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Maria da Conceição Tavares: ontem, hoje e sempre


Homenagem à grande Maria da Conceição Tavares. Disponível em: https://www.brasil247.com/charges/homenagem-a-grande-maria-da-conceicao-tavares. Acesso em: 15 ago. 2024


Em junho de 2024, o Brasil perdeu uma das economistas mais prestigiadas de sua história, cujo legado se estende profundamente, tanto no pensamento econômico nacional quanto no cenário internacional. Maria da Conceição Tavares, nascida em Portugal e naturalizada brasileira, destacou-se como uma das intelectuais mais influentes de seu tempo. Sua trajetória foi marcada por um compromisso inabalável em analisar as condições que perpetuam o subdesenvolvimento econômico brasileiro, defendendo que o progresso econômico do país deve estar intrinsecamente conectado ao avanço social¹.

Tavares deixou um legado expressivo para a formação do pensamento econômico no Brasil, especialmente por sua atuação na criação dos programas de pós-graduação em Economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)². Esses programas desempenharam um papel crucial na formação de diversas gerações de economistas no Brasil, bem como na promoção de intensos debates sobre as mazelas sociais vigentes nacionalmente e o papel da economia em superá-las. Além de suas relevantes contribuições à teoria econômica, ela desempenhou um papel relevante nas ciências e na política brasileira, abrindo espaços anteriormente dominados por homens. Foi a primeira pesquisadora latino-americana a integrar a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), onde se destacou por sua análise aprofundada do desenvolvimento econômico na América Latina³. Seu trabalho deu ênfase especial à questão do subdesenvolvimento econômico periférico, com particular atenção ao contexto da economia brasileira.

Um de seus principais argumentos era que o subdesenvolvimento não era simplesmente uma fase transitória, mas sim uma condição estrutural que demandava soluções específicas e diferenciadas. Sua visão foi amplamente difundida em diversos ensaios, destacando-se, entre eles, "Notas sobre o problema do financiamento numa economia em desenvolvimento — o caso do Brasil" (1967), em que analisou como as transformações na estrutura produtiva brasileira impactaram as questões de financiamento, com ênfase no financiamento ao consumo. Nesse trabalho, ela também discutiu as limitações inerentes ao uso da inflação como mecanismo para impulsionar o crescimento industrial.

Outra de sua contribuição significativa para o pensamento econômico brasileiro reside na análise crítica do modelo de substituição de importações, implementado no Brasil entre as décadas de 1930 e 1980. Esse modelo tinha como objetivo primordial promover a produção interna de bens e reduzir a dependência em relação às importações. Em essência, buscava-se uma transformação da economia, direcionando-a para uma dinâmica autossuficiente e menos vulnerável às flutuações do comércio exterior. No entanto, Tavares, em sua obra "Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil", demonstrou que o modelo não eliminou a dependência externa, mas a redirecionou, intensificando a necessidade de importações de mercadorias com elevado conteúdo tecnológico das potências ocidentais.

O processo de substituição de importações atingiu seu limite após o término do Plano de Metas durante o governo de Juscelino Kubitschek. Nesse contexto, dada a crise nos anos 1960, o economista Celso Furtado10 (1920-2004) interpretou a queda nas taxas de lucro e acumulação como resultado da crescente relação entre capital e trabalho, caracterizando esse fenômeno como uma tendência de estagnação econômica. Em contrapartida, Maria da Conceição Tavares, em colaboração com o economista José Serra, argumentava que o declínio do crescimento econômico no Brasil não configurava uma estagnação contínua, mas sim uma crise cíclica, suscetível de superação por meio da utilização da capacidade produtiva ociosa, ou seja, a parte da capacidade de produção que não estava sendo utilizada eficientemente. Essa capacidade ociosa, uma vez revitalizada por inovações institucionais e pela adoção de um novo modelo de desenvolvimento, possibilitou o crescimento acelerado observado durante o período do “Milagre Econômico”¹¹¹².

Ademais, em uma de suas contribuições mais significativas ao pensamento econômico brasileiro, conduziu uma análise crítica do período do “Milagre Econômico”. Ela evidenciou que, apesar do notável crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), esse fenômeno resultou em uma pronunciada concentração de renda no país. Ressaltou que, embora houvesse avanços tecnológicos e industriais, esses progressos não conseguiram integrar os trabalhadores que permaneciam nos setores mais tradicionais da economia, resultando em uma ampliação significativa das disparidades salariais¹³.

De acordo com Tavares, esse quadro de concentração de renda proporcionou o excedente necessário para a expansão do mercado, com ênfase no setor de bens de luxo, mas a um elevado custo social: a exclusão de amplos segmentos da população. Enquanto a riqueza se concentrava nas mãos de uma pequena elite, a maioria dos trabalhadores enfrentava um severo arrocho salarial, precarizando o mercado de trabalho e aprofundando as desigualdades¹. Nesse contexto, analisou que essa concentração de renda, de maneira perversa, não apenas refletia, mas também impulsionava as dinâmicas econômicas do período, sem, contudo, se traduzir em prosperidade para a maioria da população. Como destacou, "ninguém come PIB, come alimentos"¹, enfatizando que o crescimento econômico, por si só, não assegura a melhoria da qualidade de vida.

