A crescente e incessante busca pelo corpo perfeito, aquele corpo que atende aos requisitos do padrão de beleza socialmente imposto, acomete todos os gêneros, raças e faixa etárias, mas principalmente meninas e mulheres que carregam o estigma cultural e estrutural de estarem sempre em busca da aprovação, e vem se tornando mais recorrente, concomitante ao fato que tornou-se cada vez mais difícil e inalcançável atender os ditames da moda e da estética corporal feminina. Especialmente, se levarmos em consideração o papel e o grau de influência das mídias sociais nas vidas das pessoas neste século.
Cada época da história foi marcada por uma determinada percepção do “ser belo” e para alcançar o padrão imposto, diferentes técnicas eram utilizadas por diversos povos, com materiais que dispunham na época, como por exemplo, no Egito antigo (de 3000 a. C. a 200 d. C.) era comum o uso de mel, leite, farelo, gordura animal, vegetais e cera de abelhas para criar cremes. Já entre os romanos, por volta do ano de 200 d. C., era comum a utilização de chumbo branco e pó de giz para “embranquecer” a pele, assim como manteiga e farinha de cevada para tratar a acne[1].
Na atualidade, tais padrões de beleza se modificaram, mas a intenção do uso de métodos e meios para mudar o corpo e se tornar aceito continua sendo a mesma, porém com a principal diferença do tipo de ferramenta utilizada, trazendo um maior nível tecnológico no processo. São vários os procedimentos estéticos criados para isso. A eletroterapia, por exemplo, funciona a partir da indução a reações bioquímicas e fisiológicas no nível celular que podem ser propagadas por meio de correntes elétricas pelo corpo. Além disso, existem também a carboxiterapia, que consiste na injeção de gás carbônico sobre a pele a fim de eliminar a flacidez, a lipocavitação, que é um tipo de ultrassom capaz de atuar nas células que armazenam gordura e rompem triglicerídeos na corrente sanguínea, e também a “corrente russa”, que consiste na estimulação elétrica por meio de dois eletrodos na musculação para contraí-la[2]. A lista não para por aí, e se estende do pé à cabeça, os mais populares são tratamentos para a celulite - feito em sua maioria por mulheres - a Toxina Botulínica, o famoso “Botox”, próteses de silicone, rinoplastia, preenchimentos utilizando o ácido hialurônico, dentre vários outros.
Existem também os tratamentos estéticos mais invasivos como as cirurgias plásticas direcionadas à perda de peso, sendo uma delas a lipoaspiração, que é indicada para retirar o excesso de gordura localizada em determinada área do corpo, é inserido na região escolhida um tubo fino para “soltar” essa gordura, sendo aspirada a partir de um dispositivo médico. Os riscos desse tipo de cirurgia são diversos, hematomas, infecções, perfurações em órgãos e até a morte, como ocorreu recentemente à influenciadora digital Liliane Amorim, de 26 anos, que após ser acometida por uma infecção generalizada proveniente da lipoaspiração, veio a óbito em janeiro de 2021. Por tais motivos, é precípuo ser realizada por profissionais qualificados e especialistas no assunto, que disponibilizem todas as informações necessárias e operem em clínicas de confiança.
Diferentemente da lipoaspiração, a Lipo LAD (Lipoaspiração de Alta Definição, também chamada de lipoaspiração HD), além de remover o excesso de gordura, também modela e destaca os músculos, atuando em uma camada mais superficial do corpo, dando o efeito de “barriga tanquinho” com o intuito de criar um corpo magro, porém musculoso e esculpido. De acordo com a cirurgiã plástica Luciene Oliveira, da clínica Leger, de São Paulo, “Está na moda ter um corpo esculpido, assim como ter uma barriga mais lisinha já foi um dia”[3]. Há pouco tempo, surgiram polêmicas por meio das redes sociais associadas a esse procedimento muito utilizado por figuras públicas que frequentemente expõem suas vidas nas telas da TV e na internet, constituindo-se no fato da atriz Giovanna Chaves, de apenas 18 anos de idade e com o corpo dentro dos padrões estabelecidos, ter realizado o procedimento e divulgado em suas redes sociais.
