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Cringe, eu?


Imagem. Disponível em: <https://www.oficinadanet.com.br/midias_sociais/37220-significado-cringe-millennials-geracao-zy> Acesso em: 23  jul.  2021.
Imagem. Disponível em: <https://www.oficinadanet.com.br/midias_sociais/37220-significado-cringe-millennials-geracao-zy> Acesso em: 23 jul. 2021.

Se você gosta de tomar café da manhã, ri na internet utilizando o emoji “chorando de rir”, lê jornal impresso, bebe cerveja “litrão”, usa hashtags no instagram e paga boletos, sinto em lhe informar, caro leitor, mas você possivelmente é cringe.


Atualmente, surgiu na internet uma discussão acerca do termo cringe, que proveniente da língua inglesa, é empregado como uma gíria para situações vergonhosas ou embaraçosas[1]. Neste contexto, esta expressão vem sendo usada pelos jovens brasileiros como forma de diferenciar os padrões de linguagem e comportamento social da geração Y, também chamada de Millenial, e da geração Z.


São seis as gerações que coexistem nos dias atuais: os nascidos em 1928 até 1945 fazem parte da geração de veteranos ou tradicionais, os nascidos entre 1946 e 1964 são chamados de Baby Boomers (denominados assim pelo boom demográfico dos Estados Unidos), enquanto que entre 1965 e 1980, pertencem à geração X. Já a geração Y é composta pelos nascidos entre 1981 a 1996, de 1997 a 2012 a geração Z, e por fim, a partir de 2013, a geração Alpha[2]. Lembrando que, de acordo com a literatura utilizada, podem haver alterações a respeito de tais classificações.


Alguns estudiosos caracterizam a noção de geração como mera cronologia, porém outros, como por exemplo Dilthey, diz que essa ideia consiste na partilha, entre as pessoas, do mesmo conjunto de experiência, do mesmo “tempo qualitativo” e ainda completa que a formação das gerações foi consequentemente baseada em uma temporalidade concreta, constituída de acontecimentos e experiências compartilhadas. Outrossim, em sua análise, Mannheim (1952) considerou as gerações como uma dimensão analítica proveitosa para o estudo da dinâmica das mudanças sociais. Para ele, as gerações são capazes de produzir mudanças sociais na colisão entre o tempo biográfico e o tempo histórico, ao passo que podem ser consideradas o resultado de descontinuidades históricas e, portanto, de mudanças[3]. Já para Ortega y Gasset, considerado o maior filósofo espanhol do século XX, “a geração é um compromisso dinâmico entre massa e indivíduo, é o conceito mais importante da história, e, por assim dizer, o vértice sobre o qual esta realiza seus movimentos”[4]. Dessa maneira, as gerações não são homogêneas, e são construídas e condicionadas de acordo com seu contexto político, social, histórico, econômico, cultural e, sobretudo, pelas relações intergeracionais, marcadas pelo compartilhamento de experiências e transformações que ocorrem no mundo, fatos esses que tornam-se um “prato cheio” para a incidência de reflexões a respeito das diferenças que compõem as gerações.


Como afirma Carles Feixa e Carmem Leccardi, esses conceitos tornam-se importantes na composição de debates para as Ciências Sociais e Humanas, pois são usados como metáfora para a construção social do tempo. Contudo, vale frisar que o uso de tais conceituações está enraizado no contexto europeu no período entre a Grande Guerra e a Segunda Guerra Mundial[5]. Assim, por meio de generalizações atribuídas às gerações, é essencial analisar tais conteúdos a partir de uma perspectiva socioeconômica, destacando sua relevância para os debates contemporâneos.


As transformações que o capitalismo vem sofrendo, como por exemplo a crescente financeirização e as mudanças nas relações de trabalho ao longo da história. A automatização de máquinas, a modernização e desenvolvimento tecnológico, provocados pela Revolução Técnico-Científica-Informacional, trouxeram diversas implicações no âmbito político, econômico e ideológico no que se diz respeito ao individualismo e imediatismo das relações atuais, em que gerações como a geração X, em sua vida adulta, e os Millennials, em sua juventude, puderam experimentar a era da internet e a “invasão tecnológica”, enquanto a Geração Z, teve sua infância intimamente ligada à expansão exponencial da internet e dos aparelhos tecnológicos, e com isso passou a ser conhecida como "nativas digitais"[6]. Entretanto, é necessário pontuar que o avanço do mundo digital não é inclusivo, e as desigualdades socioeconômicas refletem diretamente no acesso a esses aparelhos. Ademais, Marc Prensky, professor e educador americano, responsável por conceituar o termo “nativos digitais”, aplica-o apenas às pessoas que nasceram após 1980 e que cresceram familiarizadas com a tecnologia[7]. Diferentemente dos veteranos, que nascidos antes e durante a Segunda Guerra Mundial, vivenciaram marcos como a Grande Depressão e a queda do Muro de Berlim em um contexto histórico e social díspar das gerações mais novas, e só experimentaram esses meios tecnológicos tardiamente. Do mesmo modo, os Baby Boomers, nascidos no pós-guerra, que foram marcados pela Guerra Fria[8].


