COP 30: UM MUSEU DE GRANDES NOVIDADES
- PET Economia UFES
- há 3 minutos
- 6 min de leitura

LAERTE. COP 48 (2043). Charge. Folha de S.Paulo, 28 nov. 2023. Disponível em: https://cartum.folha.uol.com.br/charges/2023/11/28/laerte.shtml. Acesso em: 26 maio 2025.
__________________________________________________________________________________
“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para”
O Tempo Não Para - Cazuza
__________________________________________________________________________________
Nas sociedades ocidentais, os padrões culturais e linguísticos nos levam à noção de futuro como algo que está à nossa frente. Um exemplo claro dessa forma de pensar é a ideia de que o “passado ficou para trás”. Tal fato é, em essência, uma construção mimético-cultural de nossas relações sociais cotidianas. Assim, a construção da noção de tempo, nos parâmetros de nossa sociedade, constitui-se a partir da assimilação dos padrões filosóficos dos centros hegemônicos. A linearidade desse pensamento ocidental, que nos parece imutável, parte de um desenvolvimento histórico e social capitaneado pela racionalidade burguesa sobre o tempo, tributária de um viés positivista da história, em que a noção de progresso está atrelada ao passar do tempo. No entanto, em outras sociedades, a constituição de uma relação com o tempo dá-se de maneira distinta, em que passado e futuro,na verdade, se repetem e se entrelaçam. [1]
A linearidade do tempo nos limita à ideia de que somos agentes de um processo em constante avanço e que o futuro nos resguardará as condições mais ou menos ideais de emancipação humana, natural e social. Dessa forma, a linearidade histórica é a negação completa da construção de uma concepção dialética da história enquanto resultante da transformação contínua da materialidade, imbuída por dinâmicas não lineares. Recair em noções progressistas da história é recair em idealismos fajutos que condenam a emancipação humana aos eternos grilhões forjados pela sociedade em que domina o caráter fantasmagórico das mercadorias. É a negação completa de que a humanidade é agente ativo do processo de mudança da história e das condições materiais de existência.
Enquanto nossas noções de tempo, existência, sociabilidade, cultura e conhecimento estiverem subordinadas à lógica de acumulação capitalista, que exaurem nossos meios natural e social, estaremos condenados a lutar por uma causa semi-perdida. O moderno futuro colapsante é o antiquado passado colapsante. Desde a década de 1970, a preocupação com o colapso ambiental é notória. Manifestação expressiva desse debate é a existência do Clube de Roma, que relatou em um dossiê, intitulado “Limites do Crescimento”, perspectivas futuras sobre a existência humana. A moderna 30º Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) é o antigo Clube de Roma. O tempo continua passando, seja para frente ou para trás, em um museu de grandes novidades, que em breve poderá expor os fósseis de uma humanidade que não sobreviveu ao seu tempo, mas pensava na hipótese de mudar o futuro sem questionar as estruturas que forjavam seu presente e passado.
Nesse sentido, percebe-se que o conteúdo ideológico burguês atravessa, intrinsecamente, a necessidade de harmonização das contradições que permeiam o modo de produção capitalista. Não por acaso, o próprio Clube de Roma é uma expressão paradigmática da racionalidade burguesa, pois, em verdade, trata-se de um grupo burguês. Fundado por industriais, economistas, cientistas e tecnocratas ligados a grandes centros de poder econômico e político do Ocidente, o Clube de Roma nunca rompeu com a lógica de acumulação capitalista. Instrumentalizando variáveis referentes a cinco tendências globais, a saber, o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental, eles foram capazes de, por meio de simulações computacionais, predizer o esgotamento dos recursos naturais e o colapso ambiental, dada a trajetória de crescimento econômico exponencial. [2]
Apesar do diagnóstico catastrófico, em jus à classe social que representa, a solução proposta pelo Clube de Roma é como apagar incêncio com fósforo molhado: se o problema da humanidade é a velocidade em que se cresce economicamente, o remissor dos pecados do capital seria o decrescimento econômico. Trata-se, portanto, pura e simplesmente, de reorganizar a gestão do capital, otimizar o uso dos recursos naturais e prolongar a vida útil do sistema, a partir da promoção de ajustes técnicos e de mecanismos de regulação nacionais e internacionais. No entanto, como você, caro leitor, deve imaginar, embora burguesa, a pauta trazida pelo Clube de Roma obteve pouco fôlego político ao longo do tempo. Veja: o Produto Interno Bruto mundial era estimado em 3 trilhões de dólares em 1970 e, em 2023, já correspondia a 106 trilhões de dólares, segundo dados do Banco Mundial [3]. A trajetória de desempenho do nível de produção global corresponde à contundente não adesão ao argumento do decrescimento.
