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Haiti: crises, intervenções e subimperialismo


Conselho de segurança da ONU aprova redução da missão de paz no Haiti. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/conselho-de-seguranca-da-onu- aprova-reducao-da-missao-de-paz-no-haiti-2786988. Acesso em: 16 nov. 2023.


O Haiti, país mais pobre das Américas, possui um extenso histórico de crises e convulsões sociais, que persistem até hoje e, em parte, se explicam pela sua longa formação socioeconômica e histórica. Dessa forma, com o intuito de entender essa nação, é necessário analisar a história do Haiti, as missões multinacionais ali conduzidas e o atual debate acerca de uma nova intervenção, destacando o papel do Brasil como interventor subimperialista na ilha caribenha.


Nesse sentido, torna-se relevante abordar a formação histórica do Haiti, que ocorreu enquanto o primeiro alvo do colonialismo nas Américas. A colônia francesa, conquistada em 1492, voltou-se para a produção de cana-de-açúcar pelas mãos de mais de 500 mil escravizados, tornando-se a mais próspera da região. [1] Mais tarde, no século XVIII, influenciados pela Revolução Francesa, líderes como Boukman Dutty e Cécile Fatiman incentivaram os escravizados a resistirem por meio do incêndio de plantações e da retaliação aos brancos colonizadores, o que desencadeou uma onda de conflitos violentos. A partir disso, deu-se início a um processo de doze anos que tornou o Haiti, em 1804, o primeiro país ocidental a abolir o trabalho escravo, o primeiro país independente do Caribe e a primeira república negra do mundo. [2]


Esses expressivos feitos, no entanto, vieram acompanhados de um alto custo político, diplomático e financeiro. Nenhum país conferia reconhecimento à nação independente do Haiti e, para o obter, a ilha necessitou realizar um acordo com a França, que consistia em um pagamento de 150 milhões de francos a título de indenização para aqueles proprietários que perderam suas terras ou seus escravizados. [3]


Esse valor, dez vezes superior à receita do país na época, levou o governo haitiano a recorrer a um empréstimo inicial de 30 milhões de francos com um banco francês, dívida que se somou a juros e comissões. Isso gerou uma espiral negativa, fazendo com que os haitianos recorressem a outros bancos, que cobraram altas taxas de juros. Segundo o jornal estadunidense New York Times, essa dívida, que financiou a construção da Torre Eiffel, retirou entre US$21 bilhões e US$115 bilhões do desenvolvimento econômico do Haiti. [4]


Assim, como desdobramento de sua trajetória histórica, o país enfrenta atualmente uma situação financeira precária, caracterizada pelo domínio de gangues, desemprego e miséria. Diante de tal cenário, surge a pergunta: qual seria a solução para os desafios enfrentados pelo Haiti?


Para o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), a solução passa pela intervenção. Em 2 de outubro deste ano, o CSNU, sob presidência e aprovação brasileira, autorizou uma nova operação na ilha, a Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti (MSS), com auxílio brasileiro, mas liderada pelo Quênia. O seu propósito é oferecer suporte à Polícia Nacional do Haiti (PNdH) na busca pela paz e segurança. [5]


Contudo, ao adotarmos a perspectiva do economista haitiano Camille Chalmers, em contraste com a visão da organização global, torna-se claro que a proposta carece de consenso. Isso porque Chalmers discorda da ideia de que as intervenções no Haiti tenham impactos positivos para a nação, destacando seu compromisso em amplificar a voz do povo haitiano, contrário a tais ações. Segundo ele, o Haiti é vítima de um "caos orquestrado por organizações imperialistas", que priorizam seus interesses comerciais e prejudicam a autodeterminação e o desenvolvimento da nação. Nesse contexto, Chalmers destaca a participação passada do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) como fator influente na lamentável situação atual do país centro-americano. [6] Em vista disso, cabe examinar essa operação, explorando o papel desempenhado pelo Brasil nesse contexto e as razões para evitar sua repetição com a MSS, na qual o país auxiliará a PNdH.


Torna-se, portanto, necessário mencionar os antecedentes que resultaram na criação da Minustah. Após 30 anos de ditadura, o Haiti realizou sua primeira eleição democrática em 1990, elegendo Jean-Bertrand Aristide, o qual possuía grande apoio popular. Reeleito em 2000, Aristide enfrentou acusações de fraude, marcando um período com críticas e violência. A instabilidade atingiu seu auge em 2004, quando Aristide, sob pressão interna e externa, renunciou à presidência. Quanto a isso, persistem suspeitas de um golpe promovido por EUA, França e Canadá, relacionado a interesses econômicos e sociais. Isso inclui a recusa francesa em reembolsar o enorme pagamento (que em 2004 equivalia a US$21 bilhões) feito pelo Haiti por sua independência e a oposição americana às políticas salariais de Aristide, nocivas aos interesses das multinacionais yankees na ilha. [7]


