BETS: UM CASSINO DE VELHAS ARMADILHAS
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CPI da Bets. Folha com Charge de 31/05/2025. Disponível em: https://cartum.f olha.uol.com.br/charges/2025/05/31/marilia-marz.shtml. Acesso em 13 jun. 2025.
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As plataformas de apostas online, popularmente conhecidas como “bets”, têm se espalhado como rastilho de pólvora pelo Brasil, principalmente entre os jovens das periferias, onde a promessa de dinheiro rápido encontra terreno fértil em meio à escassez de oportunidades. O que, à primeira vista, parece ser apenas mais uma forma de entretenimento digital, revela-se, na prática, como um fenômeno complexo, carregado de impactos profundos na saúde mental e na estabilidade financeira de milhares de pessoas. [1]
Essas empresas oferecem uma variedade de serviços relacionados a jogos de azar e a prognósticos esportivos, abrangendo desde as tradicionais apostas em partidas de futebol até cassinos virtuais e competições e-sports, com jogos eletrônicos que simulam realidades esportivas em detalhes quase hipnóticos. Por trás de interfaces chamativas e slogans sedutores, operam com estratégias de marketing e campanhas publicitárias muito agressivas que provocam comportamentos impulsivos, e estimulam a normalização das apostas como prática cotidiana e alternativa viável para geração de renda.
Nesse sentido, a lógica que sustenta o funcionamento das casas de apostas escapa à percepção imediata. Enquanto muitos jogadores se entregam à crença de que a chance de
vitória ou derrota repousa sobre cálculos estatísticos, raciocínio lógico e certa dose de sorte, há uma engrenagem silenciosa operando a favor das plataformas. A matemática inerente às apostas, realizadas pelas casas, assegura a obtenção sistemática de lucro por parte das empresas, sem levar em conta o desempenho individual dos apostadores.
Dessa forma, a estratégia central das casas de aposta não está em proporcionar vitórias isoladas - o que é perfeitamente possível e até necessário para alimentar a crença na recompensa -, mas em garantir, que no longo prazo a balança penda sempre para o lado da casa. Isso se dá, sobretudo, por meio da definição das odds, [2] que são calibradas para embutir uma margem de lucro - o chamado juice. [3] Ou seja, a casa nunca oferece a verdadeira probabilidade do evento ocorrer, operando sempre com uma vantagem matemática. Dessa forma, apoiada na lei dos grandes números, mesmo quando o apostador vence, já existe uma taxa embutida que assegura o lucro da casa de aposta. Portanto, a arquitetura dessa lógica funciona como uma armadilha: oferece a ilusão de controle, ao mesmo tempo em que induzem decisões precipitadas, estimuladas pela esperança de recuperação imediata, alimentando, assim, um ciclo de perdas frequentes disfarçadas de oportunidades. [4]
Em um tempo em que as diversas esferas do cotidiano social têm sido subjugadas à lógica de mercado, a incerteza e o ato de vender falsas esperanças, como um átomo das vivências sociais, tornaram-se num negócio altamente lucrativo. As apostas online não fornecem apenas jogos, criam também uma falsa sensação de controle em meio ao caos vivido por muitos brasileiros. O “tigrinho”, com seu rosnado colorido, funciona como uma caricatura do sistema que aprisiona os jogadores em ciclos intermináveis de expectativa por um prêmio que nunca chegará. [5]
Esse cenário é agravado pela ausência de um marco legal claro e eficiente. A falta de regulamentação robusta sobre cassinos online permite que empresas e influenciadores atuem à margem da lei, dificultando sua responsabilização e ampliando a vulnerabilidade dos usuários. [6] Para mais, essa ausência de fiscalização permite que diversas empresas operem sob nomes comerciais que não correspondem aos seus registros oficiais, o que dificulta significativamente o monitoramento das transações financeiras e a identificação dos perfis dos jogadores.
As discussões em torno da legalização dos jogos de azar no Brasil têm se desdobrado em múltiplas facetas ao longo das décadas. A legislação proibitiva, instaurada em 1946, embora marcada por limitações em sua eficácia, foi forjada sob uma visão que associava essas práticas à criminalidade, corrupção e decadência moral e social. Mesmo hoje, o debate sobre a legalização ecoa carregado de inquietações profundas - sociais, econômicas e éticas - que reverberam especialmente diante do risco de ampliação da dependência patológica, dos impactos nefastos sobre a saúde mental da população e das consequências econômicas graves, como o endividamento crescente e a intensificação da fragilidade financeira. [7]
Nesse contexto, revela-se crucial compreender que a dependência em jogos de azar é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno psicológico, cujos efeitos podem se revelar devastadores. Esses impactos são potencializados pela ampla acessibilidade às plataformas digitais de apostas e pela oferta constante de incentivos atrativos, que exercem influência tanto sobre jogadores ocasionais quanto sobre indivíduos com maior predisposição ao vício. [8] De acordo com dados recentes, aproximadamente 96 milhões de pessoas no mundo sofrem com o transtorno do jogo - um indicativo da gravidade e da dimensão do problema em escala mundial. [9]
De modo contraditório, ao invés de fortalecer os mecanismos de fiscalização e proteção social, desde 2018, com o advento da Lei nº 13.756, que regulamentou parcialmente as apostas esportivas, autorizando sua operação sob controle do governo, o Congresso Nacional tem discutido a ampliação desse mercado. A proposta legislativa que visa liberar bingos, cassinos e outros jogos anteriormente proibidos é apresentada como uma forma de modernizar o setor e aumentar a arrecadação fiscal, [10] no entanto, levantaquestionamentos sobre suas implicações sociais e sobre quem, de fato, se beneficiaria com essa legalização.
