top of page
Foto do escritorPET Economia UFES

No país do Zé Gotinha

Atualizado: 14 de mai. de 2022



Um dos maiores orgulhos nacionais, nas últimas décadas, são as excelentes campanhas de vacinação realizadas pelo Estado brasileiro, que tem como público-alvo as crianças. E para compreender o sucesso da vacinação infantil no país, e os desafios que este tema pode apresentar no futuro, é imprescindível analisar o papel do Programa Nacional de Imunizações (PNI) nesse processo. Este programa, instituído em 1973, recomendava o diálogo com pais e responsáveis por todas as crianças menores de um ano, alvo das vacinas ofertadas nos serviços públicos de saúde na época. A informação e mobilização das comunidades deveriam ter como propósito assegurar a adesão informada da população ao programa.

Foi seguindo essas diretrizes que a estratégia de vacinação em massa contra a poliomielite, doença que causa a paralisia infantil, cuja situação epidemiológica era considerada extremamente grave e impossível de ser modificada a curto prazo nas décadas de 1970 e 1980, em virtude da insuficiência da rede de serviços básicos de saúde para proceder, rotineiramente, à vacinação sistemática do público alvo. Foi estabelecido, nesse período, o Projeto de Divulgação para o Programa de Imunizações, que incluía a proposta de ampliação da marca da erradicação da poliomielite para a marca do PNI.

Na área de comunicação houve grande mobilização entre os educadores, os quais iam aos estados federativos levando uma série de sugestões para mobilizar a população, e, principalmente, entre os meios oficiais do governo que gradativamente foram moldando a ideia coletiva da vacinação infantil. Nas discussões localizadas, fervilhavam ideias quanto ao uso de veículos locais de comunicação e estratégias específicas para sensibilizar pais e responsáveis por menores de cinco anos. Houve um apelo inicial ao medo, à culpa, à exclusiva responsabilização dos pais e à exploração de imagens de crianças com deficiências físicas graves, usando cadeiras de rodas ou aparelhos ortopédicos, que deram lugar ao apelo à responsabilidade individual e coletiva em garantir a vacina para as crianças. A vacinação foi defendida como um ato de amor, além de direito da criança. Frases como: "mãe, que é mãe, vacina"; "uma nova dose de amor"; "dobre seu compromisso"; "comprometa-se com a vacina"[1], foram bordões utilizados nas propagandas.

Porém, apenas convencer os pais a vacinar seus filhos não bastava para mudar o cenário preocupante da época. Assim, começaram a organizar campanhas de incentivo que conversavam com adultos e crianças. Logo, era necessário criar um símbolo lúdico que fizesse com que os pequenos também enxergassem a vacinação como algo positivo. Essa medida foi um marco na história do Brasil com a criação de um personagem muito conhecido pelos brasileiros: o Zé Gotinha. É difícil encontrar alguém que nasceu depois dos anos 1980 que não tenha alguma lembrança afetiva dele.

Em 1986, o icônico Zé Gotinha nasceu em uma campanha do Ministério da Saúde para a vacinação contra a poliomielite, criado pelo artista plástico e publicitário Darlan Rosa em uma colaboração com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Seu principal objetivo, quando foi criado, era diminuir o medo das crianças em relação às vacinas, associadas comumente a seringas (mas, no caso da pólio, basta uma gotinha para se imunizar), porém o personagem foi muito bem visto não somente pelas crianças com medo de agulha, mas também por toda população, por isso não demorou para se tornar o mascote oficial do PNI.

O programa distribui atualmente mais de 300 milhões de doses anuais de vacinas, soros e imunoglobulinas. Também, foi responsável pela redução dos casos e mortes derivadas de sarampo, rubéola, tétano, difteria e coqueluche; além de ser pioneiro na erradicação da varíola e da poliomielite no país. O que foi alcançado pelo Brasil, em imunizações, está muito além do que foi obtido por qualquer outro país de dimensões continentais e de tão grande diversidade socioeconômica[2].

No entanto, o sucesso alcançado pelo PNI na organização de eficazes campanhas de vacinação infantil nas últimas décadas não está refletindo nas campanhas de vacinação infantil atualmente, visto que a aplicação de vacinas que apresentam como público-alvo as crianças estão apresentando resultados muito abaixo do esperado. A título de exemplo, de acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde, via DataSUS, das 15 vacinas que devem ser aplicadas em crianças até os 4 anos de vida, apenas 6 vacinas apresentaram bons índices de vacinação. Assim, importantes vacinas que proporcionam proteção de doenças contra as crianças, e que também impactam no bem-estar em suas vidas adultas, apresentaram uma diminuição da sua cobertura vacinal entre os anos de 2015 e 2021, como a BCG - a vacina que deixa a famosa marquinha no braço -, vital na proteção contra a tuberculose, que apresentou uma redução na cobertura vacinal de 38,85% e a Pneumocócica, importante na prevenção de doenças como a meningite e a pneumonia, que obteve uma redução na sua cobertura vacinal de 23,09%[3].

