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COP26: O planeta na mão das grandes corporações?

Atualizado: 16 de nov. de 2022


COP26. Disponível em: <https://cartoonmovement.com/cartoon/cop26-2>. Acesso em: 12 nov. 2021

"Nós estamos cavando nossa própria cova”. Foi com essas palavras que António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, abriu a Conferência do Clima de 2021, também conhecida como COP26. Neste ano, o evento foi realizado em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro e reuniu mais de 30 mil pessoas, incluindo representantes de 197 países sob um clima de forte cobrança quanto aos compromissos firmados no Acordo de Paris em 2015, negociado durante a COP21. Dentre os principais objetivos do tratado, a meta de manter o aumento da temperatura global em no máximo 2 graus celsius - e um ideal de 1,5°C - está entre as mais cobradas e temidas: o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),[1] publicado em agosto deste ano, indica que não estamos agindo de modo a atingir este objetivo e que já há sinais de graves e irreversíveis mudanças no meio ambiente.


O documento aponta que os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados; a temperatura do planeta aumentou 1,07°C em relação ao período pré-industrial (1850-1900) e que se não tratarmos a situação com a urgência que lhe é necessária, devemos ultrapassar o temido 1,5°C nas próximas décadas. Essa mudança, que pode parecer mínima, representa uma grave ameaça aos ecossistemas, logo, à humanidade e à própria economia: segundo o IPCC, essa diferença pode causar aumentos em temperatura média na maioria das regiões terrestres e oceânicas; nos extremos de calor na maioria das regiões habitadas; na ocorrência de chuva intensa em diversas regiões e na probabilidade de seca e déficits de chuva em algumas regiões. A meta de 1,5°C tem sido, então, profundamente temida pelos cientistas, que repetidamente apontam como o aquecimento tem provocado fenômenos extremamente destrutivos como queimadas incontroláveis, tempestades devastadoras e elevação do nível dos oceanos que já ameaçam a existência de diversos centros urbanos.


Passados seis anos do Acordo de Paris, são analisados os resultados de supostos esforços para frear o aquecimento global. Segundo o Observatório do Clima[2], o Brasil tem agido contrariamente à decisão de diminuir as emissões de gases estufa e em 2020 emitiu seu maior montante desde 2006, registrando um aumento de 9,5%, enquanto no mundo inteiro as emissões reduziram em quase 7% - queda atribuída aos efeitos da paralisação de muitas atividades em virtude da pandemia. Diante disso, e aliado ao fato do Brasil abrigar a maior biodiversidade do mundo, a participação do país era muito aguardada na COP26, mas se decepcionou quem esperava a presença do presidente Jair Bolsonaro, o que foi motivo de destaque em uma revista internacional. Sob um cenário caótico de trovões, nevasca e solo deserto, a capa da revista norte-americana Time intitulada “A última chamada” destaca a ausência do presidente brasileiro. Ao lado da Rainha Elizabeth 2ª, do presidente Joe Biden, da ativista ambiental sueca Greta Thunberg e outros líderes mundiais, estão as cadeiras vazias do presidente chinês Xi Jinping e de Jair Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão justificou a ausência do chefe do executivo dizendo que “todo mundo vai jogar pedra nele”[3].


A reunião da Cúpula do Clima, por ser o fórum mais importante sobre a crise ambiental, está diretamente ligada a estratégias nacionais para mitigação de mudanças climáticas. Isso, por si só, já confere grande importância para todas as conferências, mas a deste ano é considerada especialmente relevante. Nesta edição, todos os países signatários do Acordo de Paris precisavam submeter suas metas de longo prazo para emissões, então a cobrança por comprometimentos relacionados à emergência climática global esteve bem presente na agenda. Contudo, a COP26 foi duramente criticada por alguns dos participantes. Greta Thunberg, conhecida por liderar o movimento “Greve das escolas pelo clima”, publicou a seguinte mensagem em sua conta do Twitter: “A COP26 tem sido apontada como a COP mais excludente da história. Isso não é mais uma Conferência do Clima. Isso é um festival de greenwashing do norte global. Duas semanas de celebração de negócios como sempre e blá blá blá.” As críticas da ativista são perfeitamente viáveis e notadamente embasadas - apesar desta edição da COP contar com o maior número de participantes da história, as discussões mais importantes ocorreram em salas fechadas, sem representantes da sociedade civil e frequentemente tiveram um caráter de negociação empresarial liderada por corporações poluidoras dos países centrais do capitalismo, os do norte global.


O termo greenwashing utilizado por Greta tem sido tema de grandes discussões ultimamente. Sabrina Fernandes, socióloga e economista brasileira, esteve na COP26 como delegada enviada pela Fundação Rosa Luxemburgo e sua participação a motivou a publicar um vídeo[4] em seu canal do YouTube, “Tese Onze”, sobre o assunto. Segundo Fernandes, o termo, frequentemente traduzido para o português como “lavagem verde” ou também “fachada verde”, consiste numa prática principalmente do marketing e das relações públicas visando esconder ações graves e destrutivas contra o meio ambiente lançando mão de outras ações, dessa vez com um “rosto” diferente, dizendo ser ecologicamente bom para o planeta. De acordo com a socióloga, esse recurso é comumente usado por partidos políticos e, especialmente, por grandes empresas que se aproveitam da emergência climática para atrair novos investidores e conquistar o público preocupado com o cenário ambiental.