Em sentido análogo ao Clube de Roma, a Conferência das Partes (COP), que, neste ano, chega à sua 30º edição, é expressão de um esforço político-ideológico de manutenção da harmonização aparente entre a lógica de acumulação capitalista e a sustentabilidade ambiental. Nas sociedades capitalistas, o futuro - burguês - replica o passado - igualmente, burguês. Sob um véu das relações sociais propriamente capitalistas, observa-se o colapso dos recursos naturais como uma questão da humanidade contemporânea em termos abstratos. Nós explicamos: trata-se de uma noção ancorada na ideia de que a humanidade experiencia uma nova era geológica em que os impactos das atividades humanas sobre a Terra se tornaram tão profundos e abrangentes que deixaram - e deixarão - marcas duradouras nos sistemas geofísicos e biológicos do planeta. Ou seja, a humanidade contemporânea como entidade homogênea e a-histórica porta a responsabilidade pelo colapso ambiental. É a difusão do Antropoceno. [4]
Ao colocar os seres humanos, indistintamente, como uma força geológica determinante da crise ambiental, conduz-se à negação das contradições inerentes à sociabilidade e à historicidade do modo de produção capitalista que atravessam a questão. A formulação teórica do Antropoceno veicula um conteúdo político-ideológico propulsor da naturalização da crise, na medida em que não especifica adequadamente os mecanismos e agentes que a
desencadeiam, limitando-se a uma abstração sobre a humanidade sem se atrever a questionar como, nas sociedades capitalistas, as classes trabalhadora e capitalista contribuem de forma desigual à deflagração da crise, conforme as particularidades históricas e geográficas dos espaços territoriais que ocupam. É quase como se a humanidade fosse naturalmente propensa à destruição ambiental.
E a problemática não para por aí. Em Marx e Engels, a objetividade da ação humana não reside puramente nas atividades humanas em si, mas no fato de estarem inscritas em um arcabouço de condições materiais concretas. Ou seja, a ação humana não se realiza no vácuo: ela é historicamente situada, socialmente determinada e não pode ser compreendida como algo puramente subjetivo ou naturalizado. Pelo contrário, sua materialidade remete às
formas sociais e históricas que moldam o agir humano em cada época [5]. Sob essa perspectiva, o conceito de Antropoceno não apenas obscurece a dimensão social e histórica da crise ambiental - vinculada ao modo de produção capitalista -, mas, sobretudo, encobre a dimensão social e histórica da própria ação humana. Forja-se, assim, no seio do debate ambiental, uma narrativa funcional à manutenção do status quo capitalista.
Constitui-se de um fundamentalismo mecanicista uma análise que nega a atuação do capital doravante a mitigação dos impactos ambientais. Porém, trata-se aqui de uma visão totalizante do fenômeno, enquanto manifestação de uma contradição evidente entre produção e reprodução do capital. Do ponto de vista político-ideológico, neologismos que
busquem distinguir empresas com o mínimo de compromisso com a realidade social, como é o caso do termo ESG (Environmental, Social and Governance), acabam por conformar as nossas ações aos parâmetros utilitaristas. A construção de uma própria lógica de “recursos naturais” se constitui enquanto uma relação social que enxerga o meio natural enquanto uma fonte de valores de uso a serem transformados. Dessa forma, o impacto ambiental não se trata de uma externalidade negativa, mas uma contradição inerente à forma específica da produção.
Eu vejo o futuro repetir o passado... No palco da maior floresta tropical do mundo, a COP30 buscará debater o futuro em um panorama onde a nação hegemônica se distancia de um compromisso ambiental - se é que, em algum momento, verdadeiramente o fez. Nas florestas em que os colonizadores lançavam suas mãos sobre a natureza e destruiam a existência de povos originários, os burocratas mundiais debaterão sobre a necessidade de frear os impactos causados por eles mesmos. No espetáculo dos máscaras brancas, a valsa entre passado e futuro parece selar um beijo que anuncia o entoar do sino do fim dos tempos. Em um cenário em que se debate a construção de um futuro sustentável, precisamos necessariamente pensar em um presente sustentável, em que a nossa relação com o meio natural, com a sociedade e com os indivíduos não esteja grilhada aos modos de reprodução da materialidade que nos conduz à destruição. Do Clube de Roma, restam perspectivas fossilizadas em meio ao mar de concreto do capital, que em breve fará semelhante com a COP30. Eu vejo um museu de grandes novidades...
Gabriela Morozini
Kayky Barcelos de Oliveira
__________________________________________________________________________________
GALLAS, Daniel. 'A língua que falamos determina como pensamos': americano que cresceu com indígenas na Amazônia explica relação. BBC News Brasil, 22 jun. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgll3m2m0r7o. Acesso em: 27 maio 2025.
MEADOWS, Donella H.; MEADOWS, Dennis L.; RANDERS, Jørgen; BEHRENS III, William W. Limites do crescimento: um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.
WORLD BANK. GDP (current US$). Washington, D.C.: World Bank, 2025. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD. Acesso em: 27 maio 2025.
VEIGA, José Eli da. O Antropoceno e as Humanidades. São Paulo: Editora 34, 2023. Disponível em: https://www.editora34.com.br/detalhe.asp?busca=antropoceno&id=1208. Acessoem: 27 maio 2025.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2007.
コメント