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Jogos De (Sorte) Azar!


ESTEVES, Clayton. Charge: suspeitas de manipulação de resultados no futebol brasileiro. GE, 2016. Disponível em: https://globoesporte.globo.com/sp/sorocaba/futebol/noticia/2016/07/charge-futebol-brasileiro-conviv. Acesso em: 11 out. 2022


Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a pandemia da COVID-19 começou dia 11 de março de 2020[1], há mais de dois anos. No Brasil, esse cenário causou a retração de diversos setores da sociedade devido à necessidade do isolamento social, ou seja, do início da quarentena. No entanto, em alguns setores, ocorreu o contrário, houve na verdade um processo de ascensão, um forte exemplo foi o mercado de apostas esportivas. Nesse sentido, a pesquisa “O mercado de apostas esportivas – Um panorama sobre o alcance global da atividade e do potencial dos players brasileiros”, da empresa de pesquisa Industry Insights[2], revela que 59% dos participantes começaram a apostar na pandemia.


Por outro lado, não é correto inferir que essa prática surgiu durante a crise sanitária, uma vez que no Brasil, o mercado de apostas esportivas, no período entre 2018 e 2020, cresceu de R$ 2 bilhões para a incrível marca de R$ 7 bilhões. Além disso, salienta-se que já existia legislação vigente no Brasil em 2018. Essa foi desenvolvida diante de um limbo jurídico deixado pelos decretos da década de 1940, que traziam um caráter infracional para a exploração dos jogos de azar, mas que não integravam as apostas esportivas. Acerca disso, o Congresso Nacional sancionou a lei nº 13.756. A partir dessa legislação, que é temporária, instituíram-se as apostas ‘‘quota fixa’’, ou seja, aquelas em que os ganhos são definidos previamente. Dessa maneira, complementam o então vazio legislativo e incorporaram tanto as apostas físicas quanto as online.


Tendo em vista essa crescente atividade e a condição temporária da lei 13.756/18, a Câmara dos Deputados aprovou, em fevereiro de 2022, o projeto de lei (PL) nº 442/91. Mesmo que com uma forte oposição dentro do Legislativo e um possível veto da atual presidência, esse PL autoriza e regula jogos de azar em geral no Brasil. O debate da aprovação é muito acirrado e as bases argumentativas variam; mas, quanto às apostas esportivas, em especial, existe um argumento muito intrigante. Para alguns, “ainda que compartilhe algumas características com os demais jogos de azar, este tipo de aposta não constitui puramente um jogo de azar, uma vez que a combinação ganhadora não é resultado de um sorteio, e sim relaciona-se com o resultado final de um determinado evento esportivo” (OLMEDA, apud BAITELLO, 2022)[3].


Mesmo que as apostas esportivas não possuam caráter completamente randômico, o seu crescimento e popularização configuram, em certa medida, um sério risco para a integridade do esporte. Isso se dá porque as quantias astronômicas que circulam nesse meio atraem a atenção de estelionatários, que veem na manipulação de resultados uma forma de maximizar seus lucros no mundo das apostas. Em matéria para o site esportivo GE[4], o jornalista Rodrigo Lois apresenta dados acerca do número de jogos suspeitos de manipulação em 2022, que deve passar de mil em todo o planeta. Essa pesquisa se destaca quando observado que, dentre os 17 anos de sua realização, este seria o maior resultado, com o agravante de que, segundo a matéria, “o problema da manipulação ainda é visto como em ascensão”. Os péssimos índices acendem um sinal de alerta quando se trata de Brasil, visto que o esporte brasileiro possui traumas recentes com esquemas dessa espécie.


Por conseguinte, é difícil encontrar um fato que foi mais vexatório (e criminoso) para o esporte nacional que a chamada “Máfia do Apito”, um esquema de manipulação de resultados liderado pelo empresário Nagib Fayad, durante o Campeonato Brasileiro de 2005. A falcatrua era tão bem articulada que contava, entre os envolvidos, com a participação de Edílson Pereira de Carvalho, um dos poucos árbitros certificados pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) em território nacional na época. A dinâmica era simples: Nagib apostava sempre na vitória da equipe favorita, enquanto Edílson, dentro de campo, garantia que o resultado da partida fosse favorável ao apostador. O escândalo veio à tona em setembro de 2005 e, ao todo, 11 partidas da primeira divisão do Campeonato Brasileiro, daquele ano, tiveram de ser anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por suspeitas de manipulação.