Mesmo com todos os riscos conhecidos, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (ISAPS) divulgados em 2019, no ano de 2018, o Brasil realizou cerca de 2 milhões e 400 mil intervenções cirúrgicas e não-cirúrgicas legalmente realizadas no ano, ultrapassando os EUA na liderança de realização de procedimentos do gênero[4]. Os indícios desse aumento podem ser vistos em dados de 2016, quando a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) realizou uma pesquisa cujo resultado apontou um aumento de 390% na busca por procedimentos pouco invasivos[5]. Em 2020, mesmo com a necessidade de distanciamento social, a procura por esse tipo de procedimento cresceu cerca de 30% entre março e agosto[6]. O cirurgião plástico Paolo Rubez, membro da SBCP, apontou em entrevista para a Vogue Brasil que “Em meio a todo o estresse e ansiedade, muitos pacientes relatam crises com a própria aparência física. Além disso, muitos foram forçados a passar horas em videoconferências com iluminação ruim, ângulos infelizes e recortes estranhos, expondo características que nunca notaram antes”, o médico aponta ainda que essa nova maneira de se enxergar, somada a pressão estética, pode ser um dos fatores que vem gerando grande parte da demanda[7].
Outro método muito divulgado e utilizado para a redução de medidas é a ingestão ou aplicação de medicamentos como os fitoterápicos, os aceleradores de metabolismo e pílulas que simulam saciedade e prometem os resultados desejados sem esforço das pessoas que o utilizam, apresentando-se como uma solução para todos os problemas. Dentre estes fármacos se encontra o Ozempic (semaglutida), lançado no Brasil em 2019 para o tratamento de diabetes. O produto só deveria ser administrado sob orientação médica, mas tem sido utilizado indiscriminadamente para a perda de peso, apesar dos riscos que traz para a saúde do usuário. Médicos e especialistas apontam que o uso desregrado e fora da finalidade do remédio pode causar diversas interferências na saúde, das mais leves como vômitos e enjoo, até problemas intestinais graves e desenvolvimento de doenças no fígado.[8] O uso indevido desse tipo de produto vem sendo impulsionado por grupos no WhatsApp e no Facebook, formados por pessoas que trocam dicas, relatos e até comercializam os medicamentos, sem informar aos possíveis usuários seus danos e riscos à saúde.
No capitalismo, a massificação do consumo ultrapassa qualquer barreira e tende a tornar o próprio corpo humano alvo do mercado. Em “Vida para consumo”, Bauman retrata que o crescimento do consumo está ligado ao surgimento de novas tendências, que refletem o objetivo capitalista de obtenção de lucro, deturpando valores essenciais e coisificando o corpo, “o ser não é mais ser, mas sim objeto”[9]. Dessa forma, empresas e marcas, por meio da mídia e da publicidade, criam um ciclo vicioso em que vendem cada vez mais técnicas e procedimentos que modificam o corpo, moldando-o a um padrão criado pela própria mídia. Em vista disso, as redes sociais, principalmente o Instagram, entram e funcionam como canal de influência para o público alvo dessas instituições. Retratando uma realidade intangível para a maioria de seus seguidores, Digital Influencers ou formadores de opinião, com o celular em mãos conseguem influenciar milhares de pessoas, de maneira direta ou indireta, a consumirem algum produto ou seguirem um estilo de vida. Contudo, gira-se a seguinte problemática a respeito dessa ação: o uso irresponsável do poder de influenciar essas pessoas e a normalização da prática de procedimentos estéticos invasivos, que geram questionamentos e até culpa pela percepção de não se encaixar aos padrões impostos e serem obrigadas a realizá-los, o que põe a vida dessas pessoas em perigo, tanto física quanto psicologicamente.