Isso chegou - aliás, dominou - a COP26: o website[5]oficial do evento divulgou os patrocinadores desta edição dizendo que estão “encantados em recebê-los como parceiros, que estão apoiando a COP26 e oferecendo expertise vital, comprometimento e ações para ajudar a enfrentar as mudanças climáticas”. Dentre as grandes empresas estão a Unilever, multinacional britânica que compõe o ranking das empresas mais poluentes do mundo, com produção anual de 70 mil toneladas de poluição plástica[6]; a gigante do gás SSE, nomeada em 2019 pela Agência Escocesa de Proteção Ambiental como a 2ª empresa que mais emitiu dióxido de carbono da Escócia[7], registrando 1,6 milhões de toneladas do gás em uma única estação; a multinacional inglesa de automóveis Jaguar Land Rover, apontada em 2017 por um estudo realizado pelo Conselho Internacional de Transportação Limpa como a pior empresa em termos de pegada ecológica[8]. Esses são apenas 3 exemplos das mais de 20 grandes corporações patrocinando esta edição da Conferência do Clima, quase todas de países centrais do capitalismo cujos lucros bilionários são frequentemente provenientes de atividades danosas ao meio ambiente.


A questão do patrocínio tem sido um assunto extremamente conflituoso desde o início da realização das Conferências na década de 1990, e os ativistas ambientais viram como uma vitória a organização desta edição ter proibido o patrocínio de empresas da indústria do petróleo. Porém, segundo um levantamento[9] feito pela ONG Global Witness, a indústria de combustível fóssil levou a maior delegação da COP26. A sondagem do grupo foi feita a partir da lista de delegados participantes, publicada pelas Nações Unidas, e foi averiguado que 503 pessoas ligadas direta e indiretamente a empresas do ramo de combustíveis fósseis foram registradas como negociadoras no evento. Com isso, o grupo conta com um número de integrantes superior à maior delegação oficial do evento, enviada pelo Brasil com 479 pessoas, e quase o dobro que à do Reino Unido, país anfitrião do evento. O número de lobistas é maior que o da delegação de Mianmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Paquistão combinados; as regiões e países mais afetados pelas mudanças climáticas segundo a ONG.


Essa disparidade foi uma das pautas da manifestação ocorrida em Glasgow na última semana da COP. O ato, que contou com a presença de aproximadamente 200 mil pessoas[10], chamou atenção para as promessas vazias e a falta da promoção de justiça climática no evento. O conceito de justiça climática emergiu a partir da compreensão que os impactos e desdobramentos das mudanças climáticas atingem regiões e grupos sociais distintos em intensidades diferentes, na maioria dos casos afetando desproporcionalmente os menos favorecidos. Nesse contexto, ecoa a pauta do racismo ambiental[11], que foi exemplificada pela fala da professora Thaís Santos, integrante da Coalizão Negra por Direitos, que afirmou: “A ineficiência de políticas públicas de moradia, saúde e de acesso a serviços de saneamento básico, somados ao avanço das mudanças climáticas, intensificam problemas como os enchentes, deslizamentos e doenças de veiculação hídrica, entre outros”. Assim, as regiões mais afetadas pelas consequências desse desastre ambiental são as de maior proporção de domicílio em favela, de maior desemprego e vulnerabilidade de renda e, também, de maior proporção de população preta e parda. Pensando nisso, Thaís enfatizou que “é necessário nos organizarmos mundialmente para evidenciar que sem justiça racial não haverá justiça climática”.


Além disso, regiões menos povoadas, mas que abrigam comunidades indígenas, indispensáveis à preservação dos ecossistemas, também estão fortemente ameaçadas[12]. Um estudo publicado no periódico científico Science Advances, em julho deste ano, aponta que as regiões que emitem menos poluentes como Ártico Polar, Ásia Central e África são as que mais sofrerão as consequências climáticas. Neste sentido, uma das propostas desta COP, que já tem sido pauta da Conferência repetidamente, foi a criação de um fundo de ‘perdas e danos’ destinados aos países mais pobres que pouco contribuem para as emissões de gases estufa mas que têm sido fortemente afetados pelas mudanças climáticas. O fundo, contudo, não entrou no acordo final, e os Estados Unidos e os países europeus foram os principais opositores da proposta[13]. No que diz respeito a apoio financeiro a países pobres, o dinheiro não foi posto na mesa e a sensação é de que houve pouca evolução em décadas de Conferência.


