top of page
Foto do escritorPET Economia UFES

O Brasil de Bolsonaro: um pária internacional

Atualizado: 15 de mar. de 2022

Charge do Zé Dassilva: Brasil isolado no G20. Disponível em: <https://www.nsctotal.com.br/noticias/charge-do-ze-dassilva-brasil-isolado-no-g20>. Acesso em: 17 nov. 2021


No mês de novembro de 2021 foi realizado em Roma, capital italiana, o 19° encontro da Cúpula do G-20, organização que reúne as 20 maiores economias do planeta, responsáveis por 80% do PIB global[1]. Nesse contexto, a realização do G-20 é uma excelente ferramenta para os líderes de cada país estabelecerem acordos bilaterais, ou realizarem encontros para fortalecerem a diplomacia entre seus países. No entanto, nesta atual edição, na contramão dessa premissa, foi amplamente divulgado nos meios de comunicação nacionais e internacionais o isolamento do presidente brasileiro Jair Bolsonaro na cúpula, com a falta de agendamento para encontros bilaterais com os demais líderes internacionais e a ausência de Bolsonaro em passeios turísticos com os demais participantes do evento[2].


Este acontecimento demonstra o receio dos líderes mundiais em querer associar sua imagem ao chefe de Estado brasileiro, desgastada principalmente durante a pandemia do novo coronavírus, com suas afirmações negacionistas, como por exemplo, o incentivo ao uso de medicamentos cientificamente ineficazes contra a Covid-19, em consonância com a sua péssima gestão ambiental, marcada por retrocessos na proteção aos biomas brasileiros. Ademais, o isolamento do presidente brasileiro na cúpula do G-20 também pode ser creditado à péssima gestão do Ministério das Relações Exteriores (mais conhecido como Itamaraty) após o início do mandato de Bolsonaro em 2019, no qual este foi responsável por gerar turbulências com grandes parceiros comerciais brasileiros, como por exemplo, a China.


A priori, é importante destacar que a diplomacia brasileira, desde a gestão do barão do Rio Banco, considerado “o pai da diplomacia brasileira”, entre 1902 e 1912, sempre se notabilizou por sua neutralidade, ou seja, por não tomar partido em incidentes internacionais ou apoiar enfaticamente algum candidato em eleições presidenciais de países estrangeiros[3]. Contudo, com a posse de Ernesto Araújo, pupilo do escritor e referência da extrema-direita brasileira Olavo de Carvalho, no Ministério das Relações Exteriores, a diplomacia brasileira passou a adotar novos parâmetros em sua política externa, com posições políticas pautadas em afinidades ideológicas do mandatário brasileiro, o que culminou em apoio partidário a candidatos para a presidência em eleições estrangeiras como foi o caso das eleições de 2019 dos Estados Unidos.


À vista disso, a diplomacia brasileira, sob a orientação de Araújo, foi marcada por recorrentes ataques de membros do governo brasileiro a parceiros comerciais, tornando o Brasil, por conseguinte, isolado internacionalmente. Assim, em novembro de 2020, na cerimônia de formatura de novos diplomatas, Ernesto Araújo assumiu o isolamento brasileiro ao afirmar que o Brasil tornou-se um pária mundial: “Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”. E complementou, realizando acusações vagas e sem fundamento: “Talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, do lado de fora, do que ser um conviva no banquete do cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e dos semicorruptos”[4]. Nesse contexto, o isolamento diplomático brasileiro acarreta em problemáticas econômicas e políticas para o país, e para o melhor entendimento da atuação do Itamaraty, atualmente, é importante observar as relações diplomáticas brasileiras com os Estados Unidos, durante o governo Bolsonaro.


Inicialmente, a diplomacia brasileira no governo Bolsonaro se caracterizou por um alinhamento automático de sua política externa com a do governo do polêmico ex-presidente norte-americano Donald Trump, cujo mandato durou de janeiro de 2017 a janeiro de 2021. A título de exemplo dessa submissão do governo Bolsonaro perante o presidente americano, o governo brasileiro tirou a candidatura própria, sugerida pelo ministro da economia Paulo Guedes, para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para apoiar a eleição de Maurício Claver-Carone, economista estadunidense escolhido por Trump[5].