Nesse contexto, o exílio do primeiro-ministro em 2004 desencadeou uma crise institucional no Haiti, levando a uma reunião extraordinária do Conselho de Segurança da ONU, que aprovou a criação da Minustah. A missão, voltada para a promoção da paz, aplicação da lei e fortalecimento das instituições democráticas, contou com a participação do Brasil, convidado a integrar a iniciativa. [8] Dentro do âmbito do governo brasileiro, o presidente Lula e o ex-ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, ressaltaram não apenas a importância da liderança de nações em desenvolvimento, como o Brasil e o Chile, para uma abordagem íntegra dessa missão, mas também destacaram o caráter nacional intrinsecamente solidário e generoso. [9]


O discurso, entretanto, não correspondeu às ações efetivas do exército brasileiro durante os 13 anos na nação caribenha. Apesar das conquistas dessa missão, a sua liderança por países subdesenvolvidos não assegurou qualquer integridade nem pode ser vista como um ato generoso. Sendo assim, a intervenção pode ser mais adequadamente compreendida através da teoria do subimperialismo.


Na teoria marxista da dependência, em especial na obra de Ruy Mauro Marini, o subimperialismo descreve a dinâmica em que economias dependentes, ao atingirem a fase dos monopólios e do capital financeiro, se integram ao imperialismo, resultando em hierarquias entre os países da região. Nesse processo, o subimperialismo vale-se de uma política externa expansionista relativamente autônoma, com cooperação antagônica com os centros imperialistas. Essa cooperação envolve uma colaboração ativa com os EUA na estabilização da América Latina, através da influência verde- amarela sobre países vizinhos, e choques pontuais com a agenda americana, objetivando espaços para o Brasil. Em síntese, cria-se um cenário propício para ambas as partes.


Dessa maneira, pela parte do Brasil, destacam-se os interesses políticos, econômicos, militares e ideológicos, que orientaram a sua política externa em busca de maior visibilidade internacional. Politicamente, o país almejava um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU a fim de reforçar seu papel destacado na região. Militarmente, promoveu a indústria bélica e aumentou os recursos para as Forças Armadas, com ações como o Plano Nacional de Estratégia de Defesa. Economicamente, empresas brasileiras, especialmente empreiteiras e construtoras, possuiram forte presença no mercado local, com foco na reconstrução do país. Além disso, houve uma dimensão ideológica, buscando produzir ideologia, valores e consenso, exemplificado pelo "Jogo da Paz", em que a seleção brasileira de futebol proporcionou uma breve pausa no conflito.


Dessa intervenção, decorreram consequências notáveis, como se denota por uma carta de rechaço: "Em vez de defender os direitos humanos, os soldados da Minustah se converteram em violadores: estupros, repressão de manifestações, abuso de autoridade, interferência no processo eleitoral, dentre outros atos inaceitáveis amplamente documentados". [10]


À vista disso, torna-se crucial destacar que o subimperialismo brasileiro, presente em diversos países vizinhos, como um fator que contribui para a atual situação do Haiti e para a contínua dependência de nossos irmãos, deve ser contraposto pela busca pela integração latinoamericana, que, conforme pensava Marini, representa a única possibilidade de uma verdadeira emancipação para a região.



Diogo Schiavinatto

Gabriel Matheus Ferreira Santos

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REFERÊNCIAS:


[1] Haiti: uma história conturbada. Disponível em: https://bit.ly/3unEQnl. Acesso em 13 nov. 2023.

[2] História da crise sócio-política atual do Haiti: como tudo chegou ao ponto atual? Disponível em: https://bit.ly/47m638x. Acesso em 14 nov. 2023.

[3] Haiti: a multa astronômica que um dos países mais pobres do mundo teve de pagar por sua independência. Disponível em: http://bit.ly/40KXuBD. Acesso em 11 nov. 2023.

[4] New York Times revela ‘resgate’ astronômico pago pelo Haiti à França por sua independência. Disponível em: http://glo.bo/47mlvkY. Acesso em 16 nov. 2023. [5] Envio de Missão Multinacional ao Haiti. Disponível em: http://bit.ly/46owPvQ. Acesso em 17 nov. 2023.

[6] Haiti é vítima de caos orquestrado que o impede de definir seu próprio rumo, diz dirigente político. Disponível em: https://bit.ly/47FvUrJ. Acesso em 11 nov. 2023.

[7] A Minustah e a política externa brasileira: motivações e consequências. Disponível em: https://bit.ly/47FvUrJ. Acesso em 17 nov. 2023.

[8] Aspectos multidimensionais das missões de paz da ONU e a Minustah. Disponível em: https://bit.ly/47n8Ez3. Acesso em 17 nov. 2023.

[9] MINUSTAH e diplomacia solidária: criação de um novo paradigma nas operações de paz? Disponível em: https://bit.ly/40Q70U4. Acesso em 17 nov. 2023.

[10] Há dois anos terminava a missão do exército brasileiro no Haiti: “sucesso para quem?”. Disponível em: https://bit.ly/49OEy9c. Acesso em 23 nov. 2023.

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