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Qual é o X das Redes Sociais?


 

Em 31 de agosto, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de suspender o X (antigo Twitter) surpreendeu os mais de 22 milhões de usuários brasileiros ativos da plataforma.[1] A medida reflete o crescente embate entre o ambiente digital e o sistema jurídico, uma vez que as diretrizes que regulam a rede social não condizem com as normas constitucionais do país. Em razão disso, a   iniciativa do ministro evidenciou a gravidade das infrações e a urgente necessidade de ações mais rigorosas para assegurar a soberania nacional, o cumprimento das normas e promover o uso responsável do espaço virtual. Além disso, essa decisão ilustra a complexidade crescente de regular o ambiente digital, no qual as regulações nem sempre acompanham o ritmo acelerado das transformações tecnológicas e sociais.[2]


Criadas com o potencial de transformar o debate público, as redes sociais pareciam ser um meio de comunicação mais democrático, livre dos limites impostos pelas grandes corporações midiáticas, intimamente alinhadas aos interesses burgueses. A princípio, as plataformas digitais abriram novos espaços de participação política e permitiram que movimentos sociais e políticos amplificassem suas demandas. No Brasil, essa dinâmica das redes sociais se intensificou ainda mais durante as Jornadas de Junho[3] no ano de 2013, quando milhões de brasileiros foram às ruas em todo país, inicialmente, em razão do aumento das tarifas do transporte público. No entanto, isso serviu apenas para revelar a insatisfação da população, ainda que difusa, quanto à qualidade dos serviços públicos, à lisura dos gastos públicos e da própria democracia no país. A partir da alta adesão popular às manifestações, a classe dominante começou a legitimar e apoiar os protestos, direcionando-os a favor de uma agenda de reformas pró-mercado. O período representou um marco na forma como a política começou a ser disputada dentro do ambiente digital, com destaque para o facebook que foi muito utilizado na organização das manifestações e na fomentação dos debates públicos.


Desse modo, à medida que o espaço das redes sociais se consolidava como o novo palco dos debates políticos, diversos grupos conservadores e neoliberais, representantes da classe capitalista, organizaram-se de forma estratégica. Com o auxílio de Think Tanks, — instituições voltadas para a produção intelectual e ideológica — esses grupos construíram um aparato robusto de disseminação de seus ideais, fundamentais para a reprodução da hegemonia da classe dominante. Essa atuação nas redes sociais é sutil, mas poderosa, assim ao se posicionarem como fontes confiáveis e objetivas de conhecimento, os Think Tanks, moldam a opinião pública de maneira quase imperceptível. Ao mesmo tempo, muitas vezes conseguem mascarar sua verdadeira natureza: defensores de uma agenda que perpetua desigualdades e protege os interesses da classe dominante. [4]


Com isso, Think Tanks, como o Instituto Millenium, o Instituto Liberal, o Instituto Mises Brasil e o Movimento Brasil Livre (MBL) não apenas fornecem base intelectual para o discurso conservador e neoliberal, mas também adaptam suas mensagens ao formato viral e emocional das redes sociais, criando um ecossistema digital que amplia o alcance dos ideais da burguesia. Tal articulação contribui para consolidar um discurso hegemônico que dificulta a emergência de alternativas que desafiem o status quo, criando um ambiente digital onde as opções políticas são limitadas a uma visão de mundo que favorece as elites econômicas e políticas.


As plataformas digitais, ao se posicionarem como neutras e defensoras de uma liberdade irrestrita de expressão, escondem que estão efetivamente favorecendo grupos que exploram essa lógica para difundir desinformação e discursos extremistas. No Brasil, esse mecanismo foi particularmente explorado pela extrema direita, que utilizou o Twitter como um dos espaços centrais para disseminar seu sistema de comunicação, mobilizando sua base e inundando o debate público de discursos socialmente reacionários e economicamente pró-austeridade. A capacidade dessas empresas de mobilizar e engajar seus seguidores de maneira eficaz não apenas intensificou o clima de confronto, mas também desempenhou um papel crucial na eleição de Jair Bolsonaro, no ano de 2018, em que a campanha do presidente eleito se beneficiou significativamente desse processo, utilizando as redes sociais para expandir seu apoio e impactar a opinião pública de forma decisiva.[5]


Desse modo, a aquisição da empresa pelo bilionário Elon Musk no ano de 2022, em uma transação avaliada em R$ 235 bilhões[6], reforçou ainda mais essa tendência, consolidando a plataforma como um campo de batalha ideológica, no qual a retórica de liberdade de expressão é usada para justificar a desregulação e a disseminação de conteúdos que criam uma desconfiança generalizada em relação às instituições democráticas e à ciência. A disseminação dessas narrativas é frequentemente coordenada por redes de bots — programas de computador projetados para executar tarefas automatizadas e repetitivas — e grupos de “influenciadores digitais”, que utilizam algoritmos e técnicas de viralização para difundir suas mensagens.


