Duke. Charge do Duke: Neymar ainda mais milionário no Al Hilal da Arábia Saudita.Disponível em: bit.ly/3OOTR8n. Acesso em: 22 ago. 2023.
No dia 19 de agosto de 2023, o jogador brasileiro Neymar Jr, aquele que veste a camisa 10 da seleção brasileira, foi apresentado como reforço do Al-Hilal, time da primeira divisão de futebol da Arábia Saudita¹. A ida do jogador brasileiro para o futebol árabe, menos competitivo em relação às ligas europeias, foi um fato surpreendente devido a sua idade (31 anos) e também por ser o principal jogador de uma das maiores seleções do mundo. De acordo com diversos especialistas no assunto, e inclusive o narrador Galvão Bueno², Neymar tem habilidade suficiente para continuar na Europa, palco dos melhores times da atualidade, e consequentemente, do futebol mais competitivo. Entretanto, ainda assim escolheu a ida para o Oriente Médio como o futuro de sua carreira. Muito se especula sobre os motivos da ida do camisa dez para o novo clube, todavia, um fator é bem relevante nessa negociação: o dinheiro!
Segundo o jornal O Globo, Neymar vai receber o terceiro maior salário do ramo futebolístico do mundo³, cerca de 430 milhões de reais por ano, o que equivale a R$35,8 milhões por mês ou R$1,19 milhão por dia, fora os bônus contidos no contrato, como 500 mil reais a cada postagem divulgando a liga de futebol saudita em suas redes sociais. Esses valores assustam, principalmente por se tratar de um país que, até então, não tinha muita tradição no esporte referido[4]. Mas para quem não está acompanhando o noticiário esportivo nos últimos tempos, Neymar não foi a única grande estrela do futebol mundial que se mudou para as terras do Oriente Médio.
Quando o astro português Cristiano Ronaldo, no final do ano de 2022, trocou a Inglaterra pela Arábia Saudita e se tornou o jogador mais bem pago do mundo, os clubes árabes abriram o cofre para fazer ofertas milionárias e pra lá de tentadoras para jogadores de primeira linha do esporte referido. Não é a intenção dos autores questionar a decisão do atleta, mas sim, refletir sobre o nível dos investimentos nos esportes por parte do mundo árabe na atualidade.
Em junho de 2023, o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (FIB), realizou a compra de quatro grandes clubes do país: Al Nassr, Al Ittihad, Al Hilal e Al Ahli. São esses os mesmos clubes que estão sendo responsáveis por essas contratações de grande porte e juntos esses clubes tem 39 títulos do campeonato saudita, que está em sua 48º edição.
O dinheiro gasto para compra dos clubes veio principalmente do petróleo extraído pelos árabes. Entretanto, o príncipe herdeiro e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, está empenhado na diversificação da economia do país e em livrar a nação saudita de uma visão de violação de direitos humanos.
Nesse sentido, o esporte seria uma forma de lavar as notícias ruins do país, deixando a impressão que lá, na verdade, é a terra onde Cristiano Ronaldo e Neymar Jr jogam, ou talvez seja melhor utilizarmos o termo em inglês: Sportwashing.
O termo é a junção das palavras em inglês: esporte e lavagem. Criado por organizações de direitos humanos, refere-se à prática de usar o esporte para limpar uma reputação, seja de uma pessoa ou até de um país mal visto pela sociedade.
Não é a primeira vez que um país do Oriente Médio é acusado de sportwashing, visto que o Catar sofreu essas acusações quando sediou a Copa do Mundo de 2022. A grande diferença é que a Arábia Saudita está criando uma base para seu esporte contratando diferentes jogadores para atuar em seu território, enquanto o seu vizinho escolheu sediar um grande evento para melhorar a sua imagem com o restante do mundo.
A justificativa do governo saudita é popularizar o esporte em seu país, que está enfrentando um rejuvenescimento de sua população. Todavia, segundo o historiador e professor de Política Internacional, Filipe Figueiredo, a justificativa é balela[5]. Esse discurso já era utilizado na década de 1980, que culminou na participação do país na Copa do Mundo de 1994.
Sendo os clubes movidos com dinheiro público, e o histórico da Arábia Saudita em desrespeito aos direitos humanos, não é incomum associarmos essa prática ao chamado soft power, conceito criado por Joseph Nye que é definido pelo uso da diplomacia em seus diversos formatos para influenciar a comunidade internacional[6].
O uso desse instrumento por parte do país saudita tem entregado resultados financeiramente positivos: o valor da indústria de eventos esportivos na Arábia Saudita passou de U$2,1 bilhões para uma estimativa de US$3,3 bilhões em 2024, com um crescimento médio de 8% ao ano[7].
A estratégia arábe não se concentra apenas no futebol; é possível ver uma forte participação em outros esportes como o golfe, a Fórmula 1, lutas de boxe, jogos eletrônicos e até possíveis negociações para atrair torneios de tênis. Hoje, visam ser o país sede da Copa do Mundo de 2030, algo cujo resultado será conhecido apenas em algum momento do ano que vem[8].
