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A ilusão do microeemprendedorismo no Brasil


Os empreendedores. Disponível em: <https://www.diariodocentrodomundo.com.br/charge-os-empreendedores/> Acesso em: 02 out. 2020.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 30 de setembro de 2020, o Brasil atingiu a maior taxa de desemprego desde 2012: o índice bateu seu recorde de 14,6% no 3º trimestre do ano, atingindo cerca de 14,1 milhões de brasileiros¹. Um dos grandes fatores que levaram a esse recorde tem sido a pandemia de Covid-19 que desde março impactou fortemente o mercado de trabalho brasileiro.


A crise econômica vem se arrastando desde 2015 no Brasil e a pandemia apenas intensificou esse cenário crítico, já que encontrou uma economia fragilizada com baixas expectativas de retomada de crescimento, postos de trabalho deteriorados e um agravamento das desigualdades sociais. Além do crescimento da taxa de desemprego, dados divulgados pelo IBGE no dia 16 de julho apontam que cerca de 552 mil empresas fecharam devido a retração da economia global, sendo 99% de pequeno porte². Outro problema intrínseco da economia brasileira é a precarização das relações de trabalho que se materializa na redução de direitos trabalhistas, carga horária excessiva, piores condições de trabalho, deterioração das ocupações e tantos outros fatores aliados ao desemprego têm feito com que muitas pessoas procurem outras formas de garantir um rendimento mínimo para sua sobrevivência. Uma dessas formas, que vem se popularizando na sociedade, é o empreendedorismo, o qual trataremos aqui especificamente sobre o microempreendedorismo individual.


Segundo Luana Génot, empresária e jornalista, devemos diferenciar o empreendedorismo de duas formas, o de oportunidade e o de necessidade, para ela, o primeiro é aquele que, a partir da análise de um cenário, enxerga-se uma chance de criar ou aprimorar um produto ou serviço. O objetivo, nesse caso, é sanar uma necessidade ou desejo de um determinado público e ganhar dinheiro com isso. O segundo, por outro lado, onde as pessoas empreendem por necessidade, é aquele onde não há outra opção para garantir uma renda mínima e encontram assim uma saída. Geralmente, são microempreendedores e não conseguem gerar outros empregos. Estão na luta pelo sustento de suas famílias e empreendem para sobreviver³.


A informalidade consiste na ausência de vínculos empregatícios entre empregador e empregado, ou seja, ausência de carteira de trabalho assinada. Por sua vez, esse fato implica que os trabalhadores não possuem alguns direitos básicos, como férias remuneradas, 13⁰ salário, sem amparo da proteção social e sem aposentadoria, além de terem renda variável ligada diretamente ao número de vendas ou prestação de serviço⁴. Os microempreendedores estão enquadrados na categoria de trabalho informal (quando não aderem ao MEI). De acordo com dados da PNAD Contínua, divulgados pelo IBGE em 27 de novembro de 2020, a taxa de informalidade no mercado de trabalho brasileiro foi de 38,4%,

somando 31,6 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, sem CNPJ (empregadores ou empregados por conta própria) ou trabalhadores sem remuneração. Seu recorde foi de alcançado em agosto de 2019, com 41,4% da população ocupada nessa condição⁵.


Com o cenário de pandemia as dificuldades para essas pessoas só aumentaram. Os trabalhadores informais não possuem nenhum tipo de proteção legal, principalmente no que tange a licença médica tão necessária nesse contexto já que esses trabalhadores estão expostos ao vírus. Alguns exemplos de informais são usuários que trabalham via aplicativos como Uber, Ifood, Rappi, Loggi, entre outras, porém, na maioria das vezes estes são na verdade trabalhadores por conta própria, que diferentemente dos microempreendedores, não possuem garantia alguma.


O microempreendedor individual (MEI) é um programa criado em 2009 pelo governo federal. De certa forma o objetivo é fazer com que trabalhadores informais saiam da “informalidade”, na medida em que se inserem nessa categoria de pessoa jurídica.


Em 11 anos de programa, o número de MEIs no país atingiu 10,8 milhões no mês de setembro de 2020⁶, sendo este o maior número de cadastrados na história do país. O relatório especial de microempreendedor individual feito pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)⁷, em 2019 é o que traz dados mais concisos sobre a atividade: 76% dependem exclusivamente dela para o seu sustento; 19 milhões de pessoas são impactadas pela atividade (quase 9,3% da população brasileira); sendo 77% atuantes no ramo de serviços e comércio.