Atualmente, os criminosos têm fugido dos grandes eventos, preferindo atuar majoritariamente nas divisões inferiores do futebol brasileiro, principalmente nos campeonatos estaduais. Isso se justifica por essas competições não possuírem apelo nacional e se encontram fora do radar da grande mídia, de forma que as manipulações possam ser feitas veladamente. Outra questão é a situação financeira dos atletas que atuam nesses campeonatos, os quais, diferentemente dos grandes astros, recebem salários modestos e, portanto, se encontram muito mais suscetíveis às sedutoras ofertas das quadrilhas. Somando isso ao crescimento vertiginoso do mercado de apostas online, nos últimos 4 anos, temos como resultado um 2022 marcado por suspeitas de manipulações de resultados em diversos campeonatos regionais pelo país.


Em fevereiro, por exemplo, a equipe do Crato Esporte Clube foi suspensa do Campeonato Cearense pelo Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Ceará (TJDF-CE). Isso porque a Sportradar, empresa contratada para investigar o ocorrido, apontou uma “gravíssima constatação de manipulação de resultado”[5] na goleada sofrida pelo referido time para o Atlético-CE por 9 a 2. O argumento decisivo apresentado pela Federação Cearense de Futebol (FCF) foi o vazamento de áudios internos do clube que revelavam combinação de números de gols e escanteios.


Em junho, tivemos a suspensão do clube Andradina e de mais 4 atletas pelo TJD-SP, após o time sofrer goleadas suspeitas de 7 a 1 e 8 a 0, em partidas válidas pela quarta divisão do Campeonato Paulista. Os relatórios de padrão de apostas para essas partidas indicam grau de máxima chance de manipulação[6]. No Rio Grande do Sul, em setembro, dois atletas vieram a público se pronunciar após a abertura de investigações relativas à goleada do Bagé por 7 a 0 sobre o Farroupilha, válida pela série B do Campeonato Gaúcho. Ambos relataram terem sido procurados por um homem que fazia apostas na internet, propondo que prejudicassem suas equipes nos jogos em troca de dinheiro[7].


Esses casos são apenas alguns dentre os que ocorreram em 2022 no cenário esportivo brasileiro, e seguiram um padrão claro: resultados bizarros, em divisões inferiores dos campeonatos estaduais, os quais possuem baixíssima visibilidade, pouca organização, com atletas e comissões técnicas em vulnerabilidade econômica. Nesse patamar, as propostas financeiras acabam sendo irrecusáveis, de forma que se torna muito lucrativo para os apostadores oferecerem alguns poucos milhares de reais para os jogadores a fim de, poucas horas depois, receberem quantias muito maiores com os resultados de suas apostas.

Então, a pergunta que fica é: será que as apostas esportivas realmente são tão diferentes dos outros jogos de azar?


Depois de tantos casos apresentados, nos resta abrir os olhos e perceber que a legislação não garante efetivamente a fiscalização, e que seria um delírio acreditar que as apostas esportivas não poderiam ser fraudadas como os demais jogos de azar. Não temos aqui espaço e respaldo para debater se a legislação é realmente o caminho correto, mas uma coisa é certa: para alguns, os jogos de azar são, na verdade, jogos de sorte!


Arthur Buffon Rodrigues Viana

Henrique Dos Anjos Moura

Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.



[1]HISTÓRICO da pandemia de COVID-19. Opas. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19/historico. Acesso em: 11 out. 2022.

[2]GLOBO. O mercado de apostas esportivas. Gente, 2021. Disponível em: https://gente.globo.com/o-mercado-de-apostas-esportivas/. Acesso em: 12 out. 2022.

[3]BAITELLO, Daniel Rebello. A legalização dos jogos de azar no Brasil como forma de fomentação do esporte. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 27, n. 6820, 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92525. Acesso em: 13 out. 2022.

[4]LOIS, Rodrigo. Jogos suspeitos de manipulação devem bater recorde em 2022. GE. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2022/08/08/jogos-suspeitos-de-manipulacao-devem. Acesso em: 11 out. 2022.

[5]FILHO, Juscelino. TJDF-CE suspende Crato do Cearense por suspeita de manipulação de resultados. GE. Disponível em: https://ge.globo.com/ce/futebol/campeonato-cearense/noticia/tjdf-ce-suspende-crato-do-cearense-por-suspeita. Acesso em: 10 out. 2022.

[6]LOURENÇO, Leonardo. Tribunal suspende Andradina e quatro atletas por suspeita de manipulação de resultados em SP. GE. Disponível em: https://ge.globo.com/sp/tem-esporte/futebol/noticia/2022/06/29/tribunal-suspende-andradina-e-quatro-atletas-por-suspeita-de-manipulacao-de-resultados-em-sp.ghtml. Acesso em: 10 out. 2022.

[7]GRIZOTTI, Giovani. Jogador revela tentativa de manipulação de resultados na terceira divisão do RS; veja. GE. Disponível em: https://ge.globo.com/rs/futebol/noticia/2022/09/06/jogador-revela-tentativa-de-manipulacao-de-resultados-na-terceira. Acesso em: 11 out. 2022.

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