Os dividendos políticos do sportwashing já estão sendo colhidos, o que pode ser evidenciado com a escolha da Arábia Saudita, por parte da Federação Internacional de Futebol (FIFA), como país sede do Mundial de Clubes de 2025 e da Supercopa da Ásia de 2027[9]. Ademais, ganhou uma vaga no Conselho de Administração da FIFA, algo que representa prestígio e ganho de poder dentro da entidade[10].
Como diz o jornalista Irlan Simões, pesquisador do esporte: “Eles não vão se preocupar se o país é mais aberto em relação aos direitos da população LGBTQIA+, não vão se preocupar se o país ataca muçulmanos, com nada disso. O certo é que a FIFA faz de tudo para garantir que não existam manifestações políticas nas suas competições. A ideia é blindar o negócio futebol desse tipo de manifestação política e não reconhecê-las como legítimas”.
O sportwashing não é exclusividade dos países árabes e tampouco é algo novo. Os primeiros relatos da utilização desse conceito remontam ao período das Grandes Guerras mundiais, com a Copa do Mundo de futebol na Itália em 1934 e os Jogos Olímpicos na Alemanha em 1936. No primeiro caso, o objetivo era divulgar propaganda favorável a Benito Mussolini, ditador fascista que governava a Itália naquele período. Já no segundo caso, serviu para fortalecer a narrativa interna e mostrar pela televisão uma suposta boa imagem da Alemanha, tendo, inclusive, o abominável ditador Adolf Hitler discursando na abertura, um fato deliberadamente omitido pelo site das Olimpíadas[11].
Inclusive o próprio governo ditatorial brasileiro utilizou da famosa seleção tricampeã mundial em 1970, com um instrumento de mascarar o endurecimento da repressão em seu início. Fazendo uma campanha ufanista para fazer com que o próprio povo brasileiro melhorasse sua visão sobre a ditadura ali imposta[12].
Quando falamos sobre esportes no Catar e na Arábia Saudita, o termo Sportwashing é comum nos noticiários esportivos. Porém, a Copa do Mundo Feminina na Austrália (2023), país que foi acusado pelo Alto Comissariado da ONU para refugiados, Filippo Grandi, de prática desumana com os imigrantes[13]. Além disso, a Austrália é o único país daqueles comandados pela coroa britânica cuja constituição não reconhece os povos indígenas. Não é difícil concluir a partir disso que as críticas sobre as práticas de Sportswashing tem uma visão orientalista.
Como exposto em todo o texto, a utilização do esporte como uma forma de propaganda não é recente, em diversos momentos da história e em diversas localidades isso ocorreu. E a existência de um preconceito velado contra países orientais quando se trata do tema referido. Entretanto, temos que destacar que a entidade máxima do futebol, a FIFA, está desconsiderando tais atitudes de todos esses países. Principalmente quando escolheu sediar duas copas seguidas em países que proíbem a presença de pessoas LGBTQIA+.
Breno Vervloet
Diogo Schiavinatto
Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.
Neymar é apresentado no Al-Hilal com festa em estádio na Arábia Saudita: "Estou impressionado". Disponível em: bit.ly/44k8AxU. Acesso em: 22 ago. 2023.
Galvão lamenta ida de Neymar ao Al-Hilal: 'Futebol pra continuar na Europa' Disponível em: bit.ly/3R1A9J3. Acesso em: 30 ago. 2023.
Acertado com Al-Hilal, Neymar vai ganhar mais de R$ 1 milhão por dia no clube saudita. Disponível em: glo.bo/3E5a9oL. Acesso em: 22 ago. 2023.
Quem são os jogadores que trocaram a Europa pela Arábia Saudita? Quem rejeitou? Veja. Disponível em: bit.ly/3sdSp7J. Acesso em: 22 ago. 2023.
Golfe, Cristiano Ronaldo, Benzema e direitos humanos na Arábia Saudita. Disponível em: bit.ly/3soGp3z. Acesso em: 22 ago. 2023.
O que é soft power: entenda conceito essencial das relações internacionais hoje em dia. Disponível em: https://bit.ly/44qscQL. Acesso em 22.ago. 2023.
Money talks: how Saudi Arabias’s soft power project is shaking up sport. Disponível em: https://bit.ly/3E8Qfct. Acesso em 21. ago. 2023.
The Economist: entenda motivos da Arábia Saudita gastar fortuna no esporte. Disponível em: https://bit.ly/3stdJGA. Acesso em 21.ago.2023.
Com influencia crescente no futebol, Arábia Saudita sediará Mundial de Clubes 2023 em dezembro. Disponível em: https://bit.ly/3OPlMVF. Acesso em 22. ago. 2023.
Arábia Saudita ganha assento no conselho da Fifa e aumenta influencia no futebol. entenda. Disponível em: https://bit.ly/45Kd9Ti. Acesso em 21. ago. 2023.
Sportwashing: entenda o conceito por trás da compra do Newcastle. Disponível em:https://bit.ly/3stO1BR. Acesso em 23. ago. 2023.
A seleção que ‘presenteou’ a ditadura com uma taça. Disponível em: bit.ly/3sybyl1. Acesso em: 30 ago. 2023.
A Austrália fez 'sportswashing' ao sediar a Copa do Mundo?. Disponível em: bit.ly/45CvnWt. Acesso em: 22 ago. 2023.