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Burnout: um retrato da sociedade capitalista contemporânea

Por que Bartleby desestabiliza seu ambiente?. Disponível em: Por que Bartleby desestabiliza seu ambiente? - Arte y Cultura - IntraMed. Acesso em: 07 de jun. de 2024.


O trabalho compreende o processo pelo qual o homem modifica o seu entorno para garantir a satisfação de suas necessidades, modificando a natureza e a si mesmo em um movimento dialético[1]. A forma de organização da produção na sociedade capitalista, ao subordinar o trabalho ao capital, transforma o trabalhador, de produtor de valores de uso, em reles produtor de valores de troca para a apropriação do capitalista. Tal processo revela-se antitético ao trabalho em si, o que torna o homem incompleto, alienado e subjuga a classe trabalhadora a uma situação sub-humana de desigualdade e exploração, o que se reflete nas condições adoecedoras de trabalho.


Ao refletir acerca do modo em que a sociedade se organizava, John Maynard Keynes, em seu texto “Possibilidades Econômicas Para os Nossos Netos”, traçou projeções para o ano de 2030, destacando o papel que as inovações técnicas teriam na situação da classe trabalhadora. O pensador acreditava que o ganho de produtividade, a partir do avanço das forças produtivas, seria efetivo na libertação gradual dos trabalhadores. Apesar da contemporaneidade registrar cada vez mais inovações, o que se observa é uma deterioração das condições físicas e mentais dos trabalhadores, em vista da acentuação da condição exploratória e precária em que se encontram. O atual cenário, no ano de 2021, revela que cerca de 70,5% das empresas com 100 ou mais funcionários adotaram alguma medida para inovar, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[2].


Defronta-se, no atual momento, uma realidade em que os avanços técnicos são utilizados, na verdade, para extrair cada vez mais da força de trabalho, de forma contrária ao que pensava Keynes. Os desenvolvimentos científico e tecnológico, ao serem submetidos à lógica de reprodução do capital, são utilizados como meios para a ampliação das taxas de lucro, não mais tendo fim em si mesmos como conhecimento puro e simples. Após o marco da Revolução Industrial, a aplicação de tais conhecimentos ao processo produtivo impulsionou a se tornarem apenas uma ferramenta para a exploração extraordinária da força de trabalho[3]. Percebe-se, portanto, que as inovações técnicas não são utilizadas com o intuito de libertar a classe trabalhadora de seu ofício ou de tornar completa a existência humana, mas como forma de reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção em massa de mercadorias vendáveis, ampliando as formas de exploração da classe trabalhadora em novas modalidades de produção.


Nesse sentido, a relação entre saúde mental e trabalho é variável e envolve uma interação de fatores individuais, organizacionais, sociais e econômicos. O modo de produção capitalista, ao enfatizar a produtividade e a eficiência, aumenta a pressão sobre os trabalhadores, resultando em esgotamento mental e físico relacionados ao ambiente de trabalho[4]. Desse modo, termos como “flexibilização” e “empregabilidade” são constantes e representam grandes desafios de adaptação para a classe trabalhadora, dada a inserção dos novos modelos de produção decorrentes da evolução tecnológica. É necessário reconhecer que a forma na qual esses desafios são implantados e executados intensificam a insegurança e precariedade das condições de trabalho. De acordo com os dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de Burnout[5], um distúrbio emocional que se manifesta através de sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico, resultantes de situações ocorridas no ambiente de trabalho.


O Burnout, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, ocorre de maneira lenta e gradual, acometendo o indivíduo progressivamente. Em primeiro momento, as demandas de trabalho são maiores que os recursos materiais e humanos, o que gera um estresse laboral no indivíduo. Assim, o que é característico é a percepção de uma sobrecarga de trabalho, tanto qualitativa quanto quantitativa[6]. Ao analisar a relação entre saúde mental, o ambiente de trabalho e a estrutura social em que os indivíduos estão inseridos, pode-se observar que o esgotamento profissional transcende a esfera individual e acaba sendo construído e influenciado por uma série de fatores relacionados. Ou seja, não apenas a quantidade de trabalho se torna excessiva, mas também a complexidade e as exigências das tarefas aumentam, contribuindo para uma sensação de exaustão. O cansaço persistente, a desmotivação e a sensação de incapacidade para tarefas que eram simples surgem juntamente com um desapego constante em relação ao trabalho, resultando em uma diminuição da eficiência profissional.


A sobrecarga e a insegurança no mercado de trabalho são evidenciados como os principais fatores que afetam a saúde mental dos trabalhadores. De modo geral, a constante concorrência meritocrática, própria do modo de produção e acentuada na fase neoliberal do capital, é uma das principais responsáveis pelo mal-estar físico e mental da classe trabalhadora. No momento em que as vidas pessoais são inseridas na lógica mercantil, o próprio indivíduo atomizado torna-se responsável direto pela reprodução e qualificação de sua força de trabalho. O surgimento do dito “capital humano” é, assim, a expressão aparente dessa relação social muito mais complexa, que permeia até mesmo o momento em que o trabalhador não está em processo de produção[7].


