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Decisões sob pobreza


Money power. Disponível em: <https://cartoonmovement.com/cartoon/money-power-0 >. Acesso em: 03 jun. 2022


A perspectiva de eliminar a pobreza é amplamente discutida em nível mundial. No debate econômico, em especial, ela se apresenta a delimitar a função social e primária das Ciências Econômicas: como melhorar a apropriação da riqueza pelos indivíduos, tanto em termos quantitativos quanto distributivos. Em 2019, Esther Duflo, juntamente com Abhijit Banerjee e Michael Kremer receberam o Nobel de Economia “por sua abordagem experimental para aliviar a pobreza global”[1]. Nesses estudos, bem como em outros, como o desenvolvido por Amartya Sen [2], se expandiu a concepção de pobreza para além de uma questão sobre renda, abordando acesso à saúde, educação e outras questões como saneamento. Essa compreensão mais abrangente da problemática da pobreza permitiu que mais estudos surgissem, e um estudo recente especialmente interessante demonstra como a pobreza afeta a capacidade de tomar decisões.

Os principais problemas e adversidades que as pessoas pobres encontram mais comumente são, indiscutivelmente, diferentes de pessoas com rendas maiores. As decisões financeiras, para pessoas mais pobres, têm um maior impacto em sua vida. A maior disponibilidade de renda permite que os danos desencadeados por decisões financeiras equivocadas sejam menores e possível até errar novamente. O endividamento é outro fator que dificulta a tomada de decisões e a realização de um planejamento financeiro, devido a uma série de questões, mas principalmente, por produzir grande sofrimento, sobretudo quando se possui restrição orçamentária, tendo em vista a necessidade de sacrificar o consumo de bens essenciais, como não conseguir pagar a conta de energia ou do supermercado do mês, por exemplo.

Em abril desse ano, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) publicou mais uma edição da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) que apontou o maior nível de endividamento familiar no Brasil desde o início da série histórica, em janeiro de 2010. A pesquisa indicou que, no mês de abril de 2022, 77,7% das famílias brasileiras estavam endividadas e, deste total, 10,9% admitiram que não devem conseguir quitar essas dívidas, também a maior taxa desde 2010. Segundo a CNC, o principal tipo dessas dívidas decorre do uso de cartões de crédito, com quase 90% das famílias com pagamentos pendentes [3]. Ademais, segundo o Serasa, 70% dos endividados com o cartão de crédito usaram essa forma de pagamento para comprar comida no supermercado. Ou seja, a maioria ficou com o nome “sujo” para garantir algo básico do dia a dia [4]. Isso evidencia o enorme problema de renda no País.

O Banco Mundial delimita a condição de pobreza extrema como viver com uma renda monetária menor do que US$1,90 diários. Convertendo esse valor, isso significa que, segundo o Banco Mundial, a pessoa se configura pobre ao extremo se ganhar menos que R$272 por mês. Em 2021, o Brasil possuía 27 milhões de pessoas com renda mensal inferior a R$290. Isto é, 27 milhões de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza. Entretanto, como dito anteriormente, a pobreza não se reduz a uma quantidade monetária, ela abrange outros aspectos da vida. Mesmo com um amplo programa de redistribuição de renda que permitisse superar esse patamar monetário, as pessoas ainda assim podem ser consideradas pobres, pela abordagem contemporânea do problema denominado pobreza multidimensional. Assim, superar um parâmetro de análise não pode ser visto como a solução para a pobreza no mundo, afinal, não é apenas receber R$1,00 a menos ou a mais que deixa alguém mais ou menos pobre.

Várias questões são relevantes para entender o impacto da pobreza. A título de exemplo, a mortalidade infantil e a nutrição das crianças, que compõem o Índice de Pobreza Multidimensional (MPI, sigla em inglês). Crianças com restrição nutricional possuem maior dificuldade no desenvolvimento cognitivo e corporal trazendo sérios prejuízos para sua vida adulta. Anos de escolaridade e frequência escolar também impactam e são determinantes para a capacidade de geração de renda. Com isso, mesmo com um maior investimento público em educação, a simples construção de escolas e contratação de professores não significa que isso resultará num aumento no nível de educação infantil e de renda futuramente, visto que existe um problema enraizado que é a subnutrição infantil. Outros indicadores que compõem o MPI são relacionados ao padrão de vida, sendo eles água potável, eletricidade, habitação etc.

Um exercício mental facilitador é pensar em duas famílias, ambas recebendo R$400 per capita, uma mora em um bairro com acesso a uma boa escola, posto de saúde e reside em uma casa no centro da cidade, a outra reside em um bairro periférico distante do centro e sem acesso à saneamento básico. Será que ambas estariam na mesma condição? É evidente que as decisões tomadas por essas duas famílias são feitas levando em conta fatores diferentes. "O cientista comportamental Eldar Shafir e o economista Sendhil Mullainathan utilizam a ideia de "banda larga mental"[5] para compreender este exercício de tomada de decisão.

Segundo Shafir[6], “A banda larga mental é muito limitada. Muitas vezes você precisa focar na urgência do agora e faz isso com competência: resolve o problema. Mas se esse movimento ocorrer o tempo inteiro, nunca será suficiente. Vai negligenciar outras áreas da sua vida”. Essa situação de negligência se aplica no caso dos gastos financeiros. Quando uma pessoa está sobrecarregada dessas decisões financeiras - por exemplo, como lidar com seu endividamento - ela pode acabar tomando decisões erradas, mas isso não significa que ela é incapaz de tomar decisões - ou, vulgarmente, burra -, e sim que sua banda larga mental atingiu seu limite. Shafir acrescentou que “Se eu cometo um erro, se faço um mau investimento, se esqueço de pagar uma taxa, é só uma irritação. Mas a vida segue. Se você é pobre e comete esses mesmos erros, o preço na vida será muito mais alto. Há menos espaço para erros, assim a vida fica mais complicada, mais difícil”. A compreensão dessa problemática é importante na medida em que conseguimos entender um dos motivos da perpetuação da pobreza, além de refutar argumentos comumente baseados numa lógica meritocrática de que as pessoas pobres não sabem tomar decisões inteligentes ou não são disciplinadas o suficiente para organizar suas finanças, lógica que, infelizmente, ecoa muito na sociedade. O ministro da economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que “os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”[7]. A superação dessa racionalidade é importante para que possamos superar, ainda, a pobreza.

A abordagem moderna para enfrentar esse problema é central, pois influencia em políticas que expandem o acesso da população para questões além das monetárias, mas igualmente importantes. Uma forma de identificar a pobreza pode ser através da capacidade de consumo marginal. Toda nova unidade de renda adicionada acaba se transformando em mais consumo quando se possui uma baixa renda. Essa necessidade de gastar tudo que se recebe acaba por gerar um “viés do presente”, as pessoas têm fome hoje e não amanhã, o que explica em parte o alto endividamento no cartão de crédito com alimentação. Sem essa possibilidade de poupança, as decisões são baseadas no imediatismo.

Por serem forçadas a tomar decisões complexas que impactam diretamente sua qualidade de vida de forma muito rápida, muitas vezes as pessoas mais pobres - levando em conta a questão da pobreza multidimensional - acabam por tomar decisões que as endividam ainda mais, especialmente por serem necessidades imediatas: fazer a compra do mês, comprar um novo botijão de gás, o material escolar do filho ou pagar o mínimo do cartão de crédito… Ao tratar de pobreza além da questão monetária nesta resenha, fica evidenciado como a potencialidade das pessoas é limitada por aspectos da renda, educacionais e sociais.


Isadora Faé

Plínio Natalino

 

Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1] Fala retirada do discurso do júri da Academia Real de Ciências da Suécia na entrega do prêmio em questão. [2] Economista indiano, vencedor do Prêmio do Banco da Suécia para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel em 1998. [3] Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) – abril de 2022. Disponível em: <https://www.portaldocomercio.org.br/publicacoes/pesquisa-de-endividamento-e-inadimplencia-do-consumidor-peic-abril-de-2022/423798>. Acesso em: 07 jun. 2022.

[4] A cada 10 brasileiros que se endividaram com o cartão de crédito, 7 o utilizaram para comprar comida. 2022. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/cada-10-brasileiros-que-se-endividaram-com-o-cartao-de-credito-7-o-utilizaram-para-comprar-comida/ >. Acesso em: 03 jun. 2022 [5] O conceito foi apresentado pela dupla na obra “Escassez - Uma Nova Forma de Pensar a Falta de Recursos na Vida das Pessoas e nas Organizações” publicada em 2013. [6] Como falta de dinheiro prejudica inteligência e afeta decisões. 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61572670>. Acesso em: 03 jun. 2022. [7] Congresso em Foco. “Rico capitaliza recursos, pobre consome tudo”, diz Guedes. 2021. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/temas/economia/paulo-guedes-critica-servidor-publico-e-detalha-pacote-pos-reforma-da-previdencia/ >. Acesso em: 03 jun. 2022.


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