Como resultado, essas empresas não apenas se tornaram gigantes econômicos, mas também se estabeleceram como agentes centrais no debate político, moldando o comportamento dos eleitores e a dinâmica das campanhas eleitorais. A influência das Big Techs[7] sobre o debate político, o desenvolvimento tecnológico e a estabilidade financeira revelam um padrão de concentração de poder que compromete a equidade desses setores. Esse poder concentrado permite que essas corporações influenciem as práticas e políticas que exacerbam desigualdades e fragilidades que impactam a sociedade como um todo.[8]

À vista disso, o Estado atua como facilitador desse processo, especialmente, ao adotar uma postura de desregulamentação em áreas essenciais, como a economia e a comunicação. Assim, ao adotar políticas neoliberais, o Estado foi progressivamente renunciando seu papel de regulador e mediador das relações econômicas e sociais, o que permitiu que corporações e grupos privados ganhassem mais autonomia e poder. Esse processo foi fundamental para o crescimento das Big Techs, que se beneficiam da ausência de regulamentações rígidas sobre coleta de dados, publicidade digital e controle de conteúdo nas redes sociais.[9]


Nesse sentido, esse quadro de desregulamentação foi essencial para a ascensão de grupos ultraconservadores e neoliberais, que utilizam as redes sociais de maneira estratégica, aproveitando-se da lógica de funcionamento das plataformas e da ausência de intervenções do Estado, para manipular o conteúdo, disseminar notícias falsas e propagar desinformação. O Estado ao mesmo tempo que precisa responder a pressões populares por mais regulamentação, transparência e justiça, atua também como guardião dos interesses da classe dominante, protegendo as grandes corporações e garantindo que as redes sociais continuem sendo um espaço seguro para a acumulação de capital. Essa contradição reflete o papel do Estado capitalista: mediar os conflitos de classe, enquanto sustenta as estruturas que perpetuam a dominação da burguesia.


Dado o exposto, a ação judicial conduzida pelo Supremo Tribunal Federal representa apenas uma tentativa do Estado de limitar a ação do poder desmedido das Big Techs. Embora essas medidas judiciais sejam necessárias, o enfrentamento desse fenômeno revela um desafio de alta complexidade que vai além da ação do judiciário. Para mais, ainda que o Estado busque atuar em prol da soberania nacional, permanece intrinsecamente limitado pelas ferramentas de dominação burguesa que o estruturam. Sendo assim, a tentativa do Estado em levar ao ambiente virtual as mesmas leis que vigoram no mundo real apenas atenua o poder desses aparelhos privados de se beneficiarem e lucrarem com a disseminação de discursos falsos e oportunistas.


                                                                                  Arthur Mariano

Maria Caneva


 

Resenha Econômica é uma publicação do Programa de Educação Tutorial - PET/SESu - do Curso de Ciências Econômicas, com resumos de comentários ou notícias apresentados na imprensa. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a posição do grupo a respeito dos temas abordados. Qualquer dúvida sobre as atividades do PET escreva para: peteconomiaufes@gmail.com.


[1] REDAÇÃO. Mais que uma rede: Twitter foi queridinho da publicidade brasileira. Forbes. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-mkt/2024/08/mais-que-uma-rede-tw itter-foi-a-queridinha-da-publicidade-brasileira/. Acesso em: 10 set. 2024.

[2]LIMA, Ana Gabriela Oliveira Em cinco pontos, entenda a suspensão do X no Brasil. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/08/31/entenda-derrubada-do-x-no-brasil-o-que-esta-valendo-e-o-que-esperar.ghtml. Acesso em: 11 set. 2024.

[3] MELLO, Daniel. Junho de 2013: entenda o cenário de insatisfação que levou a protestos. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-06/junho-de-2013-entenda-o-cenario-de-insatisfacao-que-levou-a-protestos Acesso em: 21/09/2024.

[4] HAUCK, Juliana C. Rosa. Think Tanks: Quem São, Como Atuam e Qual seu Panorama de Ação no Brasil. Belo Horizonte, 2015. 198 p.

[5]GAMA, Sophia. Guerra de desinformação: as fake news nas eleições de 2018. Disponível em : https://www.curitiba.pr.leg.br/informacao/noticias/guerra-de-desinformacao-as-fake-news-nas-eleicoes-de-2018. Acesso em 15 set. 2024.

[6] REDAÇÃO. Elon Musk e Twitter: a cronologia da primeira negociação até a compra da rede social. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/10/28/elon-m usk-e-twitter-a-cronologia-da-primeira-negociacao-ate-a-compra-da-rede-social.ghm. Acesso em 11 set. 2024.

[7] Grandes empresas de tecnologia e inovação que apresentam dominância no mercado econômico.

[8] Morozov, E. (2023). Big Tech: A ascensão das grandes empresas de tecnologia e a transformação da política e da sociedade.

[9] Idem. Ibidem.

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