Esses fatores não apenas moldam a experiência individual, mas também contribuem para a dinâmica coletiva que influencia a saúde física e mental dos trabalhadores. O trabalho, em sua origem histórica, sempre esteve atrelado à atividade laboral física. É necessário, no entanto, reconhecer que cada vez mais o nexo entre trabalho e saúde mental, evidenciada na contemporaneidade, ainda é pouco abordado, sendo negligenciado o impacto dos elementos sociais e estruturais. Assim, a responsabilidade de uma enfermidade, normalmente, recai inteiramente sobre o trabalhador e em seus hábitos[8].


É inegável a necessidade de reconhecer e abordar de forma mais abrangente o papel dos fatores sociais e do ambiente de trabalho na saúde mental dos trabalhadores. Isso requer adotar uma perspectiva mais ampla, que leve em consideração os diversos fatores sociais, organizacionais e estruturais que influenciam a saúde dos trabalhadores. Tal fato implica reconhecer que as condições de trabalho, as políticas empresariais e outros aspectos do ambiente laboral, desempenham um papel significativo na saúde mental dos funcionários. A invasão mercadológica na esfera pessoal da vida leva à noção de que o trabalhador precisa sempre se colocar no mercado como a mão de obra mais qualificada, refletindo na conduta do indivíduo, que passa a sentir-se sempre inseguro e exausto, física e mentalmente.


É preciso notar que o panorama exploratório e degradante dos trabalhadores não é um fenômeno da contemporaneidade. O próprio modo de produção capitalista se retroalimenta dessa exploração e subjuga os trabalhadores alienados à condição de uma simples engrenagem no processo produtivo. Desde o século XVIII, diversos são os registros das condições insalubres da classe trabalhadora no processo fabril[9]. Desse modo, a precarização e a degradação do indivíduo no processo de produção são essenciais para lógica capitalista, pois é dela que se origina a acumulação. A invasão dos espaços pessoais e os novos formatos de escala trabalhista são necessários para, cada vez mais, subjugar a vida do trabalhador ao processo produtivo.


A visão otimista de Keynes não pressupunha que a riqueza somente pode ser produzida pelo trabalho humano. Tal afirmação infere que o avanço das inovações tecnológicas não é capaz de atenuar o processo de exploração. Duplamente, amplia-se, também, o grau de exigência e de envolvimento do trabalhador com o processo de trabalho, aspecto que esbarra em seu esgotamento físico e mental, bem como na insatisfação profissional e na diminuição de sua qualidade de vida.


O indivíduo que não se reconhece em seu trabalho, caracterizando-se como incompleto e alienado, é constantemente esmagado de forma física, social e emocional pelo capitalista. Nesse sentido, a saúde mental dos trabalhadores é um indicativo do estado de saúde da sociedade. Quando um terço da força de trabalho sofre de Burnout[10], isso reflete um problema estrutural que vai além do indivíduo. Desse modo, o adoecimento causado pelo trabalho não é apenas uma consequência indesejada, mas uma característica imanente do próprio modo de produção burguês.


Hemille Barbosa Uchôa

Kayky Barcelos de Oliveira

  Referências


[1] MARX, Karl. O processo de trabalho e o processo de valorização. In: O Capital. Boitempo, 2023. p. 255-276.

[3] CELIN, L.; CARDOSO NEVES, M. L. Ciência, tecnologia e capitalismo monopolista. Germinal: marxismo e educação em debate, [S. l.], v. 12, n. 1, p. 215–227, 2020. DOI: 10.9771/gmed.v12i1.34567. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/34567. Acesso em: 20 de mai. de 2024.

[4] MASUMOTO, Lucia Kaori; FAIMAN, Carla Júlia Segre. Saúde mental e trabalho: um levantamento da literatura nacional nas bases de dados em Psicologia da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). Saúde Ética & Justiça, v. 19, n. 1, p. 1-11, 2014

[5] REDAÇÃO. 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de Burnout. Disponível em: <https://www.anamt.org.br/portal/2018/12/12/30-dos-trabalhadores-brasileiros-sofrem-com-a-sindrome-de-burnout/>.

[6] PÊGO, Francinara Pereira Lopes; PÊGO, Delcir Rodrigues. Síndrome de burnout. Rev. bras. med. trab, p. 171-176, 2016.

[7] SILVA, Ederson Duda da. A meritocracia como modo de vida: uma análise crítica à luz da tradição marxista. Sociologias Plurais, v. 9, n. 1, p. 33-62, 2023.

[8] HUEBRA, P. M. et al. Condições de saúde mental e física do trabalhador. Anais do IV Seminário Científico da FACIG [Internet], 2018.

[9] ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução: B. A. Schumann. São Paulo: Boitempo, 2010.

[10]  REDAÇÃO. 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de Burnout. Disponível em: <https://www.anamt.org.br/portal/2018/12/12/30-dos-trabalhadores-brasileiros-sofrem-com-a-sindrome-de-burnout/>.

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