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Bancos Comunitários: Lutando Contra as Mazelas do Sistema

Atualizado: 14 de abr. de 2023



Uma marca latente do cenário econômico nacional é o alto prejuízo social de grande parte da população brasileira com o sistema bancário, com destaque para a população de baixa renda. Um sintoma dessa relação nociva pode ser visto por meio dos dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), na qual o Brasil alcançou, em fevereiro de 2023, um total de 78,3% de famílias endividadas e, deste total, cerca de 11,6% não terão condições de pagar as suas dívidas e irão se converter em inadimplentes. Além disso, somado a essa situação, atualmente a taxa básica de juros da economia brasileira, a Taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), encontra-se em um alto patamar de 13,75%[1]. O que causa uma dificuldade adicional para as famílias em pagar seus débitos, uma vez que, com o aumento da taxa, segue-se o encarecimento do crédito.


Em consonância com a dependência do sistema bancário, o Brasil também sofre com a persistência do processo inflacionário. De acordo com os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial da inflação nacional, alcançou, em fevereiro de 2023, 5,60% no acumulado dos últimos doze meses[2]. Somado a essa conjuntura, o desemprego, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), alcançou 8,4% da população no trimestre de novembro de 2022 a janeiro de 2023, o que corresponde a aproximadamente 9 milhões de trabalhadores[3].


No entanto, em contraste às mazelas sociais vigentes na sociedade brasileira, os bancos privados conseguiram obter lucros exorbitantes nos últimos anos. Nesse contexto, de acordo com o levantamento realizado pelo Poder 360, em 2022, os principais bancos privados no Brasil arrecadaram 96,2 bilhões de reais, o que corresponde a um crescimento de 6,3% em relação a 2021[4]. Uma consideração interessante para visualização da realidade quase distópica vista no setor bancário brasileiro, seria a lucratividade do banco privado Santander, de matriz espanhola, com maiores ganhos em território nacional do que em seu país de origem[5].


Quando Mankiw, em Princípios de Microeconomia, apresenta os dez princípios de economia, ele sugere por primeiro: “As pessoas enfrentam trade-off”, isto é, passam por decisões para as quais qualquer que fosse a escolha levaria à perda pela outra. Como exemplo, o autor pontua o trade-off que os governos encaram entre a priorização da eficiência ou da equidade. Entretanto, algo há de ser questionado: em qual contexto seria considerável garantir os altos lucros bancários ao invés de combater essa realidade macabra?


Em contrapartida com a lógica do sistema bancário brasileiro, surgiu no final da década de 1990, uma nova ferramenta de sobrevivência nessa lógica parasitária de exploração e aprisionamento no sistema de crédito. Uma política de auxílio aos empreendedores locais, o primeiro banco comunitário no Brasil, o Banco Palmas (Fortaleza-CE). Essas instituições prestam serviços financeiros solidários e atuam em rede de forma comunitária. Além disso, buscam proporcionar a dinamização e o desenvolvimento de mercados regionais, com a promoção de emprego e renda. Dessa maneira, duas importantes marcas desse tipo de associação são a gerência pela própria comunidade e o enfoque nas localidades de vulnerabilidade, atingidas pela exclusão e desigualdade social[6].


Durante o processo de urbanização e valorização do solo da zona costeira da cidade de Fortaleza, no Ceará, a partir de 1973, os primeiros habitantes foram forçados a abandonar a região para o desenvolvimento do turismo. Essa região de beira-mar inicialmente era uma área ocupada por favelas e, de forma a negligenciar as questões estruturais e sociais, aquela população, que não era bem quista pelo turismo, foi expulsa para um conjunto habitacional sem nenhum suporte de infraestrutura urbana, o Conjunto Palmares. Diante desse contexto de desamparo e exclusão, é que os moradores, vinte anos mais tarde, depois de batalharem para garantia de uma urbanização mínima da região, criaram o Banco de Palmas, para dessa vez proporcionar um desenvolvimento socioeconômico na comunidade[7].


Essa estrutura de gestão comunitária, com uma proposição financeira solidária, pôde ser compartilhada com outras regiões. No Espírito Santo, de acordo com a Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes), temos um total de nove bancos comunitários, sendo: três na Serra, dois na cidade de Vila Velha, um em Cariacica, um em Pedro Canário, um em Nova Venécia e mais um na Região do Caparaó[8].


Essas organizações utilizam diversas ferramentas para atuar no desenvolvimento social das regiões alcançadas por essa iniciativa. Por exemplo, existe o crédito produtivo, com o qual podem adotar linhas de créditos especiais para apoiar a expansão de novos empreendimentos. Outra ferramenta utilizada são os chamados fundos solidários, criados para atender grupos de pessoas que trabalham no mesmo setor (como feirantes ou microempreendedores), em que o banco comunitário realiza a compra diretamente com os fornecedores. Desse modo, como benefício, os empréstimos a serem pagos ao banco comunitário são parcelados em seis meses, sem a cobrança adicional de juros[9].


