Ensino Médio[6].


Em um primeiro momento, essa situação pode parecer contraditória, visto que uma das reclamações mais comuns de estudantes de ensino médio é que eles passam tempo demais estudando assuntos que não irão utilizar no futuro. Logo, uma proposta de modelo que ofereça uma educação mais direcionada e personalizada deveria ter sido melhor aceita pela comunidade estudantil, correto? A resposta não é tão simples assim. Embora o Novo Ensino Médio tenha, teoricamente, uma intenção nobre de tornar o ensino mais atraente, reduzir a evasão escolar e capacitar estudantes para o mercado de trabalho, na prática, isso não tem sido alcançado. A reestruturação acarretou em várias consequências, a maioria delas sendo extremamente negativas. Enquanto no modelo anterior o foco era na interdisciplinaridade e formação de pensamento crítico[7], agora a proposta é fornecer uma formação mais técnica e direcionada para o mercado de trabalho.


Uma das principais reclamações foi o drástico corte na carga horária de disciplinas voltadas para as quatro áreas do conhecimento (Humanas, Linguagens, Exatas e Natureza). A diminuição de 40%[8] desses conteúdos resulta em uma formação acadêmica deficiente que afeta toda a vida do indivíduo. Segundo o G1[9], há relatos nas redes sociais de alunos de 3º ano de ensino médio do Estado de São Paulo com apenas duas aulas na semana de português e matemática. Não é preciso dizer que duas aulas semanais dessas disciplinas não são o suficiente para oferecer uma base de conhecimento satisfatória para qualquer aluno, principalmente para aqueles que almejam entrar em uma universidade pública. Com isso, os estudantes do ensino público que desejam ingressar no ensino superior precisam se dedicar muito mais para alcançar o tão sonhado diploma quando comparados com os alunos de instituições particulares.


Em um país onde mais de 6.5 milhões[10] dos jovens brasileiros estudam em escolas públicas, aqueles que são privilegiados de estudar em colégios particulares podem ter maior facilidade em obter os resultados necessários para aprovação nos vestibulares. O ensino mais robusto e a formação mais direcionada, por si só, já configuram uma grande vantagem, e isso, aliado à reforma, tira a oportunidade do aluno de escola pública disputar, em igualdade, uma vaga pela ampla concorrência, por exemplo. Assim, essa nova estrutura do ensino médio amplia ainda mais a disparidade histórica entre o ensino privado e o público no Brasil e fortalece o movimento de elitização das universidades públicas.


Se uma das principais preocupações do Novo Ensino Médio é reduzir a evasão escolar, a ampliação da carga horária de 4h para 7h diárias pode, na verdade, aumentar ainda mais o abandono escolar. Segundo a presidente da União Paranaense de Estudantes Secundaristas (UPES), Mariana Chagas[11], “esse aumento dificulta a vida dos alunos que precisam trabalhar para colocar comida na mesa , o que, por sua vez, aumenta a evasão escolar. Então, entre sobreviver ou ir para a escola, a pessoa vai escolher sobreviver”.


Outra enorme barreira encontrada é que a grande maioria das escolas não possuem infraestrutura para receber essa nova proposta de ensino. De acordo com Priscila Boy[12], pedagoga e especialista em Novo Ensino Médio, “o grande problema da reforma é que não foi pensado um programa de formação dos professores.” Sendo assim, eles acabam ministrando várias disciplinas sem ter especialização em todas elas, o que prejudica a qualidade da educação oferecida aos estudantes[13]. Nesse cenário, torna-se uma utopia cobrar das instituições públicas uma educação de excelência, uma vez que os responsáveis pelo ensino sequer dominam as disciplinas que lecionam.


Além disso, o cenário fica ainda pior quando olhamos o interior do país. As escolas de cidades menores enfrentam ainda mais dificuldades em relação ao novo modelo de ensino médio. Por terem menos recursos e menos visibilidade, essas redes de ensino acabam tendo um "cardápio" de itinerários formativos mais limitado[14], o que certamente prejudica a formação dos alunos e a sua capacitação para o mercado de trabalho. Assim, torna-se difícil pensar em um Ensino Médio verdadeiramente “Novo” que continue reforçando as desigualdades entre regiões metropolitanas e interioranas e que atenda apenas uma parcela da população.


É evidente que a educação brasileira enfrenta desafios no país, principalmente a pública. Mas até que ponto aumentar o período que os alunos ficam nas escolas é efetivo se muitas delas não têm professores ou infraestrutura suficiente? Será que cortar disciplinas tradicionais inteiras ou reduzi-las drasticamente é a solução? Logo, a principal contestação ao Novo Ensino Médio não é a sua intenção, mas sim a forma como tem respondido a essas perguntas, ao passo que representa muitas mudanças com poucos resultados práticos até então.


Júlia Paulino Rocon

Henrique dos Anjos Moura

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Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1] Os itinerários formativos são o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes podem escolher no ensino médio.

[2] MEC deve suspender cronograma de implementação do Novo Ensino Médio; entenda o que está em jogo. Disponível em: https://encurtador.com.br/xDIT2. Acesso em: 04 mai. 2023.

[3] As críticas que levaram governo Lula a suspender cronograma do Novo Ensino Médio. Disponível em: https://encurtador.com.br/bdmCD. Acesso em: 04 mai. 2023.

[4] CARTA ABERTA PELA REVOGAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO (LEI 13.415/2017). Disponível em: https://encurtador.com.br/hltM3. Acesso em: 11 mai. 2023.

[5] Carta Aberta pela revogação da Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017). Disponível em: https://encurtador.com.br/pyEX1. Acesso em: 04 mai. 2023.

[6] Estudantes protestam em 20 estados contra reforma do Ensino Médio.

Disponível em: https://encurtador.com.br/bkxBT. Acesso em: 04 mai. 2023.

[7] Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: https://encurtador.com.br/rwxM3. Acesso em: 11 mai. 2023.

[8] MEC deve suspender cronograma de implementação do Novo Ensino Médio; entenda o que está em jogo. Disponível em: https://encurtador.com.br/xDIT2. Acesso em: 04 mai. 2023.

[9] Novo Ensino Médio: ajustar ou revogar? Entenda em 7 pontos o debate que envolve alunos e MEC. Disponível em: https://encurtador.com.br/kpCQ7. Acesso em: 11 mai. 2023.

[10] Censo Escolar 2022. Disponível em: https://encurtador.com.br/uvyDO. Acesso em: 11 mai. 2023.

[11] O Novo Ensino Médio provoca defasagem e evasão escolar. Disponível em: https://encurtador.com.br/svwTX. Acesso em: 11 mai. 2023.

[12] Novo Ensino Médio tenta responder a mudanças do mundo, mas implementação é incerta. Disponível em: https://encurtador.com.br/jloFY. Acesso em: 11 mai. 20223.

[13] Novo Ensino Médio: mudanças, desafios e críticas. Disponível em: https://encurtador.com.br/aFKOZ. Acesso em: 11 mai. 2023.

[14] MEC deve suspender cronograma de implementação do Novo Ensino Médio; entenda o que está em jogo. Disponível em: https://encurtador.com.br/fsyY8. Acesso em: 04 mai. 2023.

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