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Here Comes The Sun: Capitalismo e Futuro Ambiental


Relógio projetado no Cristo Redentor chama atenção para a conscientização ambiental. R7, 2023. Disponível em: https://shre.ink/TOmd. Acesso em: 28 out. 2023.

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Here Comes The Sun (Lá vem o sol)

The Beatles


[...]

Little darling, it's been a long cold lonely winter (Queridinha, tem sido um inverno longo, frio e solitário)

[...]

Little darling, the smiles returning to the faces (Queridinha, os sorrisos estão voltando aos rostos)

[...]

Here comes the sun, here comes the sun (Lá vem o sol, lá vem o sol)

And I say it's all right (E eu digo está tudo bem)

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Dias estáveis, clima fresco com um céu limpo e poeticamente azul, a população global em 1969 estava envolvida por meio de uma música contagiante e que transmitia uma mensagem apaziguadora e vibrante: “Here Comes the Sun”. A banda The Beatles lança essa melodia que retrata as condições materiais imediatas de uma população em fins da década de 1960. Estima-se que, desde então, a temperatura média global está em crescimento, atingindo uma elevação de aproximadamente 1,5ºC[1] no ano de 2022. Talvez não se trate de mera coincidência o fato desse superaquecimento do planeta coincidir com o período em que o desenvolvimento das forças produtivas encontrava-se em ascensão e, a partir disso, transita para a era do neoliberalismo, a força hegemônica a comandar as relações humanas e sociais.


Nesse sentido, as pesquisadoras Tânia Franco e Graça Druk[2] comentam a respeito de como, a partir da Revolução Industrial, houve a alteração quanto a relação do trabalho no mundo e de como isso revolucionou os meios de produção, os quais agora seriam ligados pela divisão do trabalho e pela acumulação de capital. Essa mudança compactua, também, para a transformação social e econômica envolvendo o homem e sua relação com o meio ambiente e, consequentemente, na sua intimidade concreta com a sua individualidade e totalidade. Nesse momento, aparecem problemas como a liberdade individual versus o coletivo; o direito de construir uma petrolífera no meio do Amazonas versus a preservação ambiental (e humana) a longo prazo.


Em suma, é impossível falar em crise ambiental sem falar em capitalismo, afinal, a primeira se apresenta como uma das dimensões da crise do modo de produção vigente. Paul Burkett, economista norte-americano especialista em estudos sobre ecologia a partir da crítica da economia política de Marx, explica que a acumulação do capital requer condições materiais que permitam a exploração da força de trabalho, para que esta atue na transformação dos recursos naturais, cristalizando-os na forma de mercadorias vendáveis[3]. No entanto, a tendência do capitalismo de transformar tudo em mercadoria pressupõe a criação de novas necessidades de consumo, que exigem a intensificação do ritmo de produção a fim de garantir a reprodução cada vez mais ampliada do ciclo do capital, cujos efeitos negativos são externalizados. Como bem demonstrou Geneviève Azam, economista, professora e ativista ambiental, a lógica da destruição é intrínseca ao processo de acumulação de capital, que configura um processo de descivilização, em que o crescimento das forças produtivas transforma-se em força destrutiva.


Em consonância, o professor no Departamento de Desenvolvimento Internacional do King’s College London, Alfredo Saad Filho, e a professora Fernanda Feil, credenciada no Programa de Pós-Graduação em economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), apontam que os atuais desafios ambientais estão relacionados a determinadas fontes de estresse na economia global[4]. Uma delas é a contradição entre a busca incessante de lucros e os impactos sociais das atividades que geram esses lucros. A contradição é colocada como o âmago da atual crise do capitalismo, uma vez que, ao mesmo tempo em que o lucro é reproduzido, as condições materiais para essa reprodução são destruídas.


Ademais, os professores apontam ainda a incapacidade dos governos e das organizações internacionais em enfrentar as mudanças climáticas. Desde que a questão ambiental ganhou mais visibilidade, a partir da década de 70, quando os impactos do progresso técnico sobre o meio ambiente tornaram-se mais perceptíveis, vários países têm tentado entrar em acordo em relação a algumas medidas. Por exemplo, a traumática experiência do Protocolo de Kyoto, de 1997, que se propunha a tentar resolver o problema das emissões dos causadores do efeito estufa[5]. Um dos efeitos colaterais do protocolo foi a criação de um “mercado dos direitos de poluição”, em que as empresas que emitem mais CO2 podem comprar direitos de emissão de outras, que poluem menos. Como resultado, hoje, créditos de carbono são negociados nas bolsas de valores.


A exacerbação da crise ecológica aparece, então, como consequência da política capitalista, que prioriza as receitas exorbitantes das grandes corporações em detrimento da sociedade[6]. O ponto crucial é que estas se apoiam na premissa de que a abundância da produção e do consumo, bem como um crescimento econômico expressivo, levam, necessariamente, a uma melhora no bem-estar geral da população sob a qual ela rege. Mas não é bem isso que as transformações sofridas no planeta escancaram.