Em pesquisa de 2017⁸, especialistas ouvidos relataram três principais dificuldades para empreendedores no país: políticas governamentais e programas; apoio financeiro; contexto político e clima econômico. Grande parte das recomendações para solucionar essas questões e melhorar o ambiente de negócios passam por reformas microeconômicas, como simplificar tributos, desburocratizar os processos e dar assistência técnica aos microempreendedores. Para além disso, linhas de crédito são outra questão complicada, devido ao próprio sistema financeiro brasileiro atuar com uma das maiores taxas para concessão de financiamentos e empréstimos. A crise também não ajuda, dado o menor nível de atividade econômica.


Como dito anteriormente o objetivo da política pública é reduzir a informalidade, entretanto apenas 33% dos MEIs atuavam na informalidade antes de aderirem ao programa. Grande parte das pessoas que entram no programa vêm de empregos formais, pois é mais barato para as empresas contratarem MEIs do que assinar carteira de trabalho. Por ter uma baixa taxa para adesão ele é utilizado para que empresas contratem os MEIs e desvinculam-se na legislação que garante os direitos trabalhistas. Ou seja, as empresas estão deixando de contratar por carteira assinada para contratar pessoas jurídicas (MEIs) em um processo denominado de “pejotização.”


Nesse sentido, a precarização das relações de trabalho vem em conjunto com o aumento do empreendedorismo. As pessoas competem por vagas de emprego como empresas que competem em um mercado concorrencial, entretanto quando as pessoas perdem esse jogo, são empurradas à pobreza. Por sua vez, esse processo perpassa sobre como a informação é difundida na mídia e de como a educação é voltada para o mercado⁹. Isso porque, mesmo as condições iniciais sendo distintas, a possibilidade de ascensão social sempre perpassa na cabeça de cada um de nós. Evidentemente a concorrência nesse jogo é desigual e as possibilidades de ascensão residem naqueles que tiveram melhores oportunidades tanto educacionais, quanto de cuidados básicos desde a infância, e a oportunidade de fazer-se uma faculdade.


A ideia acerca de ser empresário de si mesmo transcorre por circunstâncias como a liberdade gerada por relações de trabalho mais flexíveis em termos de horários, e por salários determinados por produtividade, condicionando o indivíduo a se autogerir e se autorregular. Essas novas relações invadem outros campos da vida social, o fracasso e a não capacidade de enquadrar-se no mercado de trabalho é sempre individual e nunca um problema da sociedade.


Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como "Galo de Luta" no Twitter, é um dos principais nomes no movimento de entregadores de aplicativos antifascistas¹⁰. O movimento luta por maiores taxas pagas pelos aplicativos e uma taxa mínima a ser paga por entrega, assistência eficaz durante a pandemia de Covid-19, fim dos bloqueios considerados injustificados e do esquema de pontuação que diminui a nota de quem recusa entregas, auxílio para entregadores que se acidentarem, além de, buscarem a garantia do vínculo empregatício. Segundo ele, durante a pandemia o número de trabalhadores por aplicativo nas ruas triplicou, porém estão ganhando cada vez menos. Para Paulo, muitos motoristas têm resistência à luta por melhores condições de trabalho, segundo ele “[muitos] acreditaram mesmo na ideia do empreendedorismo, qual foi a mentira que contaram para eles? "Vocês são empreendedores, são quase igual a gente, são ricos, podem ficar ricos se trabalharem muito para a gente". Só em 2019, quando fui procurar emprego de motoboy, vi que não tinha mais. O aplicativo cercou o mercado. Me toquei que o mundo mudou. Não era mais um motoboy, eu era um entregador."¹¹


Nesse contexto, podemos ver que há uma idealização social no conceito de empreendedorismo em entrevistas de televisão, ou matérias de jornais e revistas, principalmente ligadas ao negócio. São inúmeras as notícias de negócios que deram certo ou de pessoas que tiveram seus lucros multiplicados. Por um lado, vemos histórias de brasileiros que saíram de seus empregos e viram no próprio negócio uma alternativa mais atrativa - passar mais tempo com a família, trabalhar de casa, ter mais tempo livre, controlar seus próprios horários de trabalho e tantas outras vantagens. Por outro lado, há histórias de pessoas que tentaram abrir seu próprio negócio e por motivos diversos não obtiveram sucesso, essas pessoas dificilmente estarão estampadas nos jornais ou serão entrevistadas por programas de televisão, e não serão essas pessoas que estarão nos anúncios de propagandas do YouTube.¹² A ideia de empreendedorismo vendida pela mídia não mostra a realidade dos inúmeros empresários no Brasil, e devido aos entraves que vem junto da ocupação, infelizmente, muitos deles têm de sair do mercado.