À vista disso, outra forma bastante conhecida de atuação dos bancos comunitários é a disponibilização de créditos para o consumo, por meio da veiculação das chamadas moedas sociais. Essas moedas são criadas pelos próprios bancos comunitários com o intuito de estimular o consumo entre a população, já que estas serão aceitas apenas pelos comerciantes da região em que atua o banco. Ao todo, existem, aproximadamente, 117 moedas sociais em circulação pelos estados da federação. Contudo, é importante frisar que as moedas sociais têm função complementar, restritas apenas a uma região específica, e os Bancos Comunitários são obrigados a enviar ao Banco Central (Bacen) relatórios sobre a quantidade de emissão de moeda social.


Apesar de ser uma política multiplicada por diversas regiões no país, ainda não existe legislação regulatória e, nesse sentido, existe uma contradição no funcionamento dessas instituições com seu propósito. Devido a essa restrição, esses bancos não podem realizar poupança e gerar empréstimos por si, dependendo dos bancos tradicionais, com suas taxas de juros elevadas e exigências para não restringir a concessão do crédito[10].

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No entanto, isso não é motivo para questionar sua atuação, já que, como evidenciado ao longo do texto, este aplica diversas outras ações de apoio ao desenvolvimento socioeconômico da região. Não obstante, também possibilita a inclusão dessas localidades que, por sua vez, foram excluídas dos postos bancários tradicionais. Para isso, atuando como correspondente, permite que a comunidade possa realizar pagamento de contas sem ter que se deslocar para regiões vizinhas.


O lema principal do Banco Palmas é “Ninguém sai da pobreza sozinho” e, com certeza, a atuação dos bancos comunitários em regiões carentes é uma fonte de transformação e desenvolvimento social para a população. Mas não apenas, trata-se de uma forma de mitigar a nociva dependência da população de baixa renda com o sistema bancário nacional.



Arthur Buffon Rodrigues Viana

Matheus Ferreira Maia


 

Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.

[1] RIVEIRA, Carolina. Copom mantém Selic em 13,75% pela quinta reunião consecutiva. Exame, 2023. Disponível em: <https://exame.com/economia/decisao-copom-selic-marco-2023/>. Acesso em: 29 de mar. 2023. [2] IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. SISTEMA NACIONAL DE ÍNDICES DE PREÇOS AO CONSUMIDOR VARIAÇÕES MENSAIS POR GRUPOS E ITENS IPCA - FEVEREIRO DE 2023. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/236/inpc_ipca_2023_fev.pd>.Acesso em: 29 de mar. 2023. [3] Desemprego fica em 8,4% em janeiro e atinge 9 milhões de brasileiros. Uol, 2023. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/03/17/pnad-continua-ibge-desemprego.htm>. Acesso em: 23 de mar. 2023. [4] FERRARI, Hamilton. Principais bancos lucram R$ 96,2 bilhões em 2022. Poder 360, 2023. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/economia/principais-bancos-lucram-r-962-bilhoes-em-2022/#:~:text=Os%20principais%20bancos%20lucraram%20R,R%24%2090%2C5%20bilh%C3%B5es.>. Acesso em: 23 de mar. 2023. [5] SANCHEZ, LIGIA. Santander: Brasil fará maior contribuição no lucro. Disponível em:<https://exame.com/negocios/santander-brasil-fara-maior-contribuicao-lucro-568880/>. Acesso em: 29 de mar. 2023. [6] MAGALHÃES, Sandra; SEGUNDO, João Joaquim de Melo Neto. Bancos Comunitários. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2009. Disponível em: <https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4059/1/bmt41_10_Eco_Bancos_41.pdf>. Acesso em: 29 de mar. 2023. [7] MOSTAGI, Nicole Cerci; PIRES, Lilian de Lima; MAHNIC, Chayne de Lima Pereira; SANT

OS, Luís Miguel Luzio dos. Banco Palmas: inclusão e desenvolvimento local. Campo Grande: Interações, v. 20, n. 1, p. 111-124, jan./mar. 2019. [8] Bancos Comunitários. Aderes. Disponível em: <https://aderes.es.gov.br/bancos-comunitarios>. Acesso em 29 de mar.

de 2023. [9] O que é um Banco Comunitário. Instituto Banco Palmas. Disponível em: <https://www.institutobancopalmas.org/o-que-e-um-banco-comunitario/>. Acesso em :23 de mar. 2023. [10] Como Implantar um Banco Comunitário. Instituto Banco Palmas. Disponível em: <https://www.institutobancopalmas.org/como-implantar-um-banco-comunitario/>. Acesso em: 29 de mar. 2023.


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