REUTERS. Disponível em: <https://www.elmundo.es/internacional/2021/03/19/6054a26afdddff79558b4665.html>. Acesso em: 26 nov. 2021.
Esperança: junção da palavra espera com o sufixo -ança; o que seria o “estado” ou uma “ação”; esperança então seria a ação de esperar[1]. Bom, mas esperar o quê? Geralmente se atribui à palavra uma conotação positiva em relação ao futuro, contudo, quando espera-se que o futuro seja bom talvez o presente não esteja tão agradável assim. O conhecido Criança Esperança, por exemplo, projeto da Rede Globo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), arrecada recursos e distribui para projetos sociais voltados a atender crianças carentes, e se é “criança esperança” é porque a criança não está bem agora.
A mais de 10 meses para as eleições presidenciais, o debate público se pauta principalmente, agora em 2021, sobre o futuro e a possibilidade de um país melhor em 2023, ano em que esperamos tempos mais tranquilos. Todavia, essa esperança se materializa no presente através da morte e fome. O Conselho Nacional de Secretários da Saúde (CONASS) contabiliza, a partir de dados históricos, o excesso de mortes por causas naturais. Para isto, faz-se uma relação entre o número de mortes que ocorreram em determinada semana, com o que se espera que ocorra. Desde 2020 o excesso de mortes no país, até o mês de novembro de 2021 foi de 758 mil (275 mil/2020, 483 mil/nov-2021)[2]. Grande parte deste genocídio é oriundo da conduta do governo brasileiro em relação pandemia de Covid-19, o que lhe rendeu denúncia do legislativo brasileiro ao Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitando a investigação do presidente da república na figura de Jair Bolsonaro e, de outros membros do governo por crimes contra a humanidade[3]. “No estado do Amazonas teve implantação clara da imunidade de rebanho. Chegou a ter mais de 200 mortes em apenas um dia. A população clama por oxigênio, em vez de mandarem oxigênio, mandaram 120 mil comprimidos de cloroquina”, disse ao Congresso em Foco a senadora Eliziane Gama. Além de atuar para o extermínio da população de forma direta incentivando o contágio por Covid-19, o governo brasileiro atua também sob a forma indireta, matando aos poucos a população de fome. Em 2018 10,3 milhões de brasileiros estavam em situação de fome, em 2020 este número era de 19 milhões, elevação de 84% no Brasil, enquanto no mundo no mesmo período a fome aumentou 18%. Esses dados segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e a ONU[4].
O estado de apatia que abala a população, que na maior parte está preocupada em sobreviver, em conjunto da invisibilidade de ações de lideranças político-partidárias, mitiga qualquer possibilidade de impeachment para parar essa tragédia humanitária agora. Apenas nos resta ter “esperança”, enquanto assistimos as instituições e a democracia brasileira ruírem. Mas enquanto esperamos a morte do país - e tentamos individualmente sobreviver-, juntamo-nos ao debate público sobre as eleições de 2022.
De acordo com a pesquisa Genial/Quaest divulgada no dia 10 de novembro de 2021, o principal oponente governista, é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que atualmente possui 48% das intenções de voto para as eleições presidenciais de 2022[5]. Porém, o petista ainda enfrenta uma severa oposição de parcela da mídia brasileira e de parte do eleitorado que associa a crise econômica iniciada em 2015 ao partido, além dos escândalos de corrupção e/ou por não acreditar no projeto político proposto. Contudo, alguns supõem uma falsa simetria entre os candidatos, colocando essa eleição como uma “batalha de extremos”, ou seja, admitindo que Lula e Bolsonaro são polos equivalentes, e que apresentam a mesma “ameaça”. Tal pensamento equipara um governo que não atacou o estado de direito e a democracia, com um governo de ideais totalitários, anticientíficos e que deixa um legado de milhares de mortos, fome e elevação da pobreza. Até mesmo o ex-presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia reconheceu em suas redes sociais que essa comparação não faz sentido. “Você não precisa gostar do Lula para entender a diferença dele para o Bolsonaro. Um tem visão de país; o outro só enxerga o próprio umbigo. Um defende a vacina, a ciência e o SUS; o outro defende a cloroquina e um tal de spray israelense”, tuitou Maia.[6]
Porém, mesmo sendo uma alternativa muito mais razoável ao atual governo, a candidatura de Lula não apresenta novidades, até alguns membros do partido admitem que chegou a hora do PT se atualizar, uma vez que vem perdendo o público progressista para os novos rostos da esquerda. Exemplificando, nas últimas eleições municipais de 2020, o partido dos trabalhadores não elegeu nenhum prefeito nas capitais brasileiras. Além disso, o senador Jaques Wagner (PT-BA) também defendeu o fim dessa hegemonia: “A gente não pode ficar refém. Eu sou amigo, irmão do Lula, mas vou ficar refém dele a vida inteira? Não faz sentido”.[7]
Dessa forma, continuar acreditando no mesmo sonho, iniciado com o primeiro governo Lula em 2003, seria como uma Retrotopia, conceito apresentado na obra póstuma do autor Zygmunt Bauman, que explica que os tempos de desilusão que vivemos causam uma falta tanto do pensamento utópico quanto de confiança no futuro, e um desejo de regresso a um passado mitificado, um sonho de passado que nunca existiu realmente. No caso do Brasil, atualmente a maior parte do eleitorado vem clamando pelo “Brasil feliz de novo”, a volta a um passado onde o país pode experimentar avanços econômicos e acesso a condições básicas para manutenção da vida, ou até coisas que parecem simples, mas são bem simbólicas, como poder viajar de avião. Dessa forma, o retorno ao passado parece, para alguns, ser mais seguro do que encontrar um novo candidato que seja capaz de fazer isso pelo Brasil sem deixar de lado mudanças que precisam ser feitas, como o aumento do protagonismo do povo negro e de periferia, atenção à pauta das mudanças climáticas e a efetiva redistribuição de renda.