Destarte, por tamanha associação com Trump, na eleição presidencial norte-americana em 2020, fugindo da neutralidade usual da política externa brasileira, o governo brasileiro se posicionou, partidariamente, a favor da campanha de reeleição do republicano para a Casa Branca. Entretanto, Trump perdeu as eleições presidenciais para o candidato democrata Joe Biden e acusou, a posteriori, sem apresentar provas concretas, o Partido Democrata de fraudar o pleito eleitoral. Assim, as alegações de Trump foram reverberadas por Bolsonaro que afirmou: “O pessoal tem que analisar o que aconteceu nas eleições americanas agora. Basicamente qual foi o problema, a causa dessa crise toda: falta de confiança no voto. Então lá, o pessoal votou e potencializaram um voto pelos correios por causa da pandemia e houve gente que votou três, quatro vezes, mortos votaram, foi uma festa”[6]. Desse modo, devido ao apoio às acusações falaciosas de Trump, Bolsonaro foi um dos últimos líderes mundiais a reconhecer a vitória de Joe Biden na presidência americana e criou problemas para iniciar uma diplomacia amigável com Biden.


Dessa forma, ainda durante a campanha presidencial americana, Biden afirmou que a Floresta Amazônica estava sendo destruída e propôs um fundo internacional para impedir o desmatamento na região, e ponderou que, caso o Brasil continuasse a destruir-la, poderia sofrer sanções econômicas[7]. Em resposta à proposta de Biden, após as eleições americanas, em um evento no Palácio do Planalto, Bolsonaro ameaçou os Estados Unidos, a principal potência militar contemporânea, de um possível conflito bélico caso Biden realize sanções econômicas ao Brasil: “Apenas diplomacia não dá. Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona. Precisa nem usar a pólvora, mas tem que saber que tem. Esse é o mundo”[8]. Assim, com o apoio irrestrito a Trump, mesmo após o fim de seu mandato, a diplomacia brasileira sofreu com o desprezo de Biden, chegando ao ponto de, na Cúpula do Clima de 2021, o presidente americano não assistir o discurso gravado por Bolsonaro e enviado ao evento[9].


Além dos Estados Unidos, o governo brasileiro também gerou atritos políticos contra outra potência mundial e um importante parceiro comercial, a China. Em março de 2020, o filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro comentou, em sua conta pessoal no Twitter, que a culpa pelo surgimento da pandemia da Covid-19 seria do Partido Comunista Chinês, ao alegar que: “A culpa é da China e liberdade seria a solução”[10]. Essa afirmação foi rebatida por Yang Yanming, embaixador da China no Brasil, que, em sua conta no Twitter, afirmou que as palavras de Eduardo seriam um “insulto maléfico contra a China e o povo Chinês”. Em virtude da fala do embaixador, contrariando a impessoalidade do cargo e a boa diplomacia sino-brasileira, o chanceler brasileiro no período, Ernesto Araújo, saiu em defesa de Eduardo Bolsonaro, alegando que a resposta de Yanming “feria a boa fé diplomática”[11].


Ademais, os atritos de Eduardo Bolsonaro com o governo chinês continuaram em decorrência da tecnologia de internet móvel de quinta geração (5G) chinesa. Eduardo Bolsonaro, em postagem em sua conta no Twitter, ao comemorar o acordo do Brasil com a Clean Network (projeto encabeçado pelo Estados Unidos que visa restringir a participação de empresas chinesas no mercado do 5G), vinculou a tecnologia do 5G produzida pela China à espionagem[12]. A postagem, apagada posteriormente, levou a Embaixada Chinesa no Brasil a responder, por meio de uma nota, a postagem de Eduardo, afirmando que caso as provocações e ataques contra a China continuassem, o governo Bolsonaro iria “arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil”[13].


