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BRICS+ : novos países, novas dúvidas

Atualizado: 30 de out. de 2023



Disponível em: https://bricsgeo.blogspot.com/ Acesso em: 17 set. 2023.


Em novembro de 2001, o economista Jim O’Neill, em seu relatório “Building Better Global Economic BRICs”, destinado ao banco de investimentos Goldman Sachs, expôs uma tese que iria marcar a sua carreira: ele defendeu que Brasil, Rússia, Índia e China deveriam ser tratados como um único grupo, visto o grande potencial econômico que enxergava nessas nações para as décadas seguintes. Essa foi a primeira ocasião em que o termo BRIC foi utilizado oficialmente.

Cientes desse potencial em comum e da oportunidade de colaboração, os chanceleres desses países estabeleceram um primeiro contato informal, por meio de reuniões de cooperação. A primeira cúpula do grupo, com a presença de chefes de Estado e governo, se deu apenas em 2009, em Ecaterimburgo, na Rússia, em que foi definido que os encontros a partir desse momento seriam anuais e foi defendida a maior representatividade das economias emergentes nas instituições financeiras internacionais. Nascia assim, com a adição da África do Sul em 2011, o BRICS, como uma reunião das cinco principais economias emergentes da época, com foco na cooperação política e econômica e no desenvolvimento mútuo[1].

Apesar de não se colocar como um bloco econômico propriamente dito, atualmente o BRICS possui relevância mundial. Segundo a BBC, juntos, os países que compõem o grupo ocupam 26,46% da área total da Terra e reúnem 42,58% da população mundial[2], além de terem sido responsáveis por 31,5% do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2022, superando os países do G7[3] [4] , e com potencial para que essa participação alcance o valor de 50% em 2030, de acordo com o Banco Mundial[5].

Todo esse protagonismo tem chamado a atenção, de forma que vinte e duas nações oficializaram o seu desejo de integrar o grupo antes da 15º Cúpula do BRICS, que ocorreu nos dias 22 a 24 de agosto de 2023, em Joanesburgo, na África do Sul[6]. Em resposta a esse apelo internacional, foi decidida, neste último encontro, a ampliação do grupo, que contará agora com seis novos membros: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes e Irã, sendo que o presidente Lula deixou em aberto a possibilidade da entrada de novos integrantes no futuro[7].

Aníbal Fernández, pesquisador do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag), foi um dos estudiosos que apontaram a importância econômica que o BRICS vem desenvolvendo nos últimos anos, mas também afirma que a cooperação econômica e financeira segue sendo o principal objetivo do bloco[8], algo que ficou ainda mais evidente e factível com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento, hoje chefiado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Entretanto, a entrada de novos membros no BRICS pode trazer problemas. Como dito pelo economista Bruno de Conti, "Há países que vivem determinada situação hoje, mas que amanhã podem mudar e se tornar a expressão dos interesses dos Estados Unidos dentro do BRICS, o que seria uma completa contradição"[9]. Observa-se isso no caso argentino, visto o contexto geopolítico do país, que hoje é governado pelo progressista Alberto Fernández, mas vê o crescimento da extrema direita de Javier Milei, o que causa uma divergência eleitoral nacional que pode ser transferida para o bloco em questões futuras.

Vale ressaltar que essa crise política não é nem o aspecto mais preocupante do país sul-americano: a inflação acumulada entre 2021 e 2022 foi de impressionantes 124%[10], gerando desvalorização brutal no peso argentino e contribuindo para que 40% da população do país se encontre, hoje, abaixo do nível da pobreza. Observando esses aspectos, é evidente que o BRICS não convidou a Argentina para integrar o grupo por causa do seu potencial socioeconômico nos próximos anos.

Outro caso interessante é a Etiópia. A entrada desse país no BRICS levantou grandes divergências, visto o contexto de guerra-civil que acontece há dois anos no seu território. Por um lado, o país, que é uma das economias que mais crescem na África, teria possibilidades de promover ainda mais o seu desenvolvimento. Em contrapartida, a população vem sofrendo com a seca e com as consequências da guerra civil há anos, e a inflação interna do país atinge níveis elevados, o que, para alguns economistas, deveria ser prioridade no tratamento econômico nacional, como demonstrou Steve Hanke, da Universidade Johns Hopkins, ao dizer que "Em vez de procurar aderir ao bloco dos BRICS, o primeiro-ministro Abiy Ahmed deveria concentrar-se em travar a inflação"[11]. Somado a isso, a economia da Etiópia, baseada essencialmente no setor agrícola, é apenas a 59ª economia do mundo, segundo o FMI, e seu PIB é metade do registrado pela África do Sul, hoje o menor membro do BRICS[12]. Assim como no caso argentino, não é possível entender a entrada da Etiópia no BRICS analisando apenas as métricas sociais e econômicas dessa nação.