Ao longo de sua trajetória acadêmica, Tavares destacou-se por sua defesa intransigente da ideia de que apenas a atuação estatal poderia efetivamente promover o desenvolvimento econômico, em contraste com as ideologias neoliberais¹. Em sua visão, o desenvolvimento econômico deveria estar indissociavelmente vinculado à formulação de políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de vida da população. Essas políticas, segundo ela, devem necessariamente promover uma distribuição equitativa da renda, elevar a qualidade dos empregos e assegurar a autonomia do Estado, protegendo-o das influências externas, particularmente das políticas econômicas das potências ocidentais. Para ela, qualquer desvio desse paradigma resultaria na perpetuação de um modelo de crescimento econômico profundamente desigual, semelhante ao observado durante o "Milagre Econômico”¹.

Tavares disse que o estudo da economia não deve ser encarado como uma ferramenta meramente técnica ou metódica, mas como um instrumento para promover o desenvolvimento nacional, visando a construção de um país mais justo e igualitário¹. Apesar dos inúmeros desafios estruturais enfrentados pelo Brasil, incluindo a desigualdade na distribuição de renda, a exclusão social e as recorrentes instabilidades políticas, ela sempre manteve uma perspectiva otimista em relação ao futuro do país, depositando sua confiança nas próximas gerações. Em uma entrevista concedida em 2019, declarou: "Eu não desisto deste país. Apesar de todas as desgraças de hoje, eu continuo achando que o Brasil é o país do futuro. O Brasil tem futuro!"¹.

Hemille Barbosa Uchôa

Matheus Ferreira Maia


Referências:


[1] PATI, Raphael. Maria da Conceição deixa um legado de luta por justiça social. Correio Braziliense, 2024. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/06/6873901-maria-da-conceicao-deixa-um-legado-de-luta-por-justica-social.html. Acesso em: 15 ago. 2024.

[2] Maria da Conceição Tavares: Eu não desisto deste país | Entrevista Margem Esquerda. Blog da Boitempo, 2024. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2024/04/26/maria-da-conceicao-tavares-eu-nao-desisto-deste-pais-entrevista-margem-esquerda/. Acesso em: 15 ago. 2024

[3] Idem. ibidem

[4] MELLO, Guilherme. Conceição Tavares e o papel do economista em um país subdesenvolvido. IREE, 2021. Disponível em: https://iree.org.br/conceicao-tavares-e-o-papel-do-economista-em-um-pais-subdesenvolvido/. Acesso em: 15 ago. 2024

[5] BIELSCHOWSKY, Ricardo. Maria da Conceição Tavares. Memória do IE-UFRJ. Revista Econômica Contemporânea, v. 14, n. 1, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rec/a/7YDDwwFtVhHHsdkT7MKSGXG/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 15 ago. 2024.

[6] Idem. ibidem.

[7] Idem. ibidem.

[8] Idem. Ibidem.

[9] O Plano de Metas foi uma política do governo Juscelino Kubitschek que visou a industrialização e o desenvolvimento do Brasil por meio de investimentos em energia, transportes, alimentação, educação e construção civil.

[10] Economista brasileiro de grande renome no pensamento sobre o desenvolvimento econômico e a economia latino-americana.

[11] DE MELLO, H.P. Maria da Tavares da Conceição. Vida, ideias, teorias e política. Rio de Janeiro, Expresso 2019.

[12] O "Milagre Econômico" foi um período de rápido crescimento econômico no Brasil entre 1968 e 1973, caracterizado por altas taxas de crescimento do PIB

[13] Idem. ibidem.

[14] Idem. ibidem.

[15] ‘Ninguém come PIB’: relembre frases da economista Maria da Conceição Tavares. ISTOÉ, 2024. Disponível em: https://istoedinheiro.com.br/morre-a-economista-maria-da-conceicao-tavares-aos-94-anos/. Acesso em: 15 ago. 2024

[16] Idem. Ibidem.

[17] SICSÚ, João; PORTARI, Douglas (cood). Desenvolvimento e igualdade: homenagem aos 80 anos de Maria da Conceição Tavares. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2010.

[18] TV SENADO. Agenda Econômica - Novos Rumos da Economia - Bloco 2. Youtube, 16 nov. 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nCAcr1YvWLU. Acesso em: 20 ago. 2024.

[19] Maria da Conceição Tavares morre aos 94 anos. Brasil de Fato, 2024. Disponível em:https://www.brasildefato.com.br/2024/06/08/maria-da-conceicao-tavares-morre-aos-94-anos. . Acesso em: 15 ago. 2024

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