Além de Eduardo Bolsonaro, o próprio Jair Bolsonaro já realizou graves ataques à China. Em março de 2021, o presidente sugeriu, em um evento no Palácio do Planalto, que a China estava realizando uma guerra biológica com a disseminação da Covid-19 ao afirmar: “Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês”[14]. O comportamento xenófobo do presidente chegou ao ápice quando realizou sucessivos ataques à vacina criada pela farmacêutica chinesa Sinovac, que, na época, estava em fase de testes no Brasil por meio de uma parceria com o Instituto Butantan. Em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro comentou que não iria autorizar a compra de nenhuma vacina produzida na China: “Da China não compraremos. Não acredito que ela transmita segurança para a população pela sua origem. Esse é o pensamento nosso”[15].


Outros membros do governo, assim como Bolsonaro, já criticaram abertamente a China. O ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, em vídeo gravado em abril de 2021, afirmou que os chineses inventaram o coronavírus e que os imunizantes fabricados na China eram menos eficazes que o imunizante produzido pela farmacêutica norte-americana Pfizer[16]. Além de Guedes, Ernesto Araújo, em artigo no seu blog pessoal, chamou o coronavírus de “Comunavírus”, uma clara referência ao Partido Comunista Chinês[17].


Estas atitudes, tanto do presidente quanto de outros membros do governo, diante das vacinas produzidas na China, afetaram a campanha nacional de imunização contra a Covid-19. Em maio de 2021, a farmacêutica chinesa Sinovac havia reduzido a quantidade enviada para o Brasil do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), a matéria-prima dos imunizantes, para a fabricação de vacinas pelo Instituto Butantan. Nessa conjuntura, Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, afirmou que a escassez do IFA foi resultado direto das falas dos membros do governo contra a China, o que gerou um mal-estar entre os países: “Todas essas idas e vindas do governo federal obviamente têm um impacto no ritmo de liberação do IFA. As liberações estão acontecendo, mas em volume menor que poderia acontecer”[18].


Além de atritos diplomáticos com as duas maiores potências econômicas contemporâneas, o Itamaraty e o presidente Bolsonaro colecionam declarações polêmicas contra outros líderes mundiais como, por exemplo, o presidente francês Emmanuel Macron, no qual Bolsonaro zombou da aparência física de sua esposa. Desse modo, com o acúmulo de crises diplomáticas, Ernesto Araújo foi exonerado de seu cargo em março de 2021, sob severas críticas do Senado Federal. A senadora Kátia Abreu, por exemplo, descreveu Araújo como: “Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições”[19].


Desse modo, com uma uma administração estapafúrdia do Ministério das Relações Exteriores e ataques às lideranças internacionais, o Brasil se isola cada vez mais no cenário mundial, perdendo o seu protagonismo e credibilidade. Com o impacto da Covid-19 e outras problemáticas do século XXI, como a proteção ao meio ambiente, urge cada vez mais a cooperação das nações para o enfrentamento desses grandes desafios, e a participação e o envolvimento do Brasil são imprescindíveis. No entanto, isto só será possível caso a política externa brasileira nos próximos anos mude o legado tenebroso do governo Bolsonaro e crie novos caminhos, restabelecendo laços diplomáticos e retirando o status de pária do país, para que assim, o Brasil possa voltar a desempenhar um papel de protagonismo internacional.


Matheus Maia


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.