Seguindo a investigação, o convite à Arábia Saudita, Emirados Árabes e Irã aparenta ser economicamente mais justificável, uma vez que as três nações estiveram entre os dez países que mais produziram barris de petróleo por dia em 2022[13]. Contudo, esses países, com a inclusão do Egito na análise, são internacionalmente conhecidos por sua opressão a grupos minoritários, com o preconceito sendo amparado por lei em alguns deles, inclusive. Assim, surge a dúvida: o respeito aos direitos humanos não deveria ser um critério a ser observado para a adesão de novos membros em uma aliança com tamanha representatividade mundial como é o BRICS? A verdade é que, por essa perspectiva, a própria presença da Rússia na aliança deveria ser seriamente questionada, dada a sua aberta posição anti-LGBTQIA+.

Um dos motivos considerados primordiais para a entrada desses novos países, apesar dos questionamentos levantados até aqui, é atender os desejos expansionistas da China. Segundo Igor Lucena, doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa, os chineses anseiam liderar um bloco capaz de fazer frente ao G7, e a transformação do BRICS em BRICS+ pode ser o primeiro passo. Vemos isso por meio das nações convidadas ao bloco, já que todas possuem forte relação com o Governo chinês: o país é o principal parceiro comercial de Etiópia e Irã, tem estreitado laços nos últimos anos com Argentina, Arábia Saudita e Emirados Árabes e é o financiador da construção da nova capital do Egito. Claro que a expansão foi apoiada por todos os membros e reforça o destaque crescente da aliança como um todo ao redor do mundo, mas é inegável que beneficia principalmente a China, que fortalece ainda mais a sua posição no cenário político global com um bloco expandido e sob sua liderança.

Apesar dessas dúvidas levantadas, algo que é plausível de considerar é a possibilidade do desejo de adesão em massa ao BRICS colocar em risco a hegemonia do dólar como moeda internacional, mesmo que de forma embrionária. O presidente Lula deixou claro a intenção do grupo: “o que nós queremos é criar uma moeda que permita que a gente faça negócio sem precisar comprar dólar”[14]. Em teoria, isso facilitaria as trocas internacionais entre os membros, o que reduziria a dependência e vulnerabilidade entre eles, os protegendo das flutuações cambiais. Em uma realidade em que metade do PIB mundial é produzido por membros desse grupo, uma ameaça ao dólar não se mostra tão utópica assim.

A partir dessa análise, percebe-se que o questionamento à ampliação do BRICS é visivelmente válido, e continuará sendo discutido por algum tempo. Quais são os critérios analisados para a entrada no grupo? Em que grau as novas adições demonstram uma mudança nos rumos do grupo? É necessário refletir sobre essas e outras questões, para que a política econômica interna do bloco, juntamente com a economia brasileira, não seja prejudicada.

Henrique Moura

Maria Luiza Patricio

[1] Brics, 18 anos: o sobe e desce econômico em 3 momentos chaves. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50405542. Acesso em: 16 set. 2023. [2] Qual a relevância do Brics e quais os seus desafios para o futuro. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41115877 . Acesso em: 16 set. 2023. [3] Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido [4] A Cimeira dos BRICS 2023: a procura de uma Nova Ordem Mundial. Disponível em: https://opeb.org. Acesso em: 16 set. 2023. [5] Expectativa é que PIB dos BRICS corresponda a 50% do mundial em 2030. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia. Acesso em: 16 set. 2023. [6] Brics: 22 países oficializaram pedido para entrar. Disponível em: https://anba.com.br/brics-22-paises-oficializaram-pedido-para-entrar/. Acesso em: 16 set. 2023. [7] Brics terá seis novos países a partir de janeiro de 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia. Acesso em: 16 set.2023. [8] Alternativa ao Ocidente: entenda por que tantos países querem entrar no Brics. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br. Acesso em: 17 set. 2023. [9] Alternativa ao Ocidente: entenda por que tantos países querem entrar no Brics. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br. Acesso em: 17 set. 2023. [10] Inflação na Argentina dispara a 124%, com maior alta mensal em 32 anos. Disponível em: https://www.metropoles.com/negocios. Acesso em: 17 set. 2023. [11] O plano da Etiópia de aceder aos BRICS é controverso. Disponível em: https://www.dw.com. Acesso em: 17 set. 2023. [12] Etiópia pede para entrar no grupo Brics de economias emergentes. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias. Acesso em: 17 set. 2023. [13] Maiores produtores mundiais de petróleo em 2022. Disponível em: https://www.ibp.org.br/observatorio-do-setor. Acesso em: 17 set. 2023. [14] Lula confirma criação de uma moeda comum dos Brics para facilitar trocas comerciais. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia. Acesso em: 17 set. 2023.

Henrique Moura

Maria Luiza Patricio


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