Novos rostos têm surgido na mídia, aglutinados no que a imprensa denomina de terceira via. Como candidatos dissidentes do atual governo podemos apontar os ex-ministros da justiça e da saúde, Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta, respectivamente. Sendo estes parte constituinte da base eleitoral e do governo Bolsonaro desde 2019, pode-se supor que ambos têm plataformas eleitorais próximas às governistas e são declaradamente conservadores. Mandetta ficou conhecido por ser um ferrenho crítico do programa Mais Médicos[8] na posição de Deputado Federal. Já Moro é ex-juiz federal, atuando em partes dos julgamentos da maior operação contra corrupção no Brasil, a “Lava Jato”. Um dos principais projetos de Moro à frente do Ministério da Justiça foi o pacote anticrime, que na prática dava licença para matar a policiais, segundo o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro em matéria vinculada ao Globo.[9]
Os governadores PSDBistas de São Paulo João Dória e Eduardo Leite[10], atual governador do Rio Grande do Sul, são nomes também muito citados. As campanhas eleitorais do PSDB têm investido muito no conceito de terceira via, e na ideia de que seu candidato será eleito com a promessa de unir o país, mesmo que nem o próprio partido consiga se unir para escolher o nome que irá representá-los em 2022. O primeiro tem ao seu lado o sucesso na fabricação da CoronaVac e, o segundo, um grande apoio do mercado, de acordo com a consulta que a corretora de investimentos XP fez com executivos de bancos, gestores de fundos e operadores do mercado financeiro[11]. Mas, mesmo assim, falta apelo popular, afinal, nas pesquisas eles aparecem com 2% e 1% das intenções de voto, respectivamente.[12]
Outros nomes de destaque são do ex-ministro da Fazenda e ex-governador do Ceará Ciro Gomes, e da ex-ministra do meio ambiente e ambientalista Marina Silva. Ambos são políticos de centro-esquerda. Ciro é reconhecido por seu “Projeto Nacional”, e tem no trabalhismo sua principal pauta política. Desde a redemocratização, efetivamente a terceira via[13] possui chances reais de vitória em apenas uma oportunidade, em 2014, quando a candidata Marina Silva chegou a deter 31% das intenções de voto, mas logo foi perdendo apoio. Principalmente pela campanha de difamação executada pela candidata governista Dilma Rousseff e pelo principal candidato da oposição Aécio Neves do PSDB, fazendo uma prévia do que seriam as eleições de 2018[14].
Em meio a ameaças à democracia, fome e mortes em escala, o povo brasileiro continua se contentando com seu presente e esperando por um futuro melhor. Mesmo com mais de 141 pedidos de impeachment contra Bolsonaro enviados ao presidente da Câmara dos Deputados, sendo 87 originais, 7 aditamentos e 47 pedidos duplicados, o principal foco dos políticos da oposição, incluindo a terceira via, parece ser na promoção de seus projetos de governo uma vez que não é vista uma mobilização nesses processos. O Bolsa Família morreu em 2021, funebremente enterrado com o apoio da oposição à PEC dos Precatórios, que institucionaliza o Renda Brasil e, que possui data para acabar em 2022, após as eleições[15]. Além disso, mesmo que a situação do país já se encontre em calamidade, a grande mídia segue dando foco na procura pelo candidato perfeito para suas aspirações, desconsiderando iniciar uma mobilização popular para impedir que um presidente que atua contra a democracia possa se reeleger. Ao fim, as questões que permanecem são: por que voltamos os olhares para um futuro incerto? Por que as consequências para o governo chegarão somente em 2022? Não poderíamos dar um basta imediatamente? As forças armadas respeitarão a vitória de um candidato da oposição? E principalmente, por que arriscaremos a reeleição de Bolsonaro?
Apesar de não podermos, a priori, responder a todas estas perguntas, é possível inferir que por mais que para alguns essa eleição já pareça ganha, o atual governo ainda tem chances de vencer, e esse acontecimento pode colocar em xeque a nossa já instáveldemocracia. Por isso, se faz necessário que exerçamos com seriedade nosso papel de cidadão, de forma a estudarmos os candidatos a fundo, estarmos atentos a fake news e discursos da mídia, e mobilizarmos politicamente a juventude que não possui obrigatoriedade de voto. Já que de acordo com a matéria da revista Piauí “Como tirar um autocrata do poder”[16], poucos são os autocratas que conseguem executar golpes logo no primeiro mandato, normalmente os danos à democracia se constroem com anos no poder. Portanto, se não houver uma ação rápida e conjunta da oposição, e continuarmos na esperança de um novo herói nacional, salvador da pátria ou do Príncipe descrito por Maquiavel, estaremos sob risco de termos, em 2022, nossa última eleição democrática.
Elóra Travezani
Plínio Natalino
Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.
[1] LACOTIZ, Andréa. Análise dos sufixos -ança/-ença, -ância/-ência na obra simbolista João da Cruz e Souza. Estudos Linguísticos, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 320-329. 2006. Disponível em: http://www.usp.br/gmhp/publ/LacA1.pdf . Acesso em: 23 nov. 2021. [2] CONASS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil. 2021. Disponível em: https://www.conass.org.br/indicadores-de-obitos-por-causas-naturais/ . Acesso em: 24 nov. 2021.
[3] Mariana Schreiber. BBC. CPI da Covid aprova relatório que pede indiciamento de Bolsonaro e outros 79: o que acontece agora. o que acontece agora. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59057279 . Acesso em: 24 nov. 2021.
[4] REDE-PENSSAN. Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), Instituto Ibirapitanga, ActionAid Brasil, Oxfam Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil. 2021. (ISBN: 978 65 87504 19 3).
[5] Marina Motomura. CNN. Lula tem 48% das intenções de voto, e Bolsonaro 21%, diz pesquisa Genial/Quaest. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-tem-48-das-intencoes-de-voto-e-bolsonaro-21-diz-pesquisa-genial-quaest/. Acesso em: 24 nov. 2021.
[6] Natasha Werneck. Estado de Minas. Rodrigo Maia afirma que Lula é melhor que Bolsonaro :: 'tem visão de país'. 'Tem visão de país'. 2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/03/10/interna_politica,1245192/rodrigo-maia-afirma-que-lula-e-melhor-que-bolsonaro-tem-visao-de-pais.shtml . Acesso em: 24 nov. 2021.
[7] STRECKER, Marcos. O beijo dos afogados. 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/o-beijo-dos-afogados/. Acesso em: 24 nov. 2021.
[8] Projeto governamental de parceria com médicos cubanos para atendimentos em unidades públicas de saúde no Brasil que vigorou entre 2013 e 2019.
[9] Dimitrius Dantas. Comissão Arns diz que pacote anticrime de Moro pode ser 'licença para matar'. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/comissao-arns-diz-que-pacote-anticrime-de-moro-pode-ser-licenca-para-matar-23585582 . Acesso em: 24 nov. 2021.
[10] Antes da publicação desta resenha, o governador de São Paulo ganhou as prévias do partido.
[11] 7 notícias: Eduardo Leite é o preferido do mercado financeiro como terceira via em 2022. Eduardo Leite é o preferido do mercado financeiro como terceira via em 2022. 2021. Disponível em: https://grupoahora.net.br/conteudos/2021/09/22/7-noticias-eduardo-leite-e-o-preferido-do-mercado-financeiro-como-terceira-via-em-2022/. Acesso em: 26 nov. 2021.
[12] MOTOMURA,Marina. CNN. Lula tem 48% das intenções de voto, e Bolsonaro 21%, diz pesquisa Genial/Quaest. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-tem-48-das-intencoes-de-voto-e-bolsonaro-21-diz-pesquisa-genial-quaest/. Acesso em: 24 nov. 2021.
[13] Entende-se para fins nesta resenha a primeira via como a governista e a segunda como a principal oposição.
[14] Ruth Costas. BBC. Cinco razões que explicam queda de Marina Silva. 2014. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/10/141003_marina_queda_ru . Acesso em: 07 dez. 2021.
[15] Luana Tolentino. O fim do Bolsa Família e a destruição do Brasil que um dia sonhou em ser grande. 2021. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/o-fim-do-bolsa-familia-e-a-destruicao-do-brasil-que-um-dia-sonhou-em-ser-grande/ . Acesso em: 07 dez. 2021.
[16] STUENKEL, Oliver. COMO TIRAR UM AUTOCRATA DO PODER. 2021. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/como-tirar-um-autocrata-do-poder/. Acesso em: 07 dez. 2021.
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