Faz-se importante compreender que o cenário escancarado pela pandemia é algo muito próximo da nossa realidade. Para o professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Hélio Zylberstajn, caminhamos para um mundo sem vínculos empregatícios ou com eles cada vez mais superficiais¹³. Cada vez mais tendemos a ter profissionais marginalizados perante a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, com a precarização dos postos de trabalho e com a crescente informalidade, o frágil mercado de trabalho brasileiro está sendo tomado por tais postos marginalizados que veem seus direitos básicos deteriorados. A ideia do empresário é tomada pela sociedade e mascara os problemas reais enfrentados pelo trabalhador brasileiro, que ao invés de lutar contra o domínio das empresas sobre as pessoas, se vê submetido a elas.


Apesar do ideário de sucesso do empreendedorismo, muitos empresários estão sujeitos a marginalização, o que pode ser evidenciado pelos dados de microempreendedorismo individual crescendo cada vez mais no país como resposta às mazelas escancaradas pela pandemia. Devemos nos ater ao que os dados realmente podem estar indicando, como a precarização do trabalho e a falta de garantia para os trabalhadores ao invés da grande liberdade e autogestão tão prometida por tal fantasia.


Amanda Cristaldo Neis

Plínio Natalino


Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.



¹Alerrandre Barros e Umberlândia Cabral. Estatísticas Sociais. Desemprego chega a 14,6% no terceiro trimestre, com alta em 10 estados. 2020. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de noticias/noticias/29520-desemprego-chega-a-14-6-no-terceiro-trimestre-com-alta em-10-estados >. Acesso em: 16 dez. 2020.

²Ana Flor. G1. Pandemia pode levar 3,5 mil empresas à recuperação judicial e à falência, diz estudo. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/blog/ana-flor/post/2020/07/17/pandemia-pode levar-35-mil-empresas-a-recuperacao-judicial-e-a-falencia-diz-estudo.ghtml >. Acesso em: 16 dez. 2020.

³Luana Génot. O Globo. Empreendedorismo de oportunidade e de necessidade. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/ela/luana-genot empreendedorismo-de-oportunidade-de-necessidade-24454522 >. Acesso em: 13 out. 2020.

⁴Cesar Gaglioni. Nexo. Informalidade e coronavírus: as medidas dos apps e a renda em xeque. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/15/Informalidade-e coronavírus-as-medidas-dos-apps-e-a-renda-em-xeque >. Acesso em: 01 out. 2020.

⁵Idem. Desemprego chega a 14,6% no terceiro trimestre, com alta em 10 estados.

⁶G1. País ganhou quase 1 milhão de MEIs desde o início da pandemia; veja relatos. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/09/19/pais ganhou-quase-1-milhao-de-meis-desde-o-inicio-da-pandemia-veja-relatos.ghtml>. Acesso em: 01 out. 2020.

⁷SEBRAE (Brasília). Relatório Especial MEI 10 anos. 2019. 99 p. Disponível em: <https://datasebrae.com.br/wp-content/uploads/2020/09/MEI-10-anos-p impressao-v3_compressed.pdf>. Acesso em: 01 out. 2020.

⁸GLOBAL ENTREPRENEURSHIP RESEARCH ASSOCIATION. Empreendedorismo no

Brasil. 2017. 23 p. Disponível em: <https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Relat%C3%B3rio%2 0Executivo%20BRASIL_web.pdf >. Acesso em: 01 out. 2020.

⁹DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Rio de Janeiro: Boitempo, 2016. 413 p.

¹⁰Paola Soprana. Folha de São Paulo. Acreditaram na mentira do empreendedorismo, diz líder do Entregadores Antifascistas. 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/07/acreditaram-na-mentira-do empreendedorismo-diz-lider-do-entregadores-antifascistas.shtml >. Acesso em: 01 out. 2020.

¹¹ Idem. Acreditaram na mentira do empreendedorismo, diz líder do Entregadores Antifascistas.

¹² Folha de São Paulo. Por trás de uma história de sucesso, há diversas histórias de fracasso que não são contadas. 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/por-que-economes-em-bom-portugues/2020/06/por-tras-de-uma-historia-de-sucesso-ha-diversas-historias-de-fracasso-que-nao-sao-contadas.shtml >. Acesso em: 01 out. 2020.

¹³Cristian Favaro. Informalidade da nova economia preocupa Justiça e sindicalistas. 2020. Disponível em: <https://infograficos.estadao.com.br/focas-ubereconomia/nova-economia-1.php >. Acesso em: 01 out. 2020.

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