Em janeiro de 2019, por exemplo, ocorreu o crime de derramamento de lama na cidade de Brumadinho-MG, que chocou o mundo inteiro em meio ao tamanho sem precedentes da catástrofe. O ocorrido, que levou a mais de 260 mortes humanas[7], além da destruição da fauna e flora local, foi ocasionado pela negligência da companhia global Vale S.A, que, à época, lamentou profundamente o acidente e alegou estar “empenhando todos os esforços no socorro e apoio aos atingidos”[8]. Não podemos ignorar que danos como esse e outros ferem a integridade do ecossistema e corroboram para as mudanças climáticas, seja os buracos na camada de ozônio ou a poluição ambiental, que se encaminham ao aquecimento global. Há, então, uma moeda de faces questionáveis: uma empresa de mineração que afirma buscar a “sustentabilidade” e o “futuro coletivo” da sociedade, quando, na realidade, estabiliza-se certa contradição em suas ações nomeadas como “acidente”.


Situações como estas só reforçam ainda mais a necessidade de mudança coletiva e o desconforto social climático, em que maiores índices de produção humana prejudicam o meio ambiente e impactam diretamente nas altas temperaturas globais. Ao retroceder e pensar na elevação de 1,5ºC, mencionado anteriormente, a CNN Brasil notificou que, no dia 17 de novembro de 2023, a temperatura média global atingiu patamares recordes[10]. Esta foi registrada em 2ºC acima dos níveis antes do processo industrial, alcançando níveis extremos na sensação térmica e reforçando o superaquecimento global. Além disso, fora publicado um relatório geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em que António Guterres, secretário geral da organização, afirma que as mudanças climáticas já são notórias e aterrorizantes, e que tudo isso seria apenas o começo do superaquecimento, frisando, então, que “a era da ebulição global chegou”[11].


Temos pouco tempo, se é que nos resta algum, para reverter todo o caos ambiental instalado. Se você compartilha do pensamento de que o capitalismo é caracterizado por movimentos cíclicos e é capaz de superar todas as suas crises, talvez seja a hora de começar a repensar a capacidade que este tem de sobreviver ao esgotamento dos recursos naturais. E sobre aquele famoso questionamento, em que nos é indagado sobre qual o mundo que queremos deixar para as gerações futuras… talvez devêssemos nos perguntar se realmente haverá algo a ser deixado.


Here comes the sun… and it’s not alright.


Matheus Leopoldo

Pâmela Christye

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Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.




REFÊRENCIAS:


[1] PADDISON, A. D. Laura. Crise climática: mundo quebra limite de aquecimento de 2º C. Disponível em:https://shre.ink/TN8T. Acesso em: 24 nov. 2023.

[2] ‌FRANCO, T.; DRUCK, G. Padrões de industrialização, riscos e meio ambiente Patterns of industrialization risks and environment. Ciência & Saúde Coletiva. v.3, n.2, 1998. Disponível em: http://surl.li/nnawu. Acesso em: 24 nov. 2023.

[3] SILVA, Maria Beatriz Oliveira. Crise ecológica e crise (s) do capitalismo: o suporte da teoria marxista para a explicação da crise ambiental. Direito & Realidade, v. 1, n. 2, 2011. Disponível em: https://shre.ink/TOJs. Acesso em: 02 nov. 2023.

[4] Crises climáticas em uma ordem neoliberal. CartaCapital, 2022. Disponível em: https://shre.ink/TOC9. Acesso em: 03 nov. 2023.

[5] LÖWY, Michael. Crise ecológica, crise capitalista, crise de civilização: a alternativa ecossocialista. Caderno Crh, v. 26, p. 79-86, 2013. Disponível em: https://shre.ink/TOCW. Acesso em: 02 nov. 2023.

[6] Crise ecológica e superação do capitalismo. Le Monde Diplomatique, 2021. Disponível em: https://shre.ink/TO9C. Acesso em: 03 nov. 2023.

[7] PASSARINHO, N. Tragédia com barragem da Vale em Brumadinho pode ser a pior no mundo em 3 décadas.a BBC News Brasil em Londres, 2019. Disponível em: http://surl.li/nncaw. Acesso em: 24 nov. 2023.

[8] Sobre o rompimento na barragem de Brumadinho. Vale, 2019. Disponível em: http://surl.li/nnccs. Acesso em: 24 nov. 2023.

[9] A redução da fauna e flora causa impactos tão graves quanto a poluição. Correio Braziliense, 2012. Disponível em: http://surl.li/nncjt. Acesso em: 24 nov. 2023.

[10] PADDISON, A. D., Laura. Crise climática: mundo quebra limite de aquecimento de 2º C. CNN Brasil, 2023. Disponível em: https://shre.ink/TN8T. Acesso em: 24 nov. 2023.

[11] Aquecimento global: o que é a era da ebulição? National Geographic, 2023. Disponível em: https://shre.ink/TNOO. Acesso em: 28 nov. 2023.


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