Vale salientar que, por serem heterogêneas, em uma mesma geração existem progressistas e conservadores, extremistas e pacificadores, pois cada uma delas adquire referências de diversos grupos geracionais e sociais. Além do mais, essas influências sociais e culturais também refletem diretamente no perfil das gerações, podendo influenciar suas visões de mundo e dessa maneira, seus comportamentos, por exemplo, dentro do mercado de trabalho.


Os Baby Boomers “são propensos a trabalhar arduamente e normalmente não fazem reivindicações, mesmo com sentimento de desconfiança com relação à liderança. Carregam consigo a expectativa de permanecerem por muitos anos no mesmo emprego” (MARTINS, FLINK, 2013, p. 3). Já os membros da geração X, para Morais (2016, p. 185), “tendem a valorizar o trabalho e a estabilidade financeira, na condição de garantir a realização de desejos pessoais e materiais” e os Millenials “99% dos nascidos entre 1980 e 1993 só se mantêm envolvidos em atividades que gostam, e 96% acreditam que o objetivo do trabalho é a realização pessoal” (LOIOLA, 2009, p.1)[9]. Em contrapartida a estas, as gerações mais novas, Y e Z, ingressam em maior número no Brasil ao ensino superior ou ao ensino técnico, por causa de investimentos governamentais e políticas públicas de permanência, cotas raciais e socioeconômicas, por exemplo, criada pela lei nº 12.711, de agosto de 2012, conhecida também como Lei de Cotas[10], e assim acabam por obter maior acesso à formação acadêmica, e a mais informações.


Dessa forma, como citado anteriormente, traçar tais perfis generalizados se mostram incapazes de contemplar os problemas sociais existentes, e estes, por sua vez, assolam grande parte do país e perpassam todas as gerações, tais como problemas sociais, econômicos e ambientais. Segundo Bourdieu (1998), as condições estruturais existentes, que reproduzem as desigualdades sociais, condicionam o indivíduo em suas trajetórias individuais, trajetórias de classe[11]. Dessa maneira, indivíduos em vulnerabilidade socioeconômica tendem a participar menos de manifestações culturais elitizadas que dizem respeito a seu grupo geracional, e comumente seguem as trajetórias de vida referentes a sua classe, bem como seus sucessores. Esta análise é aprofundada no conceito de estratificação social[12], que classifica os indivíduos de acordo com suas classes sociais e para além disso, identifica como as desigualdades são socialmente construídas. A desigualdade, por sua vez, contribui efetivamente para a disparidade, não só de gerações como também entre as classes. Um exemplo nítido desse contraste se encontra na era digital.


Também conhecida como Era da Informação, a era digital[13], que invadiu a vida da geração X e desde então se faz presente na formação das seguintes, permite, com os avanços tecnológicos, um amplo acesso ao fluxo global de informações, para aquelas que - é claro - podem se conectar. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio da Pesquisa Nacional de Amostra a Domicílios Contínua (PNAD Contínua), no ano de 2019, cerca de 40 milhões de brasileiros não possuíam acesso à internet, parte por falta de interesse, por considerar o serviço caro, e a outra parte por nenhum morador saber utilizá-la[14]. Fato esse que é preocupante, pois priva famílias de classes inferiores ao acesso à informação e ao ensino, o que se tornou ainda mais perceptível na pandemia da Covid-19, iniciada em 2020, além também de caracterizar a exclusão de gerações mais antigas, que têm maiores dificuldades de se adaptar à nova era.

Salvo que, aos que possuem acesso, as interações entre as redes, mesmo muitas vezes sendo nocivas, também vêm causando um impacto positivo nas gerações, com o alargamento de horizontes sociais. Por meio do paradigma atual de “desconstruir para reconstruir”, as novas gerações apresentam uma clara inclinação à preocupação social que se refere aos preconceitos, práticas e comportamentos, que outrora eram normalizados e aceitos, e assim passam, cada dia mais, a serem repudiados, tais como o machismo, a homofobia, o racismo e atitudes negativas que atingem o âmbito socioambiental.


Todas as diferenças políticas, culturais, históricas, econômicas e sociais citadas, contribuem para uma reflexão direta sobre a discrepância entre as gerações. Dessa forma, este debate - ser ou não ser, cringe - não se restringe aos Millenials e a geração Z, exemplo disso podemos atribuir a - boa, velha e conhecida - frase “na minha época não era assim…”. Afinal, quem de nós nunca ouviu isso de alguém mais velho? Com o passar dos anos as gerações se permeiam, isto é, não se nasce, cresce e envelhece na mesma época, e sim em períodos diferentes. Isso proporciona a cada indivíduo experiências singulares conforme os anos, e daí surge a atribuição da recorrente frase “na minha época não era assim”. A questão é que quem ouve esta frase, por muitas vezes, sente-se incomodado, mas, futuramente, reproduz ela para a geração mais nova.