[1] MALAR, João. PIB, inflação, desemprego: veja os dados econômicos dos países do G20. CNN Brasil, 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/pib-inflacao-desemprego-veja-os-dados-economicos-dos-paises-do-g20/>. Acesso em: 30 de nov. 2021 [2] BOLSONARO não participa de foto de líderes do G-20 na Fontana di Trevi. G1, 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/10/31/bolsonaro-nao-participa-de-foto-de-lideres-do-g20-na-fontana-di-trevi.ghtml>. Acesso em: 17 de nov. 2021. [3] POLÍTICA Externa Brasileira: princípios e história. Politize!, 2017. Disponível em: <https://www.politize.com.br/politica-externa-brasileira-principios-historia/>. Acesso em: 30 de nov. 2021. [4] FERNANDES, Augusto. “Que sejamos pária”, afirma Ernesto Araújo sobre o papel do Brasil no mundo. Correio Braziliense, 2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/10/4884035-se-falar-em-liberdade-nos-faz-paria-internacional-que-sejamos-esse-paria-diz-ernesto-araujo.html >. Acesso em: 17 de nov. 2021. [5] BENITES, Afonso. Por alinhamento com Trump, Bolsonaro ignorou aposta de Paulo Guedes para presidência do BID. El País, 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-18/por-alinhamento-com-trump-bolsonaro-ignorou-aposta-de-paulo-guedes-para-presidencia-do-bid.html>. Acesso em: 18 de nov. 2021. [6] KADANUS, Kelli. Bolsonaro insiste em fraude nos EUA já descartada e ataca eleição no Brasil. Uol, 2021. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/01/07/bolsonaro-insiste-em-fraude-nos-eua-ja-descartada-e-ataca-eleicao-no-brasil.htm>. Acesso em: 16 de nov. 2021. [7] JOE Biden cita destruição de floresta brasileira durante debate com Trump nos EUA. G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2020/09/30/joe-biden-cita-destruicao-de-floresta-brasileira-durante-debate-com-trump-nos-eua.ghtml >. Acesso em: 16de nov. 2021. [8] GOMES, Pedro. Brasil tem de deixar de ser 'país de maricas' e enfrentar pandemia 'de peito aberto', diz Bolsonaro. G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/10/bolsonaro-diz-que-brasil-tem-de-deixar-de-ser-pais-de-maricas-e-enfrentar-pandemia-de-peito-aberto.ghtml>. Acesso em: 15 de nov. 2021. [9] AUGUSTO, Otávio; SAID, Flávia. Biden não assistiu ao discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima. Metrópoles, 2021. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/biden-nao-assistiu-ao-discurso-de-bolsonaro-na-cupula-do-clima>. Acesso em: 17 de nov. 2021. [10] FELLET, João. 'Vírus chinês': como Brasil se inseriu em disputa geopolítica entre EUA e China sobre pandemia. BBC News Brasil, 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51963251>. Acesso em: 16 de nov. 2021. [11] Idem. Ibidem [12] CHINA reage à acusação de Eduardo Bolsonaro sobre 5G. Exame, 2020. Disponível em: <https://exame.com/brasil/china-reage-a-acusacao-de-eduardo-bolsonaro-sobre-5g/>. Acesso em: 17 de nov. 2021. [13] Idem. Ibidem [14] FAGUNDES, Murilo. Bolsonaro cita “guerra química” e refere-se à China de modo oblíquo. Poder 360, 2021. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-cita-guerra-quimica-e-refere-se-a-china-de-modo-obliquo/>. Acesso em: 17 de nov. 2021. [15] GOVERNO coleciona ataques à China e Brasil fica sem vacinas. R7, 2021. Disponível em: <https://noticias.r7.com/brasil/governo-coleciona-ataques-a-china-e-brasil-fica-sem-vacinas-14052021>. Acesso em: 17 de nov. 2021. [16] Idem. Ibidem [17] ERNESTO Araújo, que falou em 'comunavírus' e 'pesadelo comunista', mente à CPI e diz nunca ter feito ataques à China. Brasil 247, 2021. Disponível em: <https://www.brasil247.com/cpicovid/ernesto-araujo-que-falou-em-comunavirus-e-pesadelo-comunista-mente-a-cpi-e-diz-nunca-ter-feito-ataques-a-china>. Acesso em: 17 de nov. 2021. [18] LIMA, Bruna; CARDIM, Maria Eduarda. Butantan atribui atraso de IFA da China a declarações de Bolsonaro. Correio Braziliense, 2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/05/4922658-butantan-atribui-atraso-de-ifa-da-china-a-declaracoes-de-bolsonaro.html>. Acesso em: 17 de nov. 2021. [19] Oliveira, Mayara. Kátia Abreu sobre Araújo: “Brasil não pode ter face de um marginal”. Metrópoles, 2021. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/katia-abreu-sobre-araujo-brasil-nao-pode-ter-face-de-um-marginal>. Acesso em: 30 de nov. 2021

277 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page