Diante da crescente visibilidade das apostas online e dos seus efeitos sociais, como o endividamento, o vício e a exploração de públicos vulneráveis, o tema ganhou fôlego no debate público e nos espaços institucionais. A intensificação das denúncias sobre manipulação de resultados, somada à atuação de influenciadores digitais, que promovem essas plataformas com naturalidade desconcertante, impulsionaram uma reação política e jurídica mais incisiva, pressionando a atuação do Congresso. Nesse contexto, em outubro de 2024, surge a proposta de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) voltada a investigar a atuação dessas plataformas e seus impactos sobre a sociedade e a economia. [11]
Embora o objetivo formal da CPI fosse investigar esquemas de manipulação de resultados, o desenrolar da comissão acabou revelando mais sobre a lógica do sistema político do que sobre o próprio objeto da investigação. A CPI das Apostas escancarou a transformação do debate público em espetáculo: o espaço da deliberação foi substituído por encenações midiáticas, e a busca por visibilidade passou a orientar os rumos do processo. Não se trata de um desvio, mas de uma nova lógica: na era da política-espetáculo, a forma sobrepõe o conteúdo onde o ruído comunica mais do que a razão. [12]
O Brasil das apostas online não é apenas o retrato de um vício silencioso, mas o espelho de um país que, diante do abismo, o vende como oportunidade. Em um contexto em que a promessa de enriquecimento rápido serve de verniz para aprofundar desigualdades, e em que a política se rende ao espetáculo em detrimento do interesse público, o cidadão comum é relegado ao papel de espectador ou, em muitos casos, transformado em jogador habitual de um jogo fajuto. Estamos, portanto, diante de um espetáculo das apostas, em que a política virou caça-níquel: há muita luz, muito barulho e, no fim, sempre quem ganha é a casa.
Hemille Barbosa
Maria Caneva
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Universidade Federal Fluminense. Brasileiros sentem o impacto social e econômico do vício das bets. Disponível em: https://www.uff.br/04-09-2024/brasilei ros-sentem-o-impacto-social-e-economico-do-vicio-nas-bets/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 10 de jun. 2025.
Traduzido para o português significa "chances". As odds expressam quanto cada apostador ganhará caso sua aposta seja vencedora.
Juice é uma taxa embutida nas apostas que garante a margem de lucro das casas de apostas, mesmo quando o apostador vence.
Por que você quase sempre vai perder dinheiro com bets, segundo a matemática. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c981g2n1dm9o. Acesso em: 10 jun. 2025.
Universidade Federal Fluminense. Brasileiros sentem o impacto social e econômico do vício das bets. Disponível em: https://www.uff.br/04-09-202 4/brasileiros-sentem-o-impacto-social-e-economico-do-vicio-nas-bets/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 10 de jun. 2025.
GOMES, Luis. Princípio da legalidade penal e jogos online. 2024. 77 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2024.
Moreira Junior. Relação do Estado Brasileiro com os jogos de azar. Revista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências E Educação. v.10, n.10. p. 4656–4672. 2024.
Ibidem, p. 4660.
Organização Mundial da Saúde (OMS). Disponível em: https://encurtador.com.br/BzpEw. Acesso em: 10 jun. 2025.
SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n° 2234, de 2022: Autoriza e regulamenta jogos e cassinos no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2025. Disponível em: https://l1nq.com/cpRoel. Acesso em: 12 jun. 2025.
POLITIZE. CPI das Bets: o que está sendo investigado? Disponível em: https://www.politize.com.br/cpi-das-bets/. Acesso em: 12 jun. 2025.
RODRIGUES, Felipe. Virginia na CPI: quando a política se curva ao espetáculo. Gazeta do Povo, 12 jun. 2025. Disponível em: https://www.gazeta dopovo.com.br/opiniao/artigos/virginia-na-cpi-quando-a-politica-se-curva-ao-espetaculo/. Acesso em: 10 jun. 2025.
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