Esse cenário tem causado grande preocupação nas autoridades sanitárias nacionais, visto que esta baixa imunização pode acarretar em novos surtos de doenças que haviam registrado quedas em seus números de casos nos últimos anos. Assim, para que esse quadro de saúde pública tenha melhora, é imprescindível compreender os fatores que contribuem para essa queda nos índices de vacinação infantil e as causas dessa problemática no Brasil.

Apesar de parecer contraditório, um dos fatores que explicam a queda do número de crianças vacinadas é o próprio sucesso do PNI no combate a diversas doenças por meio da vacinação em massa. Desse modo, essa sensação de segurança leva diversos pais a serem descuidados com a vacinação de seus filhos contra doenças que foram erradicadas ou que tiveram seus casos reduzidos ao longo dos últimos anos, como a poliomielite e a varíola[4].

Além desse fator estrutural, outro agravante para a queda da vacinação infantil é a propagação de notícias falsas referentes às vacinas. Nesse sentido, com o desenvolvimento das redes sociais, criou-se espaços onde os receptores podem produzir e compartilhar informações, muitas vezes não verídicas. A disseminação de fake news percorreu toda a área da saúde, mas, em especial, costuma atacar a imunização por meio da vacinação. A campanha antivacina ganhou um novo fôlego com a publicação do artigo publicado pelo gastroenterologista inglês Andrew Wakefield, alegando que a vacina MMR, que protege contra o sarampo, causaria autismo. Obviamente, o artigo publicado por Wakefield não tinha base científica e trabalhos posteriores desmentiram essas informações[5]. Mas, o estrago já estava feito, apesar de ter sua licença médica cassada, as campanhas antivacina abraçaram as falsas teses de Wakefield e aumentaram as suas proporções nas últimas décadas, graças a disseminação de fake news, o que fez muitos pais deixarem de vacinar seus filhos, desencadeando a preocupação de organizações de saúde.

No Brasil, atualmente, o presidente da República Jair Bolsonaro se tornou um símbolo de desestímulo à vacinação infantil, por meio de ataques e divulgação de notícias falaciosas contra a vacinação infantil da Covid-19. Após a aprovação da Anvisa para imunização de crianças contra a doença, Bolsonaro declarou: “A Anvisa lamentavelmente aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos. A minha opinião eu quero dar para você aqui. A minha filha de 11 anos não será vacinada”[6]. A atuação de Bolsonaro, e suas frases negativas sobre a vacinação, geram receio dos pais em vacinar seus filhos e, por conseguinte, ajudam na intensificação da campanha antivacina em todo território brasileiro.

A gravidade da redução da vacinação infantil é imensa para a população brasileira, visto que novos surtos de doenças, que outrora haviam sido drasticamente reduzidas graças à vacinação em massa, podem voltar a acontecer. Combater as notícias falsas que permeiam a vacinação infantil e retirar o receio dos pais em vacinar seus filhos não são apenas meios úteis para estimular a vacinação infantil, mas são vitais para o bem-estar coletivo. Dessa forma, utilizar o Zé Gotinha em campanhas de conscientização é uma excelente ferramenta para, de forma lúdica, ensinar sobre os benefícios da vacinação infantil para os pais e filhos, e assim mudar o triste panorama atual.

Nicole Sansoni

Matheus Maia


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1] Teixeira, M. G. 1999 '25 anos do Programa Nacional de Imunizações: Bahia'. Em PNI-Bahia, 25 anos de história Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. [2] Cruz, Adriane. “Programa Nacional de Imunizações – redução das desigualdades sociais ``. Disponível em : <https://bit.ly/3MZWS3g>. Acesso em: 30 de abr. 2022. [3] ZORZETTO, Ricardo. O tombo na vacinação infantil. Pesquisa FAPESP, 2022. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/o-tombo-na-vacinacao-infantil/>. Acesso em: 30 de abr. 2022. [4] Idem ibidem. [5] IDOETA, Paula. A história que deu origem ao mito da ligação entre vacinas e autismo. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-40663622>. Acesso em: 30 de abr. 2022. [6] Noberto, Cristiane. “Bolsonaro critica vacinação de crianças e diz que filha não será vacinada”. Diário de Pernambuco, 2022 Disponível em: https://bit.ly/3MTZ0cD Acesso em: 30 de abr. 2022.

232 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

留言


bottom of page