Outro fracasso dentro do acordo firmado no fórum foi a mudança do texto antigo[14], que dizia em "eliminar" o uso de carvão e hoje fala apenas da necessidade de "acelerar" a transição energética para fontes limpas. Muitos ativistas também criticam o fato de não haver qualquer data ou meta de percentual para eliminação de combustíveis fósseis no texto final. Ao comparar com a primeira semana da cúpula do clima, quando foram assinados compromissos paralelos sobre zerar o desmatamento e reduzir a emissão de metano em 30% até 2030, enxerga-se que um acordo semelhante não foi feito sobre transição de energia de fontes poluidoras para energias limpas. Isso por causa da grande pressão de países e corporações que defendem energia à carvão e de grandes exportadores de petróleo. Fato é que metas mais ambiciosas para a redução da crise ambiental não foram estabelecidas como o necessário, principalmente ao se pensar na ausência de financiamento das ações climáticas discutidas e prometidas no evento, mesmo com o patrocínio de empresas bilionárias que se dizem tão dedicadas em frear a emergência climática.


A presença massiva de grandes corporações com interesses contrários à pauta urgente das mudanças climáticas deve ser profundamente temida por todos nós. A meta de 1,5°C dificilmente será atingida com a ajuda de empresas cujo único objetivo é lucrar, e assim o fazem às custas da natureza. Soluções criativas de mercado que financeirizam os ecossistemas, concessão de benefícios a empresas que deveriam ter sido fechadas há anos pelos estragos causados no nosso planeta e a exclusão da possibilidade de uma construção coletiva são contradições inerentes de um modo de produção que sistematicamente ignora o bem-estar da humanidade. É urgente agir contra a ganância corporativa e a prerrogativa dos interesses individuais em nome da construção coletiva de soluções capazes de incluir todos os povos e ecossistemas do nosso planeta - o tempo se esgota rapidamente.



Isadora Faé Nicole Sansoni


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1] Relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). 2021. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/07/SPM-Portuguese-version.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2021 [2] Na contramão do mundo, Brasil aumentou emissões em plena pandemia. 2021 Disponível em: <https://www.oc.eco.br/na-contramao-do-mundo-brasil-aumentou-emissoes-em-plena-pandemia/>. Acesso em: 10 nov. 2021 [3] 'Todo mundo vai jogar pedra nele', diz Mourão sobre ausência de Bolsonaro na COP 26. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/29/vai-chegar-em-um-lugar-em-que-todo-mundo-vai-jogar-pedra-nele-diz-mourao-sobre-ausencia-de-bolsonaro-na-cop-26.ghtml>. Acesso em: 10 nov. 2021 [4]FERNANDES, Sabrina. A enganação verde. Youtube, 10 nov. 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yQdP5dk9kmE>. Acesso em: 11 nov. 2021. [5] Partnerships and support. Disponível em: <https://ukcop26.org/uk-presidency/partnerships-and-support/>. Acesso em: 11 nov. 2021 [6] Grandes empresas alimentares mantêm "enorme pegada" ecológica. 2020. Disponível em: <https://www.rtp.pt/noticias/mundo/grandes-empresas-alimentares-mantem-enorme-pegada-ecologica_n1217083>. Acesso em: 12 nov. 2021. [7] Ineos, SSE, and Exxon top climate polluter ‘league of destruction’. 2020. Disponível em: <https://theferret.scot/ineos-sse-exxon-carbon-polluter/> . Acesso em: 12 nov. 2021. [8] A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais. Expressada em hectares globais (gha), permite comparar diferentes padrões de consumo e verificar se estão dentro da capacidade ecológica do planeta. Um hectare global significa um hectare de produtividade média mundial para terras e águas produtivas em um ano. WWF Brasil. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/pegada_ecologica/o_que_e_pegada_ecologica/>, acesso em: 17 Nov. 2021. [9] Cúpula do clima: 'Delegação' da indústria do petróleo é maior que a de qualquer país na COP26. Disponível em: <https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/11/08/cupula-do-clima-delegacao-da-industria-do-petroleo-e-maior-que-a-de-qualquer-pais-na-cop26.ghtml>. Acesso em: 12 nov. 2021 [10] ESTELA, Ana. Dezenas de milhares criticam COP26 e pedem justiça climática em Glasgow. Folha de S.Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/11/dezenas-de-milhares-criticam-cop26-e-pedem-justica-climatica-em-glasgow.shtml >. Acesso em: 19 nov. 2021. [11] Racismo ambiental escancara ainda mais as desigualdades - Folha de S.Paulo. Disponível em: <https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2021/11/racismo-ambiental-escancara-ainda-mais-as-desigualdades.shtml >. Acesso em: 19 nov. 2021. [12] Mapa indica como aquecimento global irá afetar o planeta de forma desigual. Revista Galileu. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Um-So-Planeta/noticia/2021/07/mapa-indica-como-aquecimento-global-ira-afetar-o-planeta-de-forma-desigual.html>. Acesso em: 19 nov. 2021. [13] COP26: Os principais fracassos e vitórias do acordo final da cúpula sobre mudança climática - BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59274397>. Acesso em: 19 nov. 2021. [14] COP26: Os principais fracassos e vitórias do acordo final da cúpula sobre mudança climática - BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59274397>. Acesso em: 19 nov. 2021.

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