Consumir diariamente esse tipo de conteúdo advindo das redes sociais, que ditam regras e representam um modelo de vida inalcançável para determinados usuários, torna-se um gatilho para pessoas que possuem baixa autoestima ou são vítimas de preconceito por não atenderem as expectativas impostas pela sociedade, desencadeando inúmeras consequências, como depressão, ansiedade, alterações do humor, isolamento social e distúrbios alimentares. Segundo o Congresso Brasileiro de Psiquiatria (CBP)[10], a anorexia faz parte desses distúrbios e caracteriza-se como “uma condição mental com mais alta taxa de mortalidade”, isso pois a restrição de alimentos feita pelo paciente, por acreditar serem muito calóricos, leva à perda rápida de peso, o que pode acarretar quedas de pressão, desmaios, desidratação, entre outros. E, além disso, veem sua imagem distorcida no espelho e continuam a achar que estão acima do peso. Ao contrário da anorexia, a bulimia consiste na ingestão exacerbada de alimentos considerados calóricos, seguida pelo sentimento de culpa onde as pessoas doentes “encontram uma maneira de expurgar aquela caloria” induzindo o vômito. Já a compulsão alimentar, em ataques de ansiedade e estresse, alcança níveis de ingestão de caloria acima do considerável normal, 2 mil calorias por dia, o portador do distúrbio chega a ingerir de 4 mil a 15 mil em poucos minutos, levando em sua maioria ao desenvolvimento da obesidade.
Um agravante para os distúrbios citados é a frustração provocada no indivíduo quando crê que sua aparência não condiz com o padrão de beleza que é a regra disseminada pelas mídias sociais. Tais padrões, via de regra, estão, simbólica e diretamente, associados ao sucesso, à dignidade, à aceitação social e à felicidade, enquanto corpos que não atendem a este estereótipo são indiretamente relacionados a infelicidade[11]. A percepção desses transtornos pode ser um pouco abstrata para algumas pessoas, entretanto, segundo uma pesquisa realizada em 2014 pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, mostrou que 77% das jovens do estado são propensas a desenvolver uma doença deste tipo, além disso diversas personalidades da mídia, como as cantoras Demi Lovato e Anahí, e as atrizes Cássia Kiss e Jessica Alba, falam abertamente sobre os distúrbios que têm ou já tiveram, e que foram causados ou agravados pela pressão psicológica da mídia[12].
Por outro lado, nos últimos anos, diversos atores, cantores e criadores de conteúdo têm surgido com diferentes pautas, apresentando possibilidades de felicidade sem se submeter a procedimentos arriscados, incentivando o amor próprio e o autocuidado. Visto que a padronização do corpo humano é um movimento intangível pela diversidade de pessoas existentes no mundo todo, de diferentes etnias, cores e formas, sem contar com as tendências que mudam a cada ano, o mais importante a ser feito é investigar a causa da insatisfação com o corpo e distinguir a vontade própria com a influência de terceiros, entender as limitações que existem e buscar sempre a ajuda de profissionais confiáveis para que um processo que tem o objetivo de levantar a autoestima não se torne um perigo para a vida. Além disso, o retorno da popularidade e adesão ao movimento Body Positive[13] tem auxiliado muitas pessoas a reencontrarem sua autoestima e compreender que não é viável ou necessário fazer tudo o que nos é imposto para alcançar o padrão exigido pela "indústria da beleza".
Patricia Specimille
Ruth Stein Silva
Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.
[1] História dos cosméticos da antiguidade ao século XXI. Disponível em: < https://cosmeticaemfoco.com.br/artigos/historia-dos-cosmeticos-da-antiguidade-ao-seculo-xxi/ > Acesso em 11 fev. 2021. [2] Eletroterapia estética: o que é, aparelhos e contra indicações. Disponível em: < https://www.tuasaude.com/eletroterapia-estetica/> Acesso em: 11 fev. 2021. [3] Lipo LAD: o que há por trás da cirurgia da moda que cria barriga tanquinho. Uol, 27 de nov de 2020. Disponivel em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/11/27/lipo-de-lad-conheca-a-cirurgia-que-promete-definicao-muscular-em-um-mes.htm#:~:text=M%C3%A9dicos%20e%20especialistas%20dizem%20que,Cl%C3%ADnica%20Leger%2C%20de%20S%C3%A3o%20Paulo. > Acesso em 11 de fev de 2021 [4] O Brasil ultrapassou os Estados Unidos e se tornou o país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo. SBCP blog, 13 fev. 2020. Disponivel em: <http://www2.cirurgiaplastica.org.br/blog/2020/02/13/lider-mundial/#:~:text=Os%20dados%20s%C3%A3o%20de%20uma,mil%20procedimentos%20est%C3%A9ticos%20n%C3%A3o%2Dcir%C3%BArgicos.> Acesso em 12 de fev. 2021 [5] Procedimentos estéticos não cirúrgicos aumentaram 390% no Brasil. Terra, 09 de agosto de 2019. Disponivel em: <https://www.terra.com.br/noticias/dino/procedimentos-esteticos-nao-cirurgicos-aumentaram-390-no-brasil,70b9548ed3c2b99810a3aab26e897a4a88re4xa3.html> Aceso em: 12 fev. 2021 [6] Aumenta o número de plásticas em tempo de isolamento social. Veja, 11 de set 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/saude/aumenta-o-numero-de-plasticas-em-tempo-de-isolamento-social/> Acesso em: 12 fev. 2021. [7] Saiba porque a procura por procedimentos estéticos surgiram durante uma pandemia. Vogue, 11 de nov 2020. Disponivel em; <https://vogue.globo.com/beleza/pele/noticia/2020/11/saiba-porque-procura-por-procedimentos-esteticos-cresceu-durante-pandemia.html> Acesso em 12 de fev. 2021. [8] Novo remédio de diabetes é usado para emagrecer, médicos apontam riscos. Uol, 21 de Jan 2020. Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/agencia-estado/2020/01/20/novo-remedio-de-diabete-e-usado-para-emagrecer-medicos-apontam-riscos.htm?cmpid=copiaecola> Acesso em: 10 fev. 2021. [9] Mercantilização do corpo humano: entre a liberdade de dispor e a liberdade de alienação. Empório do Direito, 19 de março de 2016. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/mercantilizacao-do-corpo-humano-entre-a-liberdade-de-dispor-e-a-liberdade-de-alienacao> Acesso em: 11 fev. 2021. [10] Os 12 principais tipos de transtorno alimentar, de anorexia a compulsão. Veja, 24 de abril de 2020. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/alimentacao/principais-tipos-transtorno-alimentar/> Acesso em 11 de fev. 2021. [11] BARACAT, Mariana; BARACAT, Juliana. A influência social e cultural da idealização do corpo perfeito através dos meios de comunicação e seu impacto na formação da imagem corporal. Revista Científica Eletrônica de Psicologia, v. 26, p. 1-11, 2016. Disponivel em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/Xwf05ZDP3MtONsC_2017-10-17-21-27-33.pdf> Acesso em: 12 de fev. de 2021 [12] 20 famosas que falaram abertamente sobre distúrbios alimentares. Cláudia, 20 jan 2020. Disponível em: <https://claudia.abril.com.br/sua-vida/famosas-disturbios-alimentares-anorexia-bulimia/> Acesso em 03 de mar 2021 [13] O movimento Body Positive surgiu em 1967, com uma campanha contra a discriminação pública de pessoas obesas e a luta por seus direitos. Mais tarde, ativistas começaram a exigir respeito não apenas para pessoas com obesidade, mas também para aquelas com deficiências, cicatrizes, queimaduras, transgêneros, etc. Atualmente o Body Positive está diretamente ligado à ideia de ser positivo em relação ao seu corpo, ressignificando o que foi ensinado como uma imperfeição. É deixar no passado a imposição para se encaixar no padrão imposto pela moda, pelo universo da beleza, sem deixar o amor ao seu corpo e saúde de lado.
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