Com a popularização do termo cringe, ele passou a ser atribuído no Brasil para algo além da “vergonha alheia”, comumente utilizado nas redes sociais, o termo que tem como intuito repudiar atitudes ditas como velhas, ultrapassadas e até mesmo “bregas” e “cafonas”, não passa de um incômodo da geração mais nova com as atitudes da geração passada, que não seguem as tendências da nova era.


Assim, cringe nada mais é que um termo moderno para marcar um conflito antigo entre os grupos geracionais, uma maneira de se encontrarem, e inevitavelmente conflitarem ao estabelecer suas diferenças, que se estruturam conforme seu contexto histórico e suas particularidades. Da mesma maneira que os jovens nascidos nos anos 1990 achavam “cafonas” os comportamentos e gostos de pessoas mais velhas, a geração Z acha cringe quem, por exemplo, assiste ao jornal, usa calça skinny e não tem paciência em ver vídeos do TikTok. O que, dada a velocidade das redes e o imediatismo atual, vem passando a também ser descaracterizado, sendo “cringe falar cringe”.


Esse encontro intergeracional nos convida a refletir e a reconhecer as diferenças e semelhanças entre as gerações, seja ela veteranos, baby boomers, X, Y, Z ou Alpha, e não apenas referente à cultura e ao estilo de vida, mas às discrepâncias sociais, históricas e econômicas responsáveis por caracterizá-las e assim, moldar comportamentos que são refletidos em nossa sociedade, no fazer político e nas relações interpessoais.


Camila Batista Patricia Specimille.


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1]O que significa ‘cringe’? Disponível em: <https://www.istoedinheiro.com.br/o-que-significa-cringe-entenda-a-expressao-que-viralizou-na-internet/>. Acesso em: 15 jul. 2021. [2]Definindo gerações: onde a geração Y termina e a geração Z começa. Disponível em:<https://www.pewresearch.org/fact-tank/2019/01/17/where-millennials-end-and-generation-z-begins/>. Acesso em: 06 ago. 2021. [3]O conceito de geração nas teorias sobre juventude. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/se/a/QLxWgzvYgW4bKzK3YWmbGjj/?lang=pt>. Acesso em: 06 ago. 2021. [4]Texto extraído de Gênese das teorizações sobre a juventude de Elizeu de Oliveira Chaves Júnior. Acesso em: 10 jul. 2021. [5]O conceito de geração nas teorias sobre juventude. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/se/a/QLxWgzvYgW4bKzK3YWmbGjj/?lang=pt>. Acesso em: 06 ago. 2021. [6]Quais as diferenças entre as gerações X, Y e Z e como administrar os conflitos. Disponível em: <https://www.oficinadanet.com.br/post/13498-quais-as-diferencas-entre-as-geracoes-x-y-e-z-e-como-administrar-os-conflitos>. Acesso em: 09 ago. 2021. [7]O que são nativos digitais e o que os diferencia de celebridades? Disponível em: <https://www.influency.me/blog/nativos-digitais/>. Acesso em: 09 ago. 2021. [8]Quais as diferenças entre as gerações X, Y e Z e como administrar os conflitos? Disponível em: <https://www.oficinadanet.com.br/post/13498-quais-as-diferencas-entre-as-geracoes-x-y-e-z-e-como-administrar-os-conflitos>. Acesso em: 15 jul. 2021. [9]Gerações e mercados de trabalho: suas relações com as organizações. Disponível em: <file:///C:/Users/ADM/Downloads/32855-Texto%20do%20artigo-97569-1-10-20171209.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2021. [10]Cotas raciais no Brasil: o que são? Disponível em: <https://www.politize.com.br/cotas-raciais-no-brasil-o-que-sao/#:~:text=A%20 consolida%C3%A7%C3%A3o%20das%20 cotas%20 aconteceu,estudantes%20 egressos%20de%20 escolas%20p%C3%BAblicas>. Acesso em: 09 ago. 2021. [11]Idem ibidem. [12]Estratificação Social. Disponível em: <https://www.significados.com.br/estratificacao-social/>. Acesso em: 15 jul. 2021. [13]Era da informação. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/era-informacao.htm>. Acesso em: 16 jul. 2021. [14]IBGE: 40 milhões de brasileiros não têm acesso à internet. Disponível em <https://www.abranet.org.br/Noticias/IBGE%3A-40-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-Internet-3345.html?UserActiveTemplate=site#.YPxojY5KjIU>. Acesso em